nem tão ao céu

Tese sobre depósito na execução mira mau devedor, mas gera demora e insegurança

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21 de outubro de 2022, 17h44

Ao fixar uma nova tese determinando que o depósito judicial na execução não afasta os encargos do devedor, o Superior Tribunal de Justiça buscou barrar a atuação do mau devedor — aquele que manipula o sistema recursal para buscar vantagem própria. Mas a decisão pode ter como efeito colateral insegurança jurídica, além de processos mais caros e demorados.

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Tese indica que devedor pode ter de pagar diferença entre valor previsto na sentença e o que foi atualizado pelo banco depositário
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Essa dualidade ficou evidente nas opiniões de advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a atualização do Tema 677 dos repetitivos, feita pela Corte Especial na quarta-feira (19/10), e seu impacto nos processos de execução judicial no âmbito das ações de Direito Privado.

Até a revisão do enunciado, firmado em 2014 pela própria Corte Especial, o entendimento era de que o depósito judicial do montante da condenação na fase de execução extinguiria a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada.

No momento do levantamento desse valor, ele seria atualizado pelos juros e correção monetária pelas instituições financeiras depositárias. O problema é que os índices aplicados a esses bancos são ínfimos em relação aos usualmente fixados nas decisões judiciais.

As instituições financeiras atualizam esses valores pelo índice da caderneta de poupança, que atualmente rende 6,17% ao ano, mais a taxa referencial. Esse valor é menor do que a inflação. Decisões judiciais, não raro, preveem correção monetária pelo IPCA (7,17% nos últimos 12 meses) e juros de mora de 1% ao mês.

A nova tese do STJ indica que, se no momento da liberação da quantia depositada no banco ela for menor do que aquilo que é previsto no título judicial, caberá ao devedor arcar com o saldo remanescente.

Execução mais cara e demorada
Para a advogada Aracy Barbara, sócia do VBD Advogados, com a nova posição do STJ não vai haver vantagem para o devedor fazer o depósito judicial. A garantia em juízo será efetuada por outros meios, como penhora de bens, que dependerão de avaliação, leilão, adjudicação e toda a série de trâmites prevista no artigo 870 do Código de Processo Civil.

"Ou seja: uma longa dinâmica processual até que o credor tenha, finalmente, o valor devido em mãos", afirmou. Por outro lado, quando o depósito é feito em dinheiro, para seu levantamento, basta a expedição de um mandado. "Simples assim: a liquidez é imediata, sem a necessidade de novos atos de excussão."

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Corte Especial do STJ decidiu atualizar Tema 677 em votação com placar de 7 a 6

Isabela Pompilio, sócia do escritório Tozzini Freire Advogados, segue a mesma linha. "O depósito em dinheiro, opção de excelência para o credor ante a sua liquidez, será substituído pelo oferecimento de bens, os quais deverão ser avaliados e leiloados, o que indiscutivelmente acarreta o prolongamento da execução."

Outra consequência da nova tese, alerta a advogada, será a de que empresas, principalmente as com grandes carteiras de processos, imediatamente deverão rever os valores de condenações provisionados, para prever mais desembolsos.

É só cumprir a decisão
Para Paulo Lucon, o advogado vencedor na causa julgada pela Corte Especial, esse argumento consequencialista é falho e não se sustenta. Ele defende que a nova tese só vai impactar o mau pagador: aquele que faz o depósito ou, pior ainda, sofre a penhora e cria incidentes para alongar o processo e forçar acordos extrajudiciais mais vantajosos.

"Para devedor que paga, que cumpre decisão transitada em julgado, essa tese não impacta em nada", diz. Ele cita o contexto do julgamento do Tema 677 dos repetitivos, ainda em 2014, como exemplo de como uma correção de rumos era necessária.

Quando a primeira tese foi definida, a ideia era isentar as instituições financeiras depositárias de serem obrigadas a arcar com os encargos da condenação no momento do levantamento dos valores em favor dos credores. A aplicação do enunciado acabou gerando uma distorção, como se o depósito do valor na execução equivalesse ao pagamento da dívida.

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Voto vencedor na Corte Especial foi proferido pela ministra Nancy Andrighi
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Em 2016, a 3ª Turma corrigiu o curso da tese ao definir que a obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção sobre valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios da sua mora.

Esse entendimento, no REsp 1.475.859, foi adotado pela 4ª Turma em 2019, no REsp 1.404.012, e gerou a dispersão jurisprudencial que a Corte Especial buscou corrigir com a atualização do Tema 677. Entender essa mudança como algo trágico, segundo Lucon, é argumento de devedor mau pagador.

O caso concreto exemplifica bem a questão. A BMW, multinacional fabricante de veículos, foi condenada e, na execução, sofreu penhora de valores. Esse montante ficou sob a tutela do banco por anos a fio, enquanto a devedora contestava a execução. Quando ele foi finalmente levantado, era muito menor do que seria se considerados os consectários do título judicial. Agora, caberá à montadora pagar a diferença em favor do credor.

Marcelo Vieira de Mello, sócio do GVM Advogados, faz coro à posição de Lucon. "A mudança de entendimento do Superior Tribunal de Justiça torna mais dispendiosa a manutenção de um processo já sentenciado e em fase de execução provisória da decisão", afirma.

Ele explica que, pela tese anterior, bastava ao devedor depositar em juízo o valor pleiteado pelo credor e prolongar o processo com defesas e incidentes, mesmo infundados. "Agora, o devedor que adotar essa prática terá de arcar com a diferença entre o reajuste realizado pelos bancos depositários credenciados e a correção monetária e os juros fixados na sentença executada."

Modulação e insegurança jurídica
Ao julgar o caso, a Corte Especial do STJ ainda contemplou a possibilidade de modular os efeitos da decisão judicial, para que ela só valesse nos processos com depósito judicial feito após a data de publicação da nova tese. Essa proposta foi rejeitada pelos ministros.

Para Isabela Pompilio, a modulação seria importantíssima, pois empresas e pessoas físicas que depositaram valores em juízo, do dia para a noite, vão se ver como devedoras, em muitas situações, de valores altíssimos, que poderão abalar sua situação financeira.

"A depender da data do depósito judicial, com a incidência de juros de mora de 1% ao mês acrescidos de índice de correção monetária ou mesmo atualização pela Selic, a parte poderá ter de pagar novamente sua dívida", diz. "A ausência de modulação acarreta inegável violação ao princípio da segurança jurídica."

Aracy Barbara concorda que a modulação daria segurança jurídica em tema que sofria divergência mesmo dentro do próprio STJ. "Por se tratar de direito material, em tese, a aplicação do entendimento teria efeitos a partir da publicação dessa revisão, não prejudicando os depósitos efetuados nas execuções até agora."

Segundo Paulo Lucon, não há necessidade de modulação. "A modulação seria indevida. Seria um prêmio para devedor." Ele alerta que a tese vencida é que traria insegurança jurídica, ao deixar o credor com decisão favorável transitada em julgado à mercê da conduta procrastinatória do devedor no processo de execução.

REsp 1.820.963

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