Opinião

Suspensão do prazo de prescrição intercorrente na Lei de Improbidade

Autores

  • Frederico Augusto Leopoldino Koehler

    é doutorando pela USP mestre e bacharel em Direito pela UFPE ex-juiz federal instrutor no STJ atualmente juiz federal do TRF-5ª Região professor adjunto da UFPE professor do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) formador e conteudista da Enfam membro e secretário-geral adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e membro e secretário-geral da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep).

  • Silvano José Gomes Flumignan

    é doutor mestre e bacharel em Direito pela USP professor adjunto da UPE e da Asces/Unita professor permanente do mestrado profissional do Cers ex-pesquisador visitante na Universidade de Ottawa ex-assessor de ministro do STJ procurador do estado de Pernambuco coordenador do Centro de Estudos Jurídicos da PGE-PE e advogado.

4 de setembro de 2022, 9h06

O Tema 1.199/STF não tem relevância apenas para a análise da aplicabilidade imediata ou da (ir)retroatividade das regras relativas ao dolo ou de prescrição intercorrente.

As decisões anteriores tomadas no curso do julgamento da repercussão geral, associadas aos votos de parte do colegiado, demonstram como deverá ser o entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito de um tema não abordado diretamente pela Lei de Improbidade Administrativa: a possibilidade de suspensão da prescrição do prazo de prescrição intercorrente.

A prescrição intercorrente tem natureza mista, com preponderância do aspecto processual. Isso tem implicação direta na suspensão da fluência do prazo no curso do processo.

É uma modalidade autônoma em relação à prescrição principal por partir de premissas distintas. Ela não segue a lógica tradicional do artigo 189 do CC. Sua ocorrência dependerá do retardamento na prestação jurisdicional, o que não é um comportamento atribuível à parte. Não se exige, portanto, a ocorrência de ilícito ou de qualquer ato ou omissão da parte, até mesmo porque a pretensão já havia sido por ela exercida.

No julgamento do Tema 1.199/STF, pelo menos dois ministros, Luiz Fux [1] e Gilmar Mendes [2], afirmaram a preponderância do aspecto processual da prescrição intercorrente. Mesmo quem não fez essa afirmação de forma expressa, como foi o caso do ministro Alexandre de Moraes, já havia decidido pela suspensão da fluência do prazo de prescrição intercorrente enquanto não fosse possível a prestação jurisdicional, ou seja, durante o período de sobrestamento em virtude do julgamento pela Suprema Corte.

A determinação de suspensão do processo impede que haja a prestação jurisdicional. Logo, não há como se falar em prescrição intercorrente durante esse período. Essa situação pode ocorrer qualquer que seja a causa de suspensão.

O artigo 313 do CPC menciona diversas hipóteses de ocorrência: morte, perda da capacidade processual, convenção das partes, arguição de impedimento ou suspeição, admissão de IRDR, força maior, adoção ou parto (caso o patrono seja o único representante da parte ré no processo), a sentença não puder ser proferida por prejudicialidade externa e outros casos previstos em lei.

Além dessas possibilidades, é possível ainda a determinação de suspensão por ordem do juízo, como aconteceu no Tema 1.199/STF, para os recursos no âmbito do STJ.

Em todos esses casos, enquanto durar a suspensão, haverá o impedimento de ser exercida a prestação jurisdicional. Esse efeito foi previsto expressamente no artigo 314 do CPC. O dispositivo estabelece que será possível apenas a prática de atos urgentes com o escopo de se evitar dano irreparável [3].

Esse debate já surgiu em virtude do Tema 1.199/STF. Após a determinação de suspensão do processamento dos recursos no Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público percebeu que poderia haver a fluência da prescrição intercorrente enquanto não se julgasse o recurso paradigma.

Para se evitar esse efeito, foram opostos embargos de declaração perante o STF. No julgamento desse recurso, houve a determinação de suspensão da fluência do prazo prescricional enquanto estivesse pendente o julgamento do tema:

"Assim, não faz sentido haver a fluência do prazo prescricional se o titular da pretensão não pode exercê-la. A unidade do ordenamento jurídico não permite que uma norma impeditiva do exercício de um direito coexista com outra norma que estabeleça um prejuízo no caso de esse direito não ser exercido. (…)
A suspensão dos prazos prescricionais nas ações de improbidade até o julgamento do mérito do Tema 1.199 resguarda o exercício da pretensão sancionatória estatal e assegura a efetividade dos processos já instaurados.
Por todo o exposto, ACOLHO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, com efeitos infringentes, para determinar a SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL nos processos com repercussão geral reconhecida no presente tema."

Leonardo Carneiro da Cunha e Arthur Telles Nébias interpretaram essa decisão e afirmaram que seus efeitos abarcariam apenas os processos sobrestados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça [4]. Contudo, os autores não enfrentaram a natureza jurídica preponderante da prescrição intercorrente.

Esse tema foi enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça em diversas decisões monocráticas proferidas pelo ministro Og Fernandes, que reafirmou a natureza preponderantemente processual da prescrição intercorrente, mas que, diante da decisão expressa do Supremo Tribunal Federal, teria havido a perda do objeto dos requerimentos de suspensão da fluência da prescrição intercorrente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça diante da decisão expressa do Supremo [5].

Como se vê, independentemente do fundamento que tenha sido utilizado para se chegar à conclusão tomada no Tema 1.199/STF, o resultado quanto à prescrição intercorrente foi o mesmo. Ademais, já houve a sinalização de como deve ser realizada a análise da ausência de possibilidade de processamento de casos concretos e seu impacto quanto à prescrição intercorrente.

A natureza preponderantemente processual da prescrição intercorrente ajuda a conclusão imediata da suspensão da fluência do prazo, mas, como restou demonstrado no voto do ministro Alexandre de Moraes, é possível se atingir o mesmo resultado por caminho diverso.

Quanto ao Ministério Público, para se evitar esse debate no futuro, recomenda-se que, quando da suspensão do processo, pelo artigo 313 do CPC ou por qualquer outro fundamento, requeira, de imediato, a suspensão da fluência do prazo de prescrição intercorrente.

Assim, a suspensão do processo, com o impedimento da prestação jurisdicional, acarretará a suspensão da fluência do prazo de prescrição intercorrente.


[1] https://www.youtube.com/watch?v=9PXeOlx6n4c acesso online em 22/8/2022.

[2] https://www.youtube.com/watch?v=isoMVuxm1AM acesso online em 22/8/2022.

[3] Art. 314 do CPC. Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição.

[4] CUNHA, Leonardo Carneiro da; NÉBIAS, Arthur Telles. Suspensão dos prazos prescricionais para as ações de improbidade administrativa. Acesso online por https://www.conjur.com.br/2022-abr-28/cunha-nebias-suspensao-prazos-acoes-improbidade em 20/08/2022. "Diversamente, interpretando-se a decisão a partir de todos os seus elementos, bem como do conteúdo da postulação veiculada pelo MPF em seus embargos de declaração, a suspensão determinada só alcança os prazos de prescrição dos processos com recurso especial ou extraordinário sobrestado, não repercutindo nos casos que tramitam nas instâncias ordinárias, que devem seguir seu curso regular, com a contagem dos respectivos prazos prescricionais previstos no artigo 23 da LIA".

[5] Apenas a título exemplificativo: STJ – REsp: 1.479.372 RR 2014/0221609-6, relator: ministro OG FERNANDES, data de publicação: DJ 1/8/2022; STJ – PET no AREsp: 1.700.148 SP 2020/0108498-7, relator: ministro OG FERNANDES, data de publicação: DJ 7/6/2022; STJ – REsp: 1.608.721 RS 2015/0014287-5, relator: ministro OG FERNANDES, data de publicação: DJ 13/05/2022; STJ – AgInt no AREsp: 1.981.899 SP 2021/0286187-5, relator: ministro OG FERNANDES, data de publicação: DJ 29/06/2022.

Autores

  • é doutorando pela USP, mestre e bacharel em Direito pela UFPE, ex-juiz federal instrutor no STJ, atualmente juiz federal do TRF-5ª Região, professor adjunto da UFPE, professor do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), formador e conteudista da Enfam, membro e secretário-geral adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e membro e secretário-geral da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep).

  • é doutor, mestre e bacharel em Direito pela USP, assessor de ministro do STJ, procurador do estado de Pernambuco, professor da UPE e da Asces/Unita, professor permanente do mestrado profissional do Cers, professor da pós-graduação lato sensu da USP-Ribeirão Preto, do Centro Universitário Toledo/Presidente Prudente e da Asces/Unita, professor da ESA-PE, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Asces/UNITA, ex-pesquisador visitante na Universidade de Ottawa e membro da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (Annep).

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