Direito do Agronegócio

PIS/Cofins e a tributação da ração animal

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

9 de setembro de 2022, 8h00

Entre os principais agentes da cadeia do agronegócio, temos o setor de produção de ração animal, razão pela qual pretendemos traçar algumas breves considerações a respeito de sua tributação quanto ao PIS e a  Cofins.

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Nosso ponto de partida é a Lei nº 10.925/2004, notadamente, artigos 8º e 9º, isto porque:

  1. – de um lado, o artigo 8º concedia crédito presumido[1] na aquisição de insumos de origem vegetal ou animal de produtor rural pessoa física, ou mesmo de cerealista ou produtora rural pessoa jurídica ou cooperativa de produção agropecuária visando a produção de ração animal (NCM 23) por pessoa jurídica optante pelo lucro real;
  2. – por outro, o artigo 9º, estabelecia que a venda de tais insumos por cerealista, produtor rural pessoa jurídica e cooperativa de produção agropecuária seria com suspensão de PIS e Cofins.

Deste modo, teríamos a concessão de crédito presumido de PIS e Cofins nas aquisições de pessoas físicas e de pessoas jurídicas com suspensão de tais contribuições.

Referida legislação sofreu alteração com o advento da Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2019, quando então o setor de bovinos e ovinos deixa de ser disciplinado pela Lei nº 10.925/2004[2], passando aos regramentos naquela Lei nos termos dos artigos 32 a 37.

Esta modificação, em verdade, não trouxe efeitos para a ração animal, o que se deu, posteriormente, quando do surgimento da Lei n. 12.350, de 20 de dezembro de 2010, a qual disciplinou a operação para PIS e Cofins para o setor de aves e suínos.

Isto porque, entre as inovações apresentadas o artigo 57 de referida Lei expressamente enunciou que, a partir da publicação de referida legislação, não mais se aplicaria os artigos 8º e 9º, da Lei nº 10.925/2005 às mercadorias ou produtos classificados no código 23.09.90 da NCM[3].

Mais do que isso, estabeleceu a venda com suspensão de PIS e Cofins no mercado interno: (i) – de insumos de origem vegetal para pessoas jurídicas que produzam "preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais vivos classificados nas posições 01.03 e 01.05, classificadas no código 2309.90 da NCM"; e (ii) – "!preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais vivos classificados nas posições 01.03 e 01.05, classificadas no código 2309.90 da NCM" (artigo 54 da Lei n. 12.350/2010).

Juntamente com a suspensão de PIS e Cofins para insumos de origem vegetal na produção de ração destinada às aves e suínos, também aplicou referida regra à própria comercialização e produção deste produto.

Em 23 de agosto de 2017, a Receita Federal enunciou a seguinte Solução de Consulta Cosit nº 379 sobre o tema:

SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 379, DE 23 DE AGOSTO DE 2017
(Publicado(a) no DOU de 13/09/2017, seção 1, página 42)
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS. EMENTA: SUSPENSÃO. PREPARAÇÕES CLASSIFICADAS NO CÓDIGO 2309.90 DA NCM DOS TIPOS UTILIZADOS NA ALIMENTAÇÃO DE ANIMAIS VIVOS CLASSIFICADOS NA POSIÇÃO 01.05 DA NCM. É aplicável a suspensão do pagamento da Cofins de que trata o inciso II do art. 54 da Lei n° 12.350, de 2010, sobre a receita bruta de venda no mercado interno, com exceção de vendas a varejo, de preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais vivos, classificadas no código 2309.90 da NCM, que tenham como finalidade a alimentação de animais classificados na posição 01.05 da NCM (Galos, galinhas, patos, gansos, perus, peruas e galinhas-d'angola, das espécies domésticas, vivos), quer se tratem de aves de postura ou destinadas à produção de carne.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 12.350, de 2010, art. 54, inciso II; IN RFB nº 1.157, de 2011, arts. 2º e 3º.

Por outro lado, autorizou ainda a concessão de crédito presumido em tais aquisições para "pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias classificadas nos códigos 02.03, 0206.30.00, 0206.4, 02.07 e 0210.1 da NCM, destinadas a exportação" (artigo 55).

Ademais, em momento posterior, tivemos o advento da legislação de PIS e Cofins da cadeia da soja, por meio da Lei nº 12.865, de 09 de outubro de 2013, a qual indiretamente também traz reflexos para o segmento de ração animal, pois, de um lado, por exemplo, estabelece a venda com suspensão de PIS e Cofins do farelo de soja (artigo 29), além de prever um crédito presumido no percentual de 5% sobre a receita na venda do mercado interno ou exportação dos produtos classificados na NCM 2309.10.00 (artigo 31), determinando, ainda, doravante a inaplicabilidade da Lei n. 10.925/2004 para tais rações[4].

Após tais alterações, a Receita Federal editou a Solução de Consulta Cosit 178, de 27 de setembro de 2018:

SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 178, DE 27 DE SETEMBRO DE 2018. (Publicado(a) no DOU de 02/10/2018, seção 1, página 34)
ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS. EMENTA: COFINS. SUSPENSÃO. MILHO IN NATURA. PREPARAÇÕES ALIMENTARES PARA ANIMAIS. Desde que atendidos os demais requisitos da legislação de regência, fazem jus à suspensão da Cofins prevista na Instrução Normativa SRF nº 660, de 2006, as receitas auferidas por cerealista em decorrência da venda de milho in natura classificado no código 1005.90.10 da NCM para ser utilizado por pessoa jurídica tributada pelo lucro real na fabricação de ração classificada no código 2309.10.00 da NCM, destinada à alimentação de cães e gatos. Desde que atendidos os demais requisitos da legislação de regência, fazem jus à suspensão da Cofins prevista na Instrução Normativa RFB nº 1.157, de 2011, as receitas decorrentes da venda de milho in natura classificado no código 1005.90.10 da NCM, por atacado e no mercado interno, para ser utilizado pela pessoa jurídica adquirente como insumo na produção de preparações classificadas no código 2309.90 da NCM destinadas à alimentação de animais vivos classificados nas posições 0103 e 0105 da NCM (suínos e aves); Desde que atendidos os demais requisitos da legislação de regência, fazem jus à suspensão da Cofins prevista na Instrução Normativa RFB nº 1.157, de 2011, as receitas decorrentes da venda de milho in natura classificado no código 1005.90.10 da NCM, por atacado e no mercado interno, para ser utilizado pela pessoa física adquirente na alimentação de animais vivos classificados nas posições 0103 e 0105 da NCM (suínos e aves).
Não fazem jus à suspensão da Cofins as receitas auferidas por cerealista em decorrência da venda de milho in natura classificado no código 1005.90.10 da NCM para ser utilizado na alimentação de bovinos vivos (posição 0102 da NCM).
Não fazem jus à suspensão da Cofins as receitas decorrentes da venda de milho in natura classificado no código 1005.90.10 da NCM, por atacado e no mercado interno, para ser utilizado pela pessoa jurídica adquirente como insumo na produção de preparações classificadas no código 2309.90 da NCM destinadas à alimentação de cães e gatos (código 0106.00.00), bovinos vivos (posição 0102), peixes vivos (posição 0301), ovinos vivos (posição 0104) ou caprinos vivos (posição 0104);
Não fazem jus à suspensão da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins as receitas auferidas por cerealista em decorrência da venda de milho in natura classificado no código 1005.90.10 da NCM para ser utilizado pela pessoa jurídica adquirente na alimentação de animais vivos classificados nas posições 0103 e 0105 da NCM (suínos e aves).
Dispositivos Legais: CTN, art. 111, I; IN RFB nº 1.157, de 2011, 2º ao 4º; IN RFB nº 660, de 2006, arts. 1º ao 6º.”

Enfim, a sucessão de atos normativos relevantes se encerra com recente consolidação realizada quanto ao PIS e Cofins pela Instrução Normativa n. 1.911, de 11 de outubro de 2019, cujo tema está regulamentado, especialmente, no Livro XI (Do Setor do Agronegócio) dos artigos 489 a 540.

Após referida consolidação de atos infralegais quanto ao PIS e Cofins, tivemos a edição de mais uma relevante Solução de Consulta Cosit de n. 97, de 26 de agosto de 2020, a qual enuncia:

SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 97, DE 26 DE AGOSTO DE 2020
(Publicado(a) no DOU de 18/09/2020, seção 1, página 28) .Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins. INSUMOS. AQUISIÇÃO. PREPARAÇÕES DO TIPO UTILIZADO NA ALIMENTAÇÃO DE ANIMAIS DA ESPÉCIE BOVINA, classificados estes na posição 01.02 e aquelas no código 2309.90 da NCM. SUSPENSÃO. INAPLICABILIDADE.
A incidência da Cofins não fica suspensa no caso de venda de insumos destinados à produção de preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais vivos da espécie bovina, classificados estes na posição 01.02 e aquelas no código 2309.90 da NCM.
Outrossim, não fica suspenso o pagamento da Cofins incidente sobre a receita bruta da venda, no mercado interno, de preparações do tipo utilizado na alimentação de animais vivos da espécie bovina, classificados estes na posição 01.02 e aquelas no código 2309.90 da NCM, devendo a operação submeter-se, portanto, à tributação normal.
A pessoa jurídica que exerça atividade agroindustrial, na determinação do valor da Cofins a pagar no regime de não cumulatividade, poderia, sim, no âmbito de vigência da IN SRF nº 660, de 2006, descontar créditos presumidos calculados sobre o valor dos produtos agropecuários utilizados como insumos na fabricação de preparações do tipo utilizado na alimentação de animais da espécie bovina, classificados estes na posição 01.02 e aquelas no código 2309.90 da NCM.
Atualmente, com o advento da vigência da IN RFB nº 1.911, de 11 de outubro de 2019, o valor de aquisição dos produtos agropecuários utilizados como insumos na fabricação das preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais classificadas na posição 23.09, independentemente da posição de classificação desses animais na NCM (quer seja na posição 01.03, 01.02, 01.05), não faz jus ao desconto de créditos presumidos da Cofins.
Dispositivos Legais: Lei nº 10.925, de 2004, arts. 8º e 9º; Lei nº 12.350, de 2010, arts. 54 e 57; Instrução Normativa SRF nº 660, de 2006, e alterações posteriores; Instrução Normativa RFB nº 1.911, de 2019."

São, portanto, as ponderações que pretendíamos apresentar a título de PIS e Cofins para este relevante setor, notando-se, claramente, a complexidade existente em referido tema.


[1] – o crédito seria de 35% sobre as alíquotas de PIS (1,65%) e COFINS (7,6%).

[2]Art. 37. A partir do primeiro dia do mês subsequente ao de publicação desta Lei, não mais se aplica o disposto nos arts. 8º e 9º da Lei nº 10.925, de 23 de julho de 2004, às mercadorias ou produtos classificados nas posições 02.01, 02.02, 02.06.10.00, 02.06.20, 02.06.21, 02.06.29 e 15.02.00.1 da NCM.”

[3] “Art. 57.  A partir do primeiro dia do mês subsequente ao de publicação desta Lei, não mais se aplica o disposto nos arts. 8o e 9o da Lei no 10.925, de 23 de julho de 2004, às mercadorias ou aos produtos classificados nos códigos 02.03, 0206.30.00, 0206.4, 02.07, 0210.1 e 23.09.90 da NCM. (Redação dada pela Lei nº 12.431, de 2011).”

[4]Art. 30. A partir da data de publicação desta Lei, o disposto nos arts. 8º e 9º da Lei nº 10.925, de 23 de julho de 2004, não mais se aplica aos produtos classificados nos códigos 12.01, 1208.10.00, 2304.00 e 2309.10.00 da Tipi.”.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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