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Lei que obriga leitura de Bíblia em Câmara Municipal é inconstitucional, diz TJ-SP

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1 de outubro de 2022, 12h30

O poder público deve se manter neutro em relação às diferentes denominações e crenças religiosas. Assim entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular dispositivo de uma lei de Piracicaba que previa a leitura de um trecho da Bíblia antes do início de todas as sessões na Câmara dos Vereadores.

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jcomp/freepikLei que obriga leitura de Bíblia em Câmara Municipal é inconstitucional, diz TJ-SP

Na ação, a Procuradoria-Geral de Justiça apontou violação ao princípio da laicidade do Estado. O argumento foi acolhido, por unanimidade, pelo Órgão Especial. "O Estado brasileiro é laico, isso é, não-confessional, desvinculado das religiões livremente admitidas em território nacional", afirmou o relator da ADI, desembargador Moacir Peres.

Segundo o magistrado, o princípio da laicidade é corolário da liberdade religiosa assegurada pela Constituição Federal e, por isso, o poder público deve se manter neutro em relação às diferentes crenças existentes: "Essa neutralidade é essencial à própria democracia, fundada na pluralidade e no respeito às diversas manifestações humanas, e indispensável para que o poder público possa atuar na garantia da própria liberdade religiosa consagrada constitucionalmente."

Dessa forma, o relator afirmou que a lei de Piracicaba, ao estabelecer que o segundo secretário da Câmara Municipal deveria fazer uma leitura bíblica no início das sessões, violou o princípio da laicidade estatal, decorrente da liberdade religiosa (artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal), e o artigo 19, inciso I, da Constituição da República.

Além disso, Peres também verificou ofensa a princípios constitucionais da administração pública, especialmente os da isonomia e do interesse público. "Ressalte-se que não se trata de determinação de simples manutenção na Câmara Municipal de exemplar da Bíblia, mas de imposição de leitura de trecho do referido livro, no início de cada sessão daquela casa de leis", acrescentou o magistrado.

Ele também citou trecho da manifestação da procuradoria de que o poder público não deve manter relações de dependência ou aliança com representantes religiosos, uma vez que a liberdade religiosa abrange, inclusive, o direito de não ter religião, "do qual emana o impedimento à determinação, pela administração pública, da leitura da Bíblia durante as sessões públicas na Câmara Municipal".

A última ceia
Essa não foi a primeira lei municipal julgada inconstitucional pelo TJ-SP por violação ao princípio da laicidade do Estado. Uma norma de Itapecerica da Serra, que também previa a leitura de um versículo da Bíblia antes do início das sessões na Câmara dos Vereadores, foi anulada pelo colegiado em novembro de 2021.

Na ocasião, o relator, desembargador Ferreira Rodrigues, citou entendimento do STF de que nenhum ente da federação está autorizado a incorporar, a seu ordenamento jurídico, preceitos e concepções, seja da Bíblia ou de qualquer outro livro sagrado, e de que, ao optar por uma orientação religiosa, a lei quebrou não apenas o dever de neutralidade estatal, como também a liberdade religiosa e de crença.

"Não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por determinada religião, voltado exclusivamente aos seguidores dos princípios cristãos, alijando outras crenças presentes tradicionalmente no tecido social brasileiro como a judaica, a muçulmana etc., bem como de outras que não ostentem essa percolação, justamente à vista da laicidade do Estado brasileiro", disse Rodrigues.

O tribunal também declarou, em março deste ano, a inconstitucionalidade de uma lei de Barretos que instituía o estudo da Bíblia como componente curricular obrigatório para os alunos do nível fundamental da educação básica. Para o relator, desembargador Élcio Trujillo, é ilegal impor o estudo da Bíblia, originária de uma única crença, a alunos de outras religiões ou que não possuem crença alguma.

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Processo 2060503-84.2022.8.26.0000

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