Não há incidência de juros remuneratórios sem previsão contratual
31 de outubro de 2022, 12h38
No Recurso Especial nº 1.809.207-PA, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou relevante entendimento a respeito da aplicação de juros remuneratórios sem prévio acordo entre as partes.
O acórdão abordou, portanto, a extensão do sentido "juros" quando fixado sem especificação por decisão judicial, assim como o conceito de "frutos e acrescidos" do artigo 629.
Na linguagem jurídica, os juros são "um pagamento, que se faz, para a utilização de capital alheio, com ou sem concordância do titular deste" [2]. Os juros podem ser convencionais, quando estipulado pelas partes, ou legais, quando são estabelecidos por lei. Os juros moratórios são aqueles que decorrem da mora, ou seja, do atraso no adimplemento de uma obrigação, o que permite que se cobre pela utilização do capital pelo inadimplente. Os juros compensatórios/remuneratórios, por sua vez, servem à remuneração do capital e independem do inadimplemento, estando associados — embora não exclusivamente — ao contrato de mútuo.
Não obstante o recorrente tenha sustentado que as instâncias ordinárias teriam reconhecido o direito a juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, na verdade, as instâncias ordinárias determinaram somente a incidência de correção monetária e juros moratórios, já que os juros remuneratórios dependem de convenção entre as partes. O entendimento está em consonância do a legislação pátria, tendo em vista que só há regra geral de juros moratórios legais, a qual foi fixada no artigo 406 do Código Civil [3]. Juros compensatórios legais são exceção no Direito brasileiro. É o caso da desapropriação por utilidade pública, em que o artigo 15A do Decreto-Lei nº 3.365/1941 prescreve que há juros compensatórios simples de até seis por cento ao ano, quando há imissão prévia na posse e divergência entre o preço fixado em juízo e o valor do bem [4].
Quanto ao artigo 629, a Corte Superior fixou o entendimento de que os "frutos e acrescidos", em caso de depósito bancário, referem-se à correção monetária e aos juros moratórios. O STJ especificou que "cabe ao banco depositário restituir a quantia depositada judicialmente, sobre a qual deve incidir correção monetária (ut Súmulas n. 179 e 271/STJ) e juros de mora à taxa legal, com fundamento na demora na restituição do capital ao seu titular".
De fato, poderia surgir uma controvérsia a respeito do conceito de "frutos e acrescidos", já que juros moratórios e correção monetária não representam remuneração do capital, podendo surgir dúvida se seriam frutos do capital depositado. No entanto, seria incabível a fixação de juros remuneratórios para aferição de "frutos" do depósito, já que os juros remuneratórios dependem de regra específica (legal ou contratual) para ser fixado, inclusive para fins de especificação de alíquota. É um óbice que os juros moratórios não enfrentam, já que o artigo 406 do Código Civil fixou alíquota para os juros moratórios ao prescrever que "serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional", ou seja, um por cento ao mês, conforme prescrição do artigo 161, §1º do Código Tributário Nacional [5]. Até por isso, a Corte Superior somente entendeu que cabe correção monetária, como uma reposição do capital diante da inflação, e juros moratórios, que representam a penalização pela mora.
Assim, verifica-se o acerto do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça ao afastar a aplicação de juros remuneratórios, já que a sua incidência depende de acordo entre as partes.
*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).
[1] "Artigo 629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o exija o depositante".
[2] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 13.ed. (Digital). São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 274.
[3] Artigo 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. (Vide ADIN 5867) (Vide ADC 58) (Vide ADC 59) (Vide ADPF 131)
[4] "Artigo 15A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) (Vide Adin nº 2332)
§1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) (Vide Adin nº 2332)
§2° Não serão devidos juros compensatórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na exploração iguais a zero. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) (Vide Adin nº 2332)
§3º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença".
[5] É a prescrição do artigo 161, §1º do CTN: "Artigo 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. §1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês".
O entendimento foi proferido também pelo Enunciado 20 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: "Artigo 406: A taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês".
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