Adiar exibição de documentário eleitoreiro custeado por PJ não é censura, diz TSE
20 de outubro de 2022, 12h43
A decisão liminar de adiar a exibição do documentário Quem mandou matar Jair Bolsonaro para depois do segundo turno das eleições não caracteriza censura, apenas visa evitar que o conteúdo político, custeado com recursos de pessoa jurídica, cause desequilíbrio danoso na disputa eleitoral.
Com esse entendimento e por maioria de votos, o Tribunal Superior Eleitoral referendou a liminar concedida pelo ministro Benedito Gonçalves, em ação de investigação judicial eleitoral (Aije) ajuizada pela Coligação Brasil da Esperança, da candidatura de Lula.
O documentário tem data de estreia marcada para segunda-feira (24/10), seis dias antes do segundo turno da eleição. Com a decisão, só poderá ser exibido pelo canal produtor Brasil Paralelo em 31 de outubro, a segunda-feira seguinte, um dia após a definição eleitoral no país.
O TSE e mesmo a candidatura de Lula não conhecem o conteúdo da obra. Pela divulgação, é possível antever que aborda o atentado sofrido por Bolsonaro na campanha presidencial de 2018, muito explorado politicamente por ele e investigado criminalmente sem qualquer conclusão no sentido de ter sido encomendado.
O adiamento foi considerado necessário diante dos indícios apresentados pela Coligação Brasil da Esperança, que tem Lula como candidato, na Aije levada ao TSE. A notícia é da existência de um ecossistema de desinformação criado por canais com aparência jornalística e imparcial, destinados a dar credibilidade a conteúdo de cunho político-ideológico.
Esse ecossistema é composto por velhos conhecidos da Justiça Eleitoral: canais Brasil Paralelo, Foco do Brasil, Folha Política e Dr. News, redes que por diversas vezes se valeram de notícias falsas prejudiciais ao adversário de Bolsonaro com significativa repercussão e efeitos persistentes mesmo após a remoção de URLs.
A decisão de adiar a exibição do documentário tem efeito inibitório. Com ela, o relator determinou também a suspensão da monetização resultante de assinaturas e da publicidade divulgada dos quatro canais, bem como a proibição de impulsionamento pago, na internet, por essas pessoas jurídicas.
"O adiamento não configura censura", disse o ministro Benedito Gonçalves. "Apenas impede que o tema, reiteradamente explorado pela campanha de Jair Bolsonaro, receba exponencial alcance sob a roupagem de documentário que foi objeto de estratégia publicitária custeada com substanciais recursos de pessoa jurídica."
Segundo a campanha de Lula, o canal Brasil Paralelo gastou R$ 70 mil apenas na divulgação do documentário. O dado carece de confirmação. O que o TSE sabe é que o canal pagou R$ 715,4 mil em anúncios sobre e temas sociais, eleições ou política apenas entre 9 e 15 de outubro, o que mostra o uso do poder econômico da pessoa jurídica no contexto eleitoral.
Como saber?
Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, para quem, sem saber o teor do documentário, a Justiça Eleitoral não pode presumi-lo para antecipar uma sanção à liberdade de pensamento. Essa posição foi acompanhada pelo ministro Sergio Banhos.
"Não considero admissível tal forma de controle prévio", disse. Para ele, se o produto do canal Brasil Paralelo se revelar incompatível com a ordem constitucional, o próprio ordenamento jurídico tem como combate-lo, além de responsabilizar os responsáveis.
"A sanção só se torna viável depois de examinado o fato sob o rigor da legislação, jamais de forma antecipada e prospectiva, violando o estado democrático de direito e a Constituição Federal", disse. "Quando analisada a questão da forma exposta, o conflito aparente só se resolve à luz do caso concreto. Sem saber o caso concreto, não pode prevalecer qualquer presunção", continuou.
O voto do ministro Raul entendeu plausível, por outro lado, a suspensão do financiamento e do impulsionamento de conteúdo pelos quatro canais bolsonaristas. Já o ministro Carlos Horbach divergiu de forma mais ampla, se negando a referendar a liminar de forma total.
Em sua análise, os fatos apresentados na petição inicial e produzidos unilateralmente não são sólidos o suficiente para impor medida tão grave. "A fragilidade dos elementos, especialmente em contraste com a gravidade das medidas, evidencia que está ausente a plausibilidade jurídica do pedido", afirmou.
Sem censura
A conclusão de que não há censura na ordem de adiamento da exibição do documentário foi acompanhada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
Para Lewandowski, o acervo probatório reunido na petição inicial é suficiente para amparar a liminar concedida de modo a evitar prejuízos ao ambiente eleitoral. "Aqui ninguém é ingênuo", disse. "Todos estamos cientes de que estas atitudes que agridem a legislação eleitoral vão se repetir nos mesmos moldes do passado", continuou.
A ministra Cármen Lúcia e o ministro Alexandre de Moraes pontuaram a possibilidade de o próprio relator rever a decisão se, em algum momento, se convencer de que a ordem de adiamento mais se assemelharia à censura prévia. "Medidas como essa precisam ser tomadas como se fosse algo que pode ser veneno ou remédio", pontuou a ministra Cármen.
Aije 0601522-38.2022.6.00.0000
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!