Candidatos Legais

Ao elaborar leis, Congresso não pode sobrepor economia à moral, diz empresário

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1 de setembro de 2022, 9h24

*Esta é décima segunda entrevista da série Candidatos Legais, na qual a ConJur sabatina profissionais do Direito que se candidatarão a cargos eletivos nas eleições deste ano. Para ler as outras entrevistas, clique aqui.

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A instituição de parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis é uma prática perigosa. Isso porque parte da premissa de que uma visão utilitarista e materialista de mundo deve ser o critério de referência do Congresso na elaboração do ordenamento jurídico, subordinando a os parâmetros moral e estratégico aos aspectos e impactos econômicos. É o que afirma o engenheiro, bacharelando em Direito e mestrando em Teologia Arthur Machado.

"De certa maneira, [a instituição de parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis] é a autêntica submissão do homem à técnica e a concretização jurídica de um modelo tecnocrático, que sabemos ser absolutamente perverso ao país. Não apoio que essa discussão avance na legislatura vindoura", declara Machado, que é candidato a deputado federal (Republicanos-SP).

Com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, Machado foi sócio de corretoras de valores e da Bolsa de Valores de Nova York (Nyse) no Brasil. Estudioso do sistema educacional, ele comprou, em 2017, a Educar Holding, mais conhecida como o grupo educacional Alub. No campo social, foi fundador do Instituto Devir e da Associação Semeadora, que buscam ajudar jovens por meio da educação.

Em 2018, foi vítima de uma ordem ilegal do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro — revogada pelo Supremo Tribunal Federal. Posteriormente, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região declarou a incompetência da vara de Bretas para conduzir o processo. Por falta de provas e atipicidade das condutas, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região trancou a ação.

"Fui vítima do sistema e de um poder econômico que se utilizou de instituições para destruir meus negócios e manter o monopólio sobre setores da economia. Quem foi vítima do lavajatismo foi o país, a democracia, a justiça e a nossa liberdade", critica.

Leia a entrevista:

ConJur — Por que o senhor decidiu se candidatar a deputado federal?
Arthur Machado — O país tem sofrido de problemas estruturais sérios, que nascem de dentro das casas legislativas e que se manifestam na perda progressiva e continuada de nossa soberania política e econômica. Em um nível mais comum, há o divórcio entre poder e política, fazendo com que o ordenamento jurídico brasileiro e a ação de nossas instituições estejam demasiadamente abstratas, sem sentido prático para a população, limitando-se a um patrimonialismo estamental.

Perdemos a capacidade de escolher e decidir sobre os aspectos comuns de nosso dia a dia e do destino do país; ficamos reféns das circunstâncias e escravos da necessidade, tendo grande parte de nossas instituições capturadas por grupos que defendem interesses monopolistas ou oligárquicos internacionais, em prejuízo de uma visão de país e de nação.

Por tais razões, resolvi fazer parte de um projeto político que torne a organização da sociedade voltada para os interesses reais do Brasil e de seu povo, de maneira que o Estado passe a servir a sociedade, e não a sociedade ao Estado. Trata-se de retomar o Brasil.

ConJur — Uma vez eleito, o senhor apresentaria um ou mais projetos logo no início do mandato? Se sim, quais?
Arthur Machado Sofremos de cinco doenças crônicas: a destruição da família; a desordem legal; a guerra por alimentos; a escravidão do crédito; e o império educacional. Para enfrentá-las, precisamos recuperar a soberania política e econômica, sobretudo na gestão de alimentos e da livre iniciativa, diminuindo assim a influência de organismos internacionais, aumentando o acesso ao crédito para empreendedorismo, reformando a legislação educacional para permitir a liberdade de escolha em relação aos métodos de ensino, separando o financiamento da execução e a simplificação da burocracia em organizações não governamentais, que atuam onde o Estado simplesmente inexiste, como agentes organizadores da sociedade. Além das obvias reformas política e tributária.

ConJur — De modo geral, como avalia a qualidade das leis produzidas no Brasil?
Arthur Machado — Pontes de Miranda dizia que o Brasil sofre de um apriorismo jurídico — a ideia de copiar legislação e instituições estrangeiras, que não encontram amparo na realidade de nosso povo e tampouco em nossa história, construindo assim sistemas baseados em princípios distantes de nossa realidade. Nesse sentido, a democracia no país é uma pantomina, e nosso sistema, para muitos, uma ficção.

ConJur — A qualidade da Justiça se subordina à qualidade das leis?
Arthur Machado — No Brasil, a lei transformou-se em tradução de interesses. E esse é um risco ao indivíduo, pois a lei pode virar manifestação de poder de um grupo que domina o sistema político. E isso vem gerando a corrupção do Direito pela lei. Por outro lado, a sensação de justiça e de sua qualidade é mais ligada à maneira como vai correndo a vida das pessoas do que à natureza das instituições. Por isso, a burocracia, a submissão do indivíduo ao Estado e a invasão da liberdade individual são tão graves para a percepção do sentimento da qualidade de justiça.

ConJur — Alguns institutos inovadores estão passando por um momento de inflexão, como a colaboração premiada, a arbitragem e o compliance. Onde está o problema? Nos intérpretes ou na formulação legislativa?
Arthur Machado — Em que pese a importância desses institutos, o país hoje enfrenta uma defraudação e captura desses organismos. Devemos enfrentar isso no Congresso Nacional. Cada um desses institutos foi distorcido de sua proposta original. Com isso, criou-se a possibilidade de uma captura democrática e de forças políticas e econômicas, que devem ser revistas.

No caso da arbitragem, temos visto sua utilização em câmaras internacionais em todos os setores da economia, incluindo, mas não se limitando a ativos estratégicos do país com enorme impacto na posição geopolítica do Brasil, atendendo a interesses. Soma-se a isso a utilização do instituto por alguns grupos jurídicos que acabam esvaziando o processo legislativo e judiciário do país e até mesmo nossa soberania política. Não são raros, e inaceitáveis, casos de empresas monopolistas ou oligárquicas que utilizam uma combinação de institutos como a arbitragem, a autorregulação e o livre mercado para fazer as vezes do Estado, substituindo-o, dilacerando a concorrência e submetendo os interesses nacionais às suas causas. Uma revisão desse processo se torna absolutamente fundamental para garantir a não captura de instituições e de mercados no Brasil, criando oligopólios ou monopólios isentos de responsabilidade ou cobertura jurisdicional do Estado.

No caso do compliance, a revisão se torna ainda mais necessária, pois o instituto se fortaleceu de tal maneira, que se tornou um braço do Estado dentro do setor privado, ferindo princípios constitucionais basilares e permitindo que o instituto seja usado para perseguir, escolher vencedores e perdedores e influenciar políticas públicas em empresas privadas, sem que haja um claro limite de ação. O compliance tornou o Estado onipresente, criando uma “estatalidade” plena das áreas de controle, sendo instrumento de violação dos direitos constitucionais individuais e corporativos.

A origem da corrupção desses institutos nasce dos dois males. Por um lado, de uma formulação legislativa ineficiente e apressada, que muitas vezes reage ao clamor popular ou a interesses atávicos de grupos econômicos e políticos, sem medir de forma apropriada o efeito mediato e imediato de uma lei, de maneira que sua criação já nasce com o germe de sua revisão pela má qualidade da discussão que a cerca, na maior parte dos casos unidimensional e imediatista.

Por outro lado, temos a crise da hermenêutica e do oportunismo jurídico. O Congresso Nacional terá que, em algum momento, discutir e enfrentar os limites do controle de constitucionalidade de suas leis, de sua exegese e hermenêutica em todas as instâncias do judiciário, que se contaminou com um pós-positivismo jurídico não oficial e trouxe indevidamente ao juiz o papel de aliar Direito e moral, impondo à comunidade sua visão de sociedade a partir de seus critérios, o que gerou ao ordenamento uma espécie de semântica sem sintaxe, criando decisões e jurisprudência incoerentes e cegas, transferindo aos interpretes poder demasiado não correspondente à sua função constitucional.

ConJur — Em sua opinião, é possível ou desejável criar parâmetros objetivos para se aferir o impacto econômico e social das leis?
Arthur Machado — Há de se ter extremo cuidado e cautela com esse tema, pois parte-se da premissa de que uma visão utilitarista e materialista de mundo seria o critério constitucional adequado como padrão ou referência da casa legislativa na confecção de nosso ordenamento, tornado o critério moral e estratégico subordinado ao aspecto e impacto econômico. De certa maneira, é a autêntica submissão do homem à técnica e a concretização jurídica de um modelo tecnocrático, que sabemos ser absolutamente perverso ao país. Não apoio que essa discussão avance na legislatura vindoura.

ConJur — Em sua opinião, a advocacia, a academia e demais profissionais do Direito deveriam ter maior participação no processo legislativo? Se sim, como?
Arthur Machado — De maneira geral, sofremos uma grave crise de princípios conceituais. A adoção do positivismo temperado pelo controle de constitucionalidade, a partir do alargamento de gerações de direitos humanos, nos empurrou para o pós-positivismo pela própria insuficiência de um padrão moral e social que atendesse às demandas sociais e à realidade da vida. Nesse sentido, o fetiche acadêmico que temos pelo iluminismo, desconsiderando tanto outras ideias que solidamente existem na Filosofia do Direito, faz com que o país tenha um sistema jurídico constitucional mutilado, unidimensional, que não abarca a demanda de grande parte de sua população. É preciso, portanto, ampliar sua esfera conceitual jurídica, formando correntes de pensamentos mais diversas e permitido reflexões acadêmicas mais ricas, que estimulem as decisões legislativas de maneira a criar e refletir nosso plano histórico e natural em nosso ordenamento.

Contudo, é fundamental mantermos adequada e segura distância entre os profissionais do Direito e da academia com o parlamento, para evitar o velho e detestável vicio da tecnocracia, a malfadada crença de que técnicos e burocratas poderiam ser os novos Prometeus da sociedade, gerando um totalitarismo técnico, uma sinarquia [sociedade governada por sábios], que nada mais seria do que a maior ameaça à democracia e ao autogoverno do indivíduo.

ConJur — O senhor foi uma das vítimas do lavajatismo. Como ficou o processo e como o senhor descreve o cenário que possibilitou esse período conturbado e anômalo da Justiça?
Arthur Machado — O lavajatismo foi um fenômeno multidimensional. Existem inúmeros vetores dentro dele. Quando a “lava jato” virou lavajatismo? Penso que quando se prostituiu de um fim, o combate à corrupção, para um meio, forma de tomada de poder político e de instrumento para a destruição conveniente de algumas empresas. Quais as lições que temos de olhar com maturidade e seriedade? Como instituições de Estado podem ser facilmente capturadas e usadas por monopólios financeiros internacionais para proteger seus mercados contra a livre iniciativa e os direitos do cidadão. Foi a captura do poder político pelo poder econômico, com a cumplicidade de uma mídia realmente voltada para projetos políticos, e não para a realidade.

Veja a força e magnitude disso: o Estado sendo usado para saquear patrimônios, destruir a concorrência, proteger monopólios, destruir a liberdade e corromper o devido processo legal à custa da ruína da vida de pessoas e da economia do país. Foi seríssimo. Hoje vemos o eco do uso de métodos jurídicos para fins políticos. O Congresso tem de criar meios de defesa para proteger o indivíduo do uso arbitrário do poder legal pelo Estado por instituições capturadas. Muito do que vimos no modelo do lavajatismo — e que se mantém — tem reflexo nos famosos processos de Moscou do período Stalinista (confissões obtidas sob coerção, processos públicos, uso da mídia, ausência de defesa e clamor popular).

Vejam os efeitos maléficos disso. Até hoje sou associado à “lava jato”. Empresas foram fechadas, com sócios saqueando minhas próprias empresas, se aproveitando do fenômeno midiático. Compare com a realidade processual: três meses após a operação, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) reconheceu a incompetência da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro por não haver qualquer vínculo com a investigação, redistribuindo o processo. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em caráter liminar, suspendeu o processo, atendendo ao pedido da nossa defesa, por entender que há falta de material probatório e atipicidade dos fatos. Nunca houve nenhuma condenação em qualquer instancia. Sob esse prisma, fui vítima do sistema e de um poder econômico que se utilizou de instituições para destruir meus negócios e manter o monopólio sobre setores da economia. Quem foi vítima do lavajatismo foi o país, a democracia, a justiça e a nossa liberdade.

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