Opinião

Como ficam as medidas atípicas enquanto tema não é definido nas cortes superiores

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15 de outubro de 2022, 7h04

A validade da aplicação de medidas coercitivas atípicas em processo de execução, como por exemplo a apreensão de carteira nacional de habilitação (CNH) ou passaporte, segue sem uma definição nas cortes superiores. A expectativa era que fosse julgada durante a gestão do ministro Luiz Fux como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), com a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.941. Mas seu período à frente da corte se encerrou sem que o tema fosse debatido pelo plenário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, tem se manifestado sobre o tema com recorrência e a validação desse tipo de medida vem sendo uma tendência na corte.

Em julho deste ano, a 4ª Turma do STJ confirmou uma decisão de segunda instância que recusava o Habeas Corpus para um devedor de pensão alimentícia que teve o passaporte apreendido. No caso em questão o réu alegava dificuldades financeiras e não pagava os alimentos há sete anos. Contudo, continuava a viver em endereço nobre e a fazer viagens internacionais, inclusive na primeira classe.

O relator do caso, ministro Marco Buzzi, explicou que o objetivo é a satisfação do titular do direito, tomando como base a efetividade da jurisdição, prevista no artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil (CPC) de 2015). O artigo define que "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: […] determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária".

É justamente a interpretação deste artigo que está sendo questionada na ADI 5.941, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores em 2018, solicitando o reconhecimento da inconstitucionalidade dessas medidas coercitivas. O argumento é que tais procedimentos afrontam o princípio da proporcionalidade ao possibilitarem a restrição de liberdades devido a dívida civil.

Ao julgar o HC 173.332, em 2019, a agora presidente do STF, Rosa Weber, considerou plausível a adoção de medidas atípicas diante do contexto: "postura incompatível com a obrigação processual das partes, justificando a intervenção excepcional em suas esferas jurídicas com o fito de assegurar o cumprimento de ordem judicial". Contudo seu posicionamento não pode ser apontado como sinal de que os outros 10 ministros terão a mesma visão.

Tendência
Voltando ao STJ: a corte tem manifestado a tendência de ser favorável ao tema, mas não indiscriminadamente. Ao se posicionar sobre o assunto no julgamento do REsp 1.864.190, a ministra Nancy Andrighi considerou que o CPC 2015 trouxe mais elasticidade ao desenvolvimento da execução.  Por outro lado, ela também enfatizou que tais iniciativas só podem ser adotadas após serem esgotados os meios diretos de execução.

"Respeitado esse contexto, portanto, o juiz está autorizado a adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem razão o processo executivo", afirmou a ministra.

No caso mais recente, citado no início desse artigo, o ministro Buzzi apontou que o STJ firmou diretrizes que limitam a adoção de medidas executivas atípicas pelos magistrados: existência de indícios de que o devedor possui patrimônio para cumprir a obrigação; fundamentação da decisão com base nas especificidades constatadas; utilização da medida atípica de forma subsidiária; e observância do direito ao contraditório e da proporcionalidade.

Em relação às execuções fiscais, a linha da corte se altera. Ao tratar do tema, o então ministro

Napoleão Nunes Maia Filho entendeu que o Estado já é "superprivilegiado" em sua condição de credor e, portanto, não seria o caso de serem aplicadas as medidas coercitivas atípicas.

Ainda que já seja ampla a jurisprudência do STJ sobre o tema, a palavra final do STF se faz necessária para garantir a segurança jurídica em relação ao assunto. Do ponto de vista prático, os advogados que pleiteiam a execução de dívidas, podem considerar que, por ora, a possibilidade existe e tem sido validada nas cortes superiores. E, por mais que seja possível recorrer e aguardar o posicionamento definitivo do Supremo  não se sabe quando  sobre o assunto, o fato é que havendo abertura para esse tipo de medida, as partes devedoras poderão ter bastante entrave em suas vidas.

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