Opinião

Expropriação regulatória e a Resolução nº 56/2009 da Anvisa

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9 de setembro de 2022, 15h02

Em 21 de junho de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 937.365/RS, sob relatoria do ministro Edson Fachin [1], decidiu pela constitucionalidade da Resolução nº 56/2009, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essa norma proibiu "em todo o território nacional a importação, recebimento em doação, aluguel, comercialização e o uso dos equipamentos para bronzeamento artificial, com finalidade estética, baseados na emissão de radiação ultravioleta" (artigo 1º).

Cuida-se de recurso interposto em face de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que placitou a tese de que deveria ser preservada a proibição determinada pela Resolução Anvisa nº 56/2009. De acordo com o STF, a agência reguladora sanitária possuiria a atribuição, legalmente conferida, de proteger a saúde da população, "mediante normatização, controle e fiscalização de produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde, podendo, assim, restringir ou mesmo proibir o uso de determinados equipamentos que coloquem em risco o bem que objetiva proteger".

De acordo com o julgado, ainda que a vedação da Resolução Anvisa nº 56/2009 causasse prejuízos econômicos às empresas que atuam no setor de estética, tal fato não autorizaria o Poder Judiciário a invalidá-la, "dada a relevância do direito em debate".

Em que pese a objetividade da decisão, o tema merece alguns aprofundamentos. O exercício da função normativa da administração, malgrado se configure como um ato lícito, pode impor a um agente específico sacrifício de direitos não extensíveis ao restante da sociedade, caso em que será considerada como expropriatória.

As normas regulatórias, como a editada pela Anvisa e chancelada pelo STF, resultam em sacrifício de direitos para os quais o ordenamento jurídico não prevê uma compensação jurídica ex ante.

No direito estadunidense, a expedição de normas com efeitos expropriatórios é denominada regulatory takings, assim considerada nos casos em que o Estado, por meio de atos normativos, institui limitações ao direito de propriedade dos agentes regulados, sem o pagamento da respectiva indenização. Tratam-se de hipóteses em que a "regulamentação estatal afeta o valor de uma propriedade" [2].

O primeiro caso enfrentado pela Suprema Corte norte-americana sobre esse tema foi o Pennsylvania Coal Co. v. Mahon, 260 US 393 (1922). Na ocasião, a Suprema Corte, expressamente, consagrou a Teoria da Expropriação Regulatória (regulatory takings), ao afirmar que a intervenção estatal sobre o uso da propriedade, ainda que não represente uma apropriação física, poderá se caracterizar como expropriatória.

Sobre o tema, uns dos autores do presente ensaio já teve a oportunidade de asseverar [3] que "a expropriação regulatória é a falha do processo de elaboração da norma, provocada pela não realização de um procedimento avaliador de seus efeitos sistêmicos, que impõe um sacrifício de direitos a particulares, por meio do estabelecimento de gravames anormais e especiais, sem a observância do devido processo legal expropriatório […], resultando na Responsabilização do Estado por ato lícito, em razão da violação da equânime repartição de encargos sociais".

No caso em exame, houve a expedição de um ato normativo, que produziu consequências não amparadas pelo disposto no artigo 5º, inciso LV c/c inciso XXIV (devido processo expropriatório), o que atrai o regime de responsabilização por ato lícito, na forma do artigo 37, § 6º, da CRFB, sob a vertente da responsabilidade objetiva. Com base nessa teoria, a Resolução nº 56/2009 da Anvisa deveria ter endereçado um regime de compensação para os agentes econômicos diretamente afetados.

O tema das expropriações regulatórias ainda é objeto de poucos escritos doutrinários no direito brasileiro [4], mas a segurança jurídica regulatória deve passar pela sua adequada compreensão.


[1] STF. Ag.Rg. no RE com Agravo nº 937.365/RS, 1ª Turma, rel. min. Edson Fachin, j. 21 jun. 2016. Embora o STF tenha inviabilizado o processamento do Recurso Extraordinário, com espeque na Súmula 279 do STF, fato é que o relator asseverou anuência com a decisão proferida pelo TRF-4.

[2] SHAVELL, Steven. Economic Analysis of Property Law. Harvard Law and Economics Discussion Paper, Boston, n. 399, 2002. (Cap. 11, p. 17).

[3] FREITAS, Rafael Véras de. Expropriações Regulatórias. 1.Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

[4] Veja-se um dos poucos estudos em BINENBOJM, Gustavo. Regulações expropriatórias. Disponível em: http://www.editorajc.com.br/2010/04/regulacoes-expropriatorias/. CYRINO, André Rodrigues. Regulações expropriatórias: apontamentos para uma teoria. Revista de Direito Administrativo – RDA. Rio de Janeiro, v. 267, pp. 199-235, 2014.

Autores

  • é diretor e professor titular de Direito Administrativo da FGV Direito Rio, pós-doutor (visiting researcher) pela Yale Law School e em Administração Pública pela FGV/Ebape e editor da Revista de Direito Administrativo (RDA).

  • é sócio do LL Advogados, professor da FGV Direito Rio e coordenador dos Módulos de Concessões e de Infraestrutura da pós-graduação da mesma instituição.

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