Observatório Constitucional

Direção, chefia e assessoramento no contexto do controle interno do Executivo

Autores

  • Daniel Falcão

    é controlador geral do município e encarregado pela proteção de dados da Prefeitura de São Paulo advogado cientista social professor do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) doutor mestre e graduado pela Faculdade de Direito da USP pós-graduado em Marketing Político e propaganda Eleitoral pela ECA/USP e graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/USP.

  • Kelvin Peroli

    é mestrando em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) com intercâmbio acadêmico na Seconda Università degli Studi di Napoli associado fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados (IAPD) advogado assessor do Gabinete da Controladoria Geral do Município de São Paulo (CGM-SP) e do encarregado pela proteção de dados pessoais da Prefeitura do Município de São Paulo e autor de livro e artigos sobre privacidade e proteção de dados pessoais.

26 de novembro de 2022, 8h00

O controle interno é termo que se acopla em diferentes contextos, mas, como disciplina, é possível abstrair entendimento unívoco: é um conjunto de processos, conduzido por órgãos e agentes de determinada instituição, com o intuito de nela obter um grau adequado de organização.

Nesse sentido, associado ao contexto da gestão pública, não se resume ao retrato de controle interno capturado pelo artigo 70 da CRFB/88: de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Atualmente, em defesa de princípios elementares como o da legalidade e o da publicidade, está também a atuar, e.g., pela transparência e pela proteção de dados pessoais.

A partir desse contexto, e em consequência da autonomia atribuída a cada ente federativo, tornou-se visível, pelo país, uma pluralidade de tipos de estruturas e de atribuições dos órgãos e dos agentes públicos de controle interno em âmbito dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, nos diferentes entes da federação. Apesar disso, é possível dizer que todos atuam ao cumprimento de objetivos impostos à (ou dispostos por) sua organização.

Essa pluralidade, de todo modo, influiu em recentes decisões do Poder Judiciário que trouxeram luz à discussão sobre o exercício de atribuições, no âmbito do controle interno, por servidores em cargos em comissão e funções de confiança. No contexto do controle interno, assim como em qualquer outro contexto relativo ao poder público, essas atribuições devem estar restritas às atribuições de direção, chefia e assessoramento — não sendo possível, por óbvio, o desempenho de atribuições técnicas, como aduz o artigo 37, inciso V, da CRFB/88, e a tese de repercussão geral, firmada em sede do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.041.210/SP, que dispôs sobre os requisitos constitucionais exigíveis à criação de cargos em comissão [1] e, por lógica, às funções de confiança.

Conforme a tese do tema de Repercussão Geral nº 1.010, firmada a partir do RE nº 1.041.210/SP, é necessário que a criação de cargos em comissão esteja imbuída dos seguintes requisitos:

a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais;
b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado;

c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e
d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.

A decisão que motivou o frenesi é um acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de RE nº 1.264.676/SC [2], que entendeu por inconstitucional dispositivos da Lei Complementar nº 22/2017, de iniciativa do Poder Executivo do município de Belmonte, estado de Santa Catarina, que extinguiu os cargos de coordenador de controle interno e de assessor contábil, dispostos por norma anterior, e que criou, ato contínuo, os cargos de diretor de controle interno, de controlador interno e de gerente municipal de convênios, que poderiam ser ocupados por servidores em cargos de natureza comissionada ou gratificada — ou seja, em cargos em comissão ou em função de confiança.

Neste caso, à luz de uma análise das atribuições dispostas ao cargo de controlador interno (artigo 4º, LC nº 22/2017), assertivamente assentou o STF que não estavam em conformidade ao ditame constitucional (artigo 37, inciso V, CRFB/88) de restrição das atribuições de um cargo em comissão ou função de confiança àquelas relativas às de direção, chefia e assessoramento. O texto impugnado da norma municipal previa, e.g., a sua atribuição de "executar trabalho de avaliação das metas" — referindo-se ao Plano Plurianual e aos programas e orçamento do Poder Executivo do município de Belmonte. Essa atribuição de "execução", de modo cristalino, diz respeito a uma função eminentemente pertencente ao rol de aquelas "burocráticas, técnicas e operacionais", nos termos da tese em repercussão geral fixada em sede do RE nº 1.041.210/SP, que assim as elide do rol de funções de "direção, chefia e assessoramento", possibilitadas pelo texto constitucional aos cargos em comissão e às funções de confiança.

Do acórdão do STF em sede do RE nº 1.264.676/SC, o que verdadeiramente se dessume, tanto em um contexto de controle interno quanto em qualquer outro contexto relativo ao poder público, é o entendimento de que, quando da criação de cargos com atribuições de direção, chefia e assessoramento, não é possível que o seja criado também com atribuições técnicas — como o sucedido no caso analisado.

Nesse sentido, não é verídica a assertiva, descontextualizada, de ser "inconstitucional servidor comissionado ou em função de confiança exercer cargo de Controlador Interno" [3], isto porque o que é inconstitucional é a criação de cargo de Controlador Interno com funções, concomitantemente, "técnicas" e de "direção, chefia e assessoramento".

Por esse raciocínio, na hipótese da criação de cargo de controlador interno com funções "técnicas", necessário é que o seja por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, na forma do artigo 37, inciso II, da CRFB/88.

Por outro lado, na hipótese da criação de cargo de controlador interno com funções estritamente relativas àquelas do rol de atribuições de "direção, chefia e assessoramento", é facultado ao poder público a opção entre cargos efetivos — investidos por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos — e cargos em comissão ou mesmo em função de confiança [4].

É imprescindível, nesse sentido, que a jurisprudência do Poder Judiciário esteja alinhada com o entendimento realmente consolidado de sua Suprema Corte, já que, atualmente, ausente fundamento normativo constitucional apto a justificar a proibição do exercício da função de controlador interno, quando inexistentes as atribuições denominadas por "técnicas", por cargo em comissão ou função de confiança.

Vale, por fim, o destaque de que também se encontra nesse sentido o posicionamento do Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci) — que, em sua 40ª Reunião Técnica, em 2021, aprovou, por unanimidade, o Parecer, elaborado pela Controladoria Geral do Município de São Paulo (CGM/SP), "Estudo do RE nº 1.264.676/SC: inconstitucionalidade da investidura no cargo de 'Controlador Interno' por meio de provimento em comissão ou função gratificada" –, cristalizado pela Resolução Conaci nº 02/2021 [5].

 


[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.041.210/SP. Relator: ministro Dias Toffoli. Data de julgamento: 27 set. 2018. Data de publicação: 22 maio 2019. Brasília, Diário de Justiça Eletrônico, 22 maio 2019.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 1.264.676/SC. Relator: ministro Alexandre de Moraes. Data de julgamento: 08 jun. 2020. Data de publicação: 9 jul. 2020. Brasília, Diário de Justiça Eletrônico, 9 jul. 2020.

[3] ESPIRÍTO SANTO. Ministério Público de Contas do Estado do Espírito Santo. É inconstitucional servidor comissionado ou em função de confiança exercer cargo de controlador interno, decide STF. Ministério Público de Contas do Estado do Espírito Santo, 27 ago. 2020. Disponível em: https://www.mpc.es.gov.br/2020/08/e-inconstitucional-servidor-comissionado-ou-em-funcao-de-confianca-exercer-cargo-de-controlador-interno-decide-stf/. Acesso em: 14 nov. 2022.

[4] Nessa linha, parece ter se distanciado do entendimento da Suprema Corte, proferido em sede do RE nº 1.264.676/SC, a recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Ação Direta de Inconstitucionalidade Estadual nº 2072419-18.2022.8.26.0000) em prejuízo da Lei Municipal nº 1.914/2021 e do Decreto Municipal nº 04/2021, do município de Santo Antônio da Alegria, estado de São Paulo. Apesar de o Tribunal possuir fundamentos suficientes à declaração de inconstitucionalidade do art. 14 da Lei Municipal (que criou o cargo em função de confiança de Controlador Interno do Município ) e de todo o decreto municipal (que dispôs das atribuições do cargo e designou o seu titular ), também interpretou que a decisão do STF, em sede do RE nº 1.264.676/SC, entendeu por inconstitucional qualquer criação de cargo em comissão ou em função de confiança para o cargo de controlador interno, isto a partir da premissa (ausente na fundamentação da decisão da Suprema Corte) de que este é um cargo que, por se tratar do contexto de controle interno, deve possuir atribuições "técnicas". A decisão se fundamentou, também, em interpretação do art. 35 da Constituição Estadual de São Paulo, a partir da premissa de que o dispositivo — que possui a mesma redação do art. 74 da CRFB/88 — exige que o cargo detenha, justamente, atribuições "técnicas". Ocorre que essa interpretação da decisão do STF, como mencionado, não corresponde ao seu conteúdo decisório, isto porque ela apenas delimitou, como indicado, não ser possível a criação do cargo de Controlador Interno, como cargo em comissão ou função de confiança, isto quando a norma que o cria lhe dispõe de atribuições "técnicas" — que se distam, portanto, de aquelas de atribuições de "direção, chefia e assessoramento".

SÃO PAULO (Estado). Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2072419-18.2022.8.26.0000. Desembargador-relator: Fernando Antonio Ferreira Rodrigues. Data de julgamento: 14 set. 2022. Data de publicação: 15 set. 2022. São Paulo, Diário da Justiça Eletrônico, 15 set. 2022.

[5] CONSELHO NACIONAL DE CONTROLE INTERNO. Resolução nº 002/2021. Aprova o parecer que fixa o entendimento do Conaci acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade da investidura no cargo de controlador interno por meio de provimento em comissão ou função gratificada (RE 1.264.676/SC). Belo Horizonte, Conselho Nacional de Controle Interno, 3 dez. 2021. Disponível em: https://conaci.org.br/wp-content/uploads/2022/01/Resolucao-CONACI-002-2021.pdf. Acesso em: 14 nov. 2022.

Autores

  • é professor, advogado, cientista social, doutor e mestre em Direito do Estado e graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP), pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), graduado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), controlador geral do município de São Paulo (CGM/SP) e encarregado pela proteção de dados pessoais da Prefeitura de São Paulo.

  • é mestrando em Ética e Filosofia Política pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IFCH/UERJ), graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP), com intercâmbio acadêmico na Seconda Università degli Studi di Napoli (Itália), associado fundador do Instituto Avançado de Proteção de Dados (IAPD) e assessor técnico da Controladoria Geral do Município de São Paulo (CGM/SP).

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