Opinião

Duas armadilhas envolvendo embargos de declaração e agravo interno

Autores

  • José Henrique Mouta Araújo

    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) doutor e mestre (Universidade Federal do Pará) professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) procurador do estado do Pará e advogado.

  • Rodrigo Nery

    é doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) (com ênfase em Direito Processual Civil) pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq/UnB Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC) integrante e orador da primeira equipe da UnB na 1ª Competição Brasileira de Processo (CBP) e advogado.

13 de novembro de 2022, 13h14

Como é de conhecimento dos operadores do Direito, é muito comum a utilização dos embargos de declaração ou agravo interno no âmbito dos tribunais locais (estaduais e regionais federais), com o objetivo de exaurir as instâncias ordinárias e superar óbices ligados à admissibilidade de recursos especial e extraordinário. Nesse contexto, duas regras legais parecem claras: a decisão dos embargos de declaração tem a mesma natureza daquela que foi embargada e o agravo interno é cabível contra decisões monocráticas de relatores nos tribunais, visando a alcançar a colegialidade.

Quando opostos contra decisão monocrática, os aclaratórios devem ser apreciados por novo pronunciamento monocrático, com a interrupção de prazo para outro recurso (artigo 1.024,§ 2º e 1.026, do CPC). Por sua vez, o agravo interno (artigo 1.021, do CPC) deve ser interposto contra decisão unipessoal, provocando a sua apreciação pelo colegiado competente. Muitas vezes, o agravo interno tem a finalidade de atender ao requisito do exaurimento de instância, de modo a abrir as portas das cortes superiores para eventual recurso especial ou extraordinário e superar a aplicação da Súmula 281/STF.

Não obstante a explicação acima, neste breve ensaio iremos enfrentar duas situações diferenciadas, que são exceções às sistemáticas mencionadas e, consequentemente, merecem o devido cuidado do estudioso do Direito, especialmente no que diz respeito ao atendimento do requisito de exaurimento da instância ordinária, que é uma importante condicionante para a interposição dos recursos excepcionais.

A primeira delas surge do seguinte exemplo: vamos supor que, após o julgamento proferido monocraticamente pelo relator no recurso de apelação, o interessado opõe embargos de declaração que, como previsto na própria legislação processual (artigo 1024, §2º, do CPC), deveriam ser analisados em nova decisão monocrática integrativa, com o posterior manejo de eventual agravo interno para o colegiado, visando ao exaurimento de instância. Contudo, o relator encaminhou para o órgão fracionário a apreciação dos aclaratórios, com posterior prolatação de acórdão.

A rigor, mesmo sem amparo no citado dispositivo da legislação processual, essa situação pode ocorrer, o que enseja uma análise com extrema cautela. Caso ela ocorra, apesar de estarmos diante de um acórdão, o jurisdicionado não deve considerar como exaurida a instância ordinária para fins interposição de recurso aos tribunais superiores. Para que as instâncias sejam exauridas, o jurisdicionado deverá interpor agravo interno, de modo a superar o óbice contido na Súmula 281/STF.

Ou seja, no caso em questão, como a decisão embargada é unipessoal, mesmo com a apreciação colegiada dos embargos de declaração, deve o interessado interpor agravo interno antes do manejo de recurso especial e/ou extraordinário.

Alguém pode afirmar: como se trata de acórdão, então está exaurida a instância ordinária. Ou mesmo: não poderia ser levado à apreciação colegiada os embargos de declaração manejados em face de decisão monocrática, considerando o disposto no artigo 1.024, §2º, do CPC.

Independentemente da razoabilidade da matéria de fundo a ser discutida perante a Corte Superior, o fato é que o interessado terá que interpor agravo interno contra acórdão (também em sentido contrário ao disposto no art. 1.021, do CPC), visando a atender o requisito do exaurimento de instância.

No tema, vale citar o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça — com indicação de outros precedentes no mesmo sentido:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PELO ÓRGÃO COLEGIADO. RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DO EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS. SÚMULA N. 281/STF. I – É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido da não cognoscibilidade do recurso especial interposto contra a decisão monocrática proferida em apelação, mesmo que tenham sido opostos embargos de declaração julgados pelo colegiado. II – Os embargos de declaração têm o condão de aperfeiçoar a decisão monocrática quando presentes as máculas do art. 1.022 do CPC/2015, saneando a decisão, sem no entanto ter o desiderato de enfrentar os fundamentos ali apresentados. Assim, após o referido saneamento, impõe-se a interposição de agravo interno visando exaurir a instância e viabilizar a interposição de recurso para as Cortes Superiores. Precedentes: AgInt nos EDcl no AREsp nº 1.571.531/SC, rel. ministro Og Fernandes, 2ª Turma, julgado em 18/5/2020, DJe 20/5/2020, AgInt no AREsp nº 921.127/SP, rel. ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/10/2019, DJe 11/10/2019 e AgInt no AREsp nº 1.324.359/PA, rel. ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, julgado em 4/12/2018, DJe 11/12/2018.

III – Agravo interno improvido" (AgInt no AREsp nº 1.344.777 – MA 2ª Turma – rel. min. Francisco Falcão — j. em 16/11/2020; DJe 18/11/2020).

Em acórdão mais recente, a 2ª Turma da Corte da Cidadania confirmou este entendimento:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. I – Na origem, trata-se de ação ajuizada em face da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, em que a parte autora requer que seja declarada a impossibilidade de aplicação da nova modalidade de remuneração imposta pela ECT (?R5?), por ter se dado de forma ilegal/irregular ao ser implantada por mero apostilamento unilateral; bem como seja reconhecido que a alteração da forma de remuneração não respeita a necessária manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de franquia postal firmado entre as partes. II – Por sentença, julgou-se improcedente o pedido. No Tribunal "a quo", por decisão monocrática, o recurso de apelação não foi conhecido ante a sua intempestividade. III – Mediante análise dos autos, verifica-se que o recurso especial da parte agravante foi interposto contra decisão monocrática proferida pelo Tribunal 'a quo'. IV – Consoante entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, é necessário que a parte interponha todos os recursos ordinários no Tribunal de origem antes de buscar a instância especial (Súmula n. 281 do STF). V – Tal entendimento também é aplicado em hipóteses como a dos presentes autos, em que, à decisão singular exarada pelo relator, foram opostos embargos de declaração, julgados por meio de acórdão pelo Tribunal de origem, contra o qual foi diretamente interposto recurso especial, sem que houvesse, portanto, o necessário exaurimento das instâncias ordinárias. Nesse sentido, o AgInt no AREsp 1.557.971/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe de 20/11/2019. VI – Agravo interno improvido" (AgInt no AREsp 1.876.811 / RJ — rel. min. Francisco Falcão — 2ª Turma – j. em 19/10/2021 — DJe 25/10/2021).

Nessa primeira situação, portanto, mesmo que isso possa parecer estranho (e contra a própria previsão legal), o interessado deverá interpor agravo interno contra um acórdão, sob pena de não atender o requisito específico do exaurimento de instância para fins de manejo de recursos às cortes superiores.

Mesmo sendo fruto de vários precedentes, é importante destacar que não concordamos com este entendimento.

Considerando que o caso em questão se configura, a nosso ver, um equívoco do próprio tribunal local e, além disso, tendo em vista que a matéria já foi levada ao colegiado, em técnica (ainda que equivocada) que se assemelha à conversão dos embargos em agravo interno (artigo 1.024, §3º, do CPC), não parece fazer sentido a afirmação de que não houve exaurimento de instâncias, ainda mais levando em conta a ausência de previsão legal de recurso de agravo interno contra acórdão.

Fixadas as observações acima, passemos à segunda situação que gostaríamos de comentar. Assim como a primeira, ela também prova análise cautelosa por parte do intérprete.

Como regra, os embargos de declaração opostos contra acordão devem ser apreciados por outro acórdão integrativo, nos termos do já mencionado art. 1.024, §2º, do CPC. Os regramentos são muito claros: embargos contra decisão monocrática devem ser apreciados mediante decisão monocrática; ao passo que quando opostos em face de decisão colegiada devem ser apreciados por decisão colegiada.

Se, todavia, acontecer de os embargos contra uma decisão colegiada serem analisados por uma decisão monocrática, sem serem remetidos ao órgão colegiado, será necessária a interposição de agravo interno, visando o exaurimento de instância.

Aliás, ainda na vigência do CPC/73 e sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia (REsp 1.049.974/SP), o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento quanto à possibilidade de apreciação monocrática de aclaratórios opostos contra acórdão, como restou claro em recente pronunciamento da 4ª Turma da corte:

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CAUTELAR – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DA PARTE RÉ. 1. No julgamento do REsp 1.049.974/SP, submetido à sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, consolidou o entendimento de que é possível o julgamento monocrático pelo relator de embargos de declaração, inclusive quando opostos contra decisão de órgão colegiado. 2. No que diz respeito à alegada inaplicabilidade da multa diária e ilegitimidade passiva do agravante, não restou configurado o necessário prequestionamento da matéria, o que impossibilita a apreciação de tais questões na via especial ante o óbice da Súmula 211 do STJ. 3. Agravo interno desprovido". (AgInt no AREsp 1.509.683 / — 4ª Turma — rel. min. Marco Buzzi — j. em 30/11/2020 – DJe 04/12/2020).

Logo, em que pese o disposto no artigo 1.024, §2º, do CPC, partindo aqui do entendimento advindo do recurso especial repetitivo nº 1.049.974/SP, em caso de apreciação unipessoal de aclaratórios opostos em face de acórdão, deve a parte interpor Agravo Interno visando a atender o requisito do exaurimento de instância, sob pena de o recurso a ser interposto ao Tribunal Superior incidir no óbice contido na Súmula 281/STF.

Sobre este tema, importante transcrever dois outros recentes precedentes da 3ª e 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE VÔO. LEGITIMIDADE PASSIVA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, OPOSTOS CONTRA DECISÃO COLEGIADA, JULGADO MONOCRATICAMENTE. NÃO EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA. SÚMULA 281/STF. 1. O recurso especial é inadmissível quando couber, perante o Tribunal de origem, recurso contra a decisão impugnada. 2. Ausente o exaurimento de instância, aplica-se, por analogia, a Súmula 281 do STF. Precedentes. 3. Agravo interno não provido" (AgInt no AREsp 1.948.684 / SP — 3ª Turma — rel. min. Nancy Andrighi — J. em 6/12/2021 — DJe 9/12/2021).

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE. DECISÃO COLEGIADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. EXAURIMENTO DE INSTÂNCIA NÃO VERIFICADO. SÚMULA N. 281/STF. DECISÃO MANTIDA. 1. O julgamento monocrático dos embargos de declaração opostos contra decisão colegiada não é suficiente para caracterizar o esgotamento das instâncias ordinárias, para fins de interposição de recurso especial (Súmula n. 281/STF). Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento" (AgInt no AREsp 2.039.784 / BA — rel. Antônio Carlos Ferreira — j. em 30/5/2022 – DJe 02/6/2022) [1].

Logo, nesta segunda situação tratada no presente ensaio, mesmo quando a decisão originária for de natureza colegiada (acórdão), a apreciação dos embargos de declaração de forma monocrática provoca a necessidade de interposição de agravo interno, visando provocar nova decisão colegiada e, com isso, superar o óbice constante na Súmula 281/STF. Esse último recurso será manejado, ao contrário do que prevê o artigo 1.021, do CPC, contra decisão colegiada que foi integralizada ou complementada por pronunciamento monocrático.

Ora, observa-se aqui uma inversão de lógica que gera insegurança ao jurisdicionado. Na primeira situação aqui analisada, de aclaratórios contra decisão monocrática que foram julgados de forma colegiada, a decisão dos embargos acaba tendo a mesma natureza da primeira, sendo considerada como se fosse uma decisão monocrática. Já na segunda situação, de decisão monocrática de embargos de declaração opostos contra acórdão, a natureza da decisão dos embargos é a que prevalecerá, e não a da decisão embargada.

As duas situações provocam um extremo cuidado por parte do jurisdicionado, pelo fato de que os equívocos dos tribunais locais podem se configurar como obstáculos e armadilhas a serem superadas, com a interposição de novo recurso (por vezes e à primeira vista desnecessário), visando atender ao requisito processual de exaurimento de instância.

Por derradeiro, atendendo aos princípios da legalidade, boa-fé, primazia de mérito e cooperação, sugerimos que nos casos aqui expostos seja a parte informada e prevenida expressamente no pronunciamento judicial acerca da existência ou não de exaurimento de instância.

Essa conduta preventiva seria possível na prática forense? Deixamos esta indagação aos nossos leitores.


[1] Ver também AgRg no REsp 1.473.394 / RJ — rel. min. Humberto Martins — 2ª Turma — j. em 2/2/2016 – DJe 11/2/2016.

Autores

  • é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), doutor e mestre (Universidade Federal do Pará), professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), procurador do estado do Pará e advogado.

  • é doutorando e mestre em Direito pela UnB (com ênfase em Direito Processual Civil), especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito, bacharel em Direito pela UnB e advogado.

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