Candidatos Legais

Segurança não deve manter a ordem, mas buscar garantia de direitos, diz advogada

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17 de setembro de 2022, 7h50

*Esta é décima terceira entrevista da série Candidatos Legais, na qual a ConJur sabatina profissionais do Direito que se candidatarão a cargos eletivos nas eleições deste ano. Para ler as outras entrevistas, clique aqui.

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O sistema de Justiça Criminal é racista, assim como a sociedade brasileira. Para mudar esse cenário, é preciso transformar a estrutura social. Isso deve ser feito com o combate aos preconceitos de raça, gênero e classe, a promoção de educação pública de qualidade, redução das desigualdades e garantia de direitos. Além de ter pessoas negras em espaços de poder no Executivo, Legislativo e Judiciário. É o que afirma a advogada Tamires Sampaio, candidata a deputada federa (PT-SP).

Ex-secretária-adjunta de Segurança Cidadã de Diadema (SP), Tamires afirma que a área não deve se orientar pela "manutenção da ordem", e sim buscar a garantia de direitos e o combate às desigualdades. Nesse sentido, um plano nacional de segurança pública, segundo a advogada, deve ter como pilares a formação dos policiais, a autonomia das corregedorias e a garantia de que os crimes cometidos por agentes estatais serão de fato investigados e punidos.

"Além disso, é necessário promover o fim real dos autos de resistência, criar um plano nacional de enfrentamento ao genocídio da população negra e promover uma articulação das áreas sociais junto à política de segurança", declara Tamires.

A guerra às drogas, de acordo com ela, tem a função de promover o "genocídio da população negra". Dessa maneira, Tamires defende a descriminalização e a legalização, tendo em vista que, no Brasil, "a criminalização das drogas é restrita a territórios, classes sociais e raças específicas".

Ex-diretora do Instituto Lula, Tamires cursou Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie graças a uma bolsa do Prouni. A transformação que as políticas públicas causaram à sua vida a motivou a entrar na política, com o objetivo de preservá-las e ampliá-las.

Se eleita, a advogada pretende apresentar projeto de lei para fortalecer as políticas de acesso ao ensino superior (como cotas e Prouni) com a garantia de medidas de permanência estudantil. Outras propostas da candidata são a criação da Patrulha Maria da Penha, para o acompanhamento de medidas protetivas a mulheres em todos os municípios; e a instituição de um fundo para garantir a implementação das políticas propostas no Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010).

Seu mestrado em Direito pelo Mackenzie gerou o livro Código oculto: política criminal, processo de racialização e obstáculos à cidadania da população negra no Brasil. Tamires Sampaio também é pesquisadora nas áreas de segurança pública, sistema de justiça criminal e racismo estrutural.

Leia a entrevista:

ConJur — Por que a senhora decidiu se candidatar a deputada federal?
Tamires Sampaio — Minha vida foi transformada pelas políticas públicas. Devo a elas a casa em que eu moro e o diploma universitário que eu tenho. Sou usuária do Sistema Único de Saúde e de vários outros serviços públicos. Como militante e filha de uma ativista do movimento de mulheres negras, eu cresci aprendendo que as políticas públicas são fruto da luta dos movimentos. Falo isso porque a minha decisão de ser candidata a deputada federal passa por um processo coletivo de avaliação da importância de eleger mulheres negras ao Congresso Nacional, mas, em especial, pessoas com compromisso com a luta dos movimentos, com o combate à fome, com a construção de uma política de segurança cidadã, defesa da educação e das políticas públicas em geral.

ConJur — Uma vez eleita, a senhora apresentaria um ou mais projetos logo no início do mandato? Se sim, quais?
Tamires Sampaio — Com certeza. Durante os meses de preparação da candidatura e essas semanas de campanha, já conversamos sobre vários projetos para serem protocolados. Vou dar três exemplos. O primeiro é garantir, na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), a criação da Patrulha Maria da Penha para o acompanhamento das medidas protetivas em todos os municípios. O segundo visa à criação de um fundo de promoção da igualdade racial para garantir a implementação das políticas propostas no Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). Já o terceiro busca fortalecer as políticas de acesso ao ensino superior (como cotas e Prouni) com a garantia de medidas de permanência estudantil.

É importante destacar que uma das primeiras ações a serem feitas no ano que vem é a revogação de leis que foram aprovadas nos últimos governos [de Michel Temer e Jair Bolsonaro], como a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a Reforma da Previdência (Emenda Constitucional 103/2019) e a Emenda do Teto de Gastos (EC 96/2016).

ConJur — De modo geral, como avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Tamires Sampaio — O Brasil, no geral, tem as melhores leis, em várias áreas. O problema está na execução dessas leis, que muitas vezes não são colocadas em prática.

ConJur — A qualidade da Justiça se subordina à qualidade das leis?
Tamires Sampaio — A Justiça como princípio dá base para a criação das leis. A Justiça como poder, processo, deve se subordinar à lei.

ConJur — Qual é o papel do Legislativo na produção da justiça?
Tamires Sampaio — O Legislativo contribui com a justiça tanto na perspectiva da produção de leis quanto no sentido de ser fiscal do Poder Executivo. Creio o estímulo à participação popular e social. Em uma democracia representativa como a do Brasil, a participação da população como um todo é fundamental para a justiça.

ConJur — Em sua opinião, é possível criar parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis?
Tamires Sampaio — O Poder Legislativo tem a função de aprovar o orçamento e fiscalizar como ele está sendo executado. Creio que a estipulação de meios para fixar esses parâmetros passa por avaliar quanto do orçamento está sendo aprovado e executado, para que as leis avaliadas de fato sejam implementadas.

ConJur — Em sua opinião, a advocacia, a academia e demais profissionais do Direito deveriam ter maior participação no processo legislativo? Se sim, como?
Tamires Sampaio — O processo legislativo tem que ter a participação da sociedade civil como um todo. E os operadores do Direito podem e devem participar do processo legislativo, em audiências públicas e plenárias específicas sobre as leis que podem ser feitas.

ConJur — Qual é a função social da guerra às drogas?
Tamires Sampaio — Genocídio da população negra.

ConJur — O que pensa sobre a descriminalização da posse de drogas para consumo? E da legalização do comércio de drogas?
Tamires Sampaio — Acho fundamental tanto a descriminalização quanto a legalização, tendo em vista que, no Brasil, a criminalização das drogas é restrita a territórios, classes sociais e raças específicas. E serve a um processo histórico de criminalização e genocídio da população negra.

ConJur — O sistema de Justiça Criminal é racista? Se sim, como mudá-lo?
Tamires Sampaio — O racismo é estrutural no Brasil. Isso significa que o racismo estrutura as instituições e relações sociais como um todo. Isso passa por todo o sistema de Justiça, além dos sistemas econômico, ideológico e político.

Combater o racismo no sistema de Justiça Criminal, assim como em todas as instituições, passa por uma transformação da nossa estrutura social como um todo. Isso passa pela garantia do acesso à educação pública de qualidade, pelo combate às desigualdades sociais e econômicas, pela garantia de direitos, pelo combate aos preconceitos de raça, gênero e classe, que são criados e estimulam a discriminação, e passa pela ocupação de pessoas negras em espaços de poder no Legislativo, Executivo e Judiciário.

ConJur — Um dos procedimentos penais em que o racismo mais se manifesta é o reconhecimento de pessoas, seja pessoal, seja por fotografia. Como torná-lo mais confiável e menos racista?
Tamires Sampaio — Construindo critérios objetivos para esse processo de reconhecimento. E estabelecendo a necessidade de que outras provas acompanhem o reconhecimento para que o acusado de fato seja indiciado. É necessário construir um regulamento para o processo de reconhecimento.

ConJur — As cotas raciais estão completando 20 anos no Brasil. Como a senhora as avalia? Acredita que elas poderiam ser estendidas para outras áreas, como vagas no Legislativo?
Tamires Sampaio — As cotas raciais são ações afirmativas fundamentais em um país como o Brasil. O sucesso nas universidades mostra a possibilidade de ampliá-las para outras áreas, como as que já foram feitas, por exemplo, as cotas no serviço público.

Acredito que, no âmbito da universidade, é importante ampliar a política de cotas, garantindo não apenas o acesso, mas também a permanência do estudante cotista na universidade. Políticas de assistência estudantil são fundamentais para garantir que eles tenham condições de cursar de forma plena o curso.

Sobre as vagas no Legislativo, no Brasil, as mulheres negras são 28% da população, mas apenas 2,3% dos deputados federais. A construção de ações afirmativas é fundamental para garantir maior equidade na representação.

ConJur — A senhora foi secretária-adjunta de Segurança Cidadã na cidade de Diadema. Como criar uma segurança cidadã e tornar a polícia brasileira menos violenta?
Tamires Sampaio — Segurança pública não pode ser sinônimo de manutenção da ordem. Segurança deve estar diretamente relacionada à garantia de direitos e ao combate às desigualdades. Precisamos construir um plano nacional de segurança pública que tenha como norte uma política de segurança cidadã, antirracista, preventiva e democrática. Isso passa pela formação dos agentes de segurança, pelo fortalecimento e em alguns casos pela criação das ouvidorias das polícias, pela autonomia das corregedorias e a garantia de que os crimes cometidos durante o período de trabalho serão de fato investigados e punidos. Além disso, é necessário promover o fim real dos autos de resistência, criar um plano nacional de enfrentamento ao genocídio da população negra e promover uma articulação das áreas sociais junto à política de segurança.

ConJur — O governo Bolsonaro facilitou a posse e o porte de armas de fogo. Qual é o impacto disso na segurança pública?
Tamires Sampaio — Aumento da violência, em especial da violência doméstica. Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que. nos últimos anos, os índices de violência contra as mulheres negras e de homicídios contra pessoas negras aumentou. É fundamental a retomada da política de desarmamento em nosso país. E a construção de uma política de segurança cidadã, com base na garantia de direitos e no combate às desigualdades.

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