"Tempo da Morte"

Lei de 1278 ainda cria confusão na justiça criminal do Alabama, nos EUA

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15 de setembro de 2022, 10h23

A lei "Tempo da Morte", originada pela common law inglesa em 1278 (Statute of Gloucester) e posteriormente adaptada ao Código Penal do estado do Alabama, nos EUA, é clara: um suspeito não pode ser acusado de homicídio se a vítima não morrer dentro de um ano e um dia após a tentativa de assassinato. 

Gláucio Dettmar/Ag.CNJ
Gláucio Dettmar/Ag.CNJ   Para haver acusação por homicídio, a morte deve ocorrer 12 meses e um dia após o ato

Há embasamentos para a criação de tal lei. Um é o de que, nos velhos tempos, não se esperava que uma pessoa, ferida de morte, sobrevivesse por mais de um ano. Afinal, não existiam os recursos tecnológicos de que os hospitais dispõem hoje para manter uma pessoa viva.

O outro era de que a vida de uma pessoa tinha um valor monetário, e se, depois de um ano e um dia, a pessoa continuasse viva, apesar de uma tentativa de homicídio, ela não iria perder seu valor.

Há dúvidas sobre se a lei ainda está em vigor ou não, porque as cortes contradizem umas às outras. Por enquanto, vale a última palavra do Tribunal Superior do Alabama que, na sexta-feira (9/9), decidiu que a reforma do Código Penal do estado, em 1975, a extinguiu, embora o novo diploma não mencione a tal norma em lugar algum.

O último caso pertinente à discussão que tramitou pela Justiça criminal do Alabama foi o de John Grant, 47. Em setembro de 2017, Grant, de dentro de seu carro, acertou um tiro no rosto de Earl Mock.

Mas Mock não morreu. Levado para o hospital, os médicos o mantiveram vivo, ligado a aparelhos modernos, por 15 meses, ou seja, praticamente três meses além do limite de um ano e um dia previsto em lei para justificar a acusação de homicídio.

De qualquer forma, um grand jury, no condado de Montgomery, denunciou Grant por homicídio punível com pena de morte em 2021. O advogado do réu pediu à corte para trancar o processo com base na regra do um ano e um dia. O pedido foi negado pelo juiz do fórum criminal do condado de Montgomery.

No entanto, o Tribunal de Recursos Criminais do Alabama discordou da decisão do juiz de primeiro grau. Apoiado em um precedente do Tribunal Superior de 2002, o tribunal de recursos decidiu que a lei está em vigor, já que não foi extinta pela reforma do Código Penal do estado. Dessa forma, o processo subiu para o Tribunal Superior do Alabama.

A corte decidiu, dessa vez, que a lei foi, sim, extinta, porque o Legislativo estadual, ao reescrever o Código Penal, não a mencionou. 

Com essa decisão, oposta ao decidido em 2002, o Tribunal Superior do Alabama revogou seu próprio precedente. Naquela vez, o tribunal superior argumentou que, se o Legislativo não aboliu expressamente a regra do um ano e um dia quando reformou o Código Penal, a regra permanece parte da common law do estado. A abolição, pois, teria de ser explícita para ser válida, não bastando a ausência da norma no diploma legal.

Há uma explicação para as reviravoltas nos entendimentos das cortes, segundo comentaristas da imprensa de Alabama: as decisões têm justificativas jurídicas, mas, na verdade, são políticas. A composição das cortes muda de tempos em tempos, revezando entre juízes liberais-democratas e juízes conservadores-republicanos.

Com informações do Alabama News Network, Alabama Political Reporter e AL.com.

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