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Ministro do STJ critica casos de admissão automática no filtro de relevância

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10 de novembro de 2022, 18h52

Nesta quinta-feira (10/11), durante o Congresso Nacional das Sociedades de Advogados, o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça, criticou as hipóteses de relevância presumida previstas pela Emenda Constitucional 125/2022 e a possibilidade de ampliação dessa lista.

Lucas Pricken/STJ
Ministro João Otávio de Noronha,
do Superior Tribunal de JustiçaLucas Pricken/STJ

A EC em questão criou o critério da relevância para julgamento de recursos especiais pelo STJ, a ser analisado pela corte. Porém, estabeleceu situações de admissão automática dos casos e determinou que mais delas podem ser acrescentadas por lei.

Uma das hipóteses de relevância presumida é a causa com valor acima de 500 salários mínimos. Noronha considera que esse montante é baixo, mas enfatiza que o fator financeiro não pode ser o único critério a ser aplicado, pois há causas de baixo valor que geram teses importantes. "Valor econômico nunca me sensibilizou", disse ele.

Ainda de acordo com a EC, ações penais também têm relevância presumida. O ministro entende que tal hipótese é importante, mas ressalta que a Justiça brasileira possui uma cultura de se voltar mais à figura do réu do que à tese. Segundo ele, há questões menores, de contravenção, que também deveriam ser conhecidas pelo STJ.

Outros casos de relevância presumida são as ações de improbidade administrativa e as que possam gerar inelegibilidade. Para Noronha, tais regras são uma "salvaguarda dos políticos", pois nem todos os processos do tipo são verdadeiramente relevantes.

Por fim, a EC prevê admissão automática nas hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ. Na visão do magistrado, isso sequer precisava ser incluído na norma, pois já é uma obrigação da corte. "A jurisprudência do tribunal já é relevante por si só. O STJ tem a missão política e constitucional de extirpar as divergências de interpretação do Direito federal. Não é questão de relevância."

Noronha também se mostrou contrário à possibilidade de ampliação do escopo de relevância presumida por meio de lei: "Relevância já é da essência do tribunal. Se for para aumentar as hipóteses, é melhor acabar com a relevância, pois ela já não terá mais utilidade".

Relevante relevância
Apesar das críticas, o ministro destacou a importância da existência de filtros de relevância para tribunais superiores, como a nova EC do STJ e a repercussão geral do Supremo Tribunal Federal. Tais iniciativas, segundo ele, "valorizam a decisão de primeiro e segundo graus" — que, se estiver de acordo com a orientação dos tribunais superiores, "vai prevalecer, vai poder ser executada de plano e vai atingir o valor que nós precisamos ter na Justiça".

STJ
Filtro de relevância para admissão de recursos no STJ foi incluído na ConstituiçãoSTJ

O magistrado ressaltou que cortes de todo o mundo criam filtros e também lembrou que o próprio STJ foi criado em função do filtro do STF, que limitou a corte constitucional às causas dos recursos extraordinários.

"Tribunal superior não é tribunal de revisão", destacou Noronha. Para ele, se houvesse necessidade de criar um tribunal para revisar decisões de segundo grau, também seria necessário criar cortes para revisar decisões do próprio STJ ou do STF. "Os processos têm de terminar."

Ministros atarefados
"A relevância não chegou pra dar boa vida a ministro. Com ou sem relevância, nós vamos continuar julgando muito", disse o magistrado. Ele recordou que o tribunal tem cerca de 300 mil processos.

Muitas vezes, o aumento do número de ministros é sugerido como forma de aliviar a sobrecarga processual na corte. Para Noronha, no entanto, essa não é a melhor solução. Ele lembrou que a Corte de Cassação italiana "tornou-se muito mais morosa" quando passou a contar com mais de 300 magistrados. Na visão do ministro, uma composição tão grande dificulta a uniformização de entendimentos.

"A questão não é número de juízes", assinalou. Segundo ele, o melhor caminho é garantir que a corte superior julgue somente questões relevantes, "que transcendam o interesse das partes e repercutam socialmente".

Advogados inexperientes
Noronha também defendeu algum tipo de filtro para a atuação de advogados nos tribunais superiores. A justificativa para isso é a alta complexidade do sistema recursal brasileiro.

O ministro comentou que na França, por exemplo, existem exames diferentes para os advogados atuarem em cada grau de jurisdição. "Ninguém se forma e já vai atuar no tribunal superior."

Ele destacou o despreparo e a inexperiência de advogados que atualmente sustentam perante o STJ. "Não é razoável deixar amadores atuando onde a interpretação da lei transcende o caso concreto."

Na visão do magistrado, "um mínimo de requisitos para atuação nas cortes já ajudaria muito". Para ele, não se trata de "criar uma elite", mas, sim, de "zelar pela defesa do ordenamento jurídico".

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Andrea Galhardo Palma, juíza titular de vara especializada em arbitragem em SPReprodução

Arbitragem
A juíza Andrea Galhardo Palma, da 2ª Vara Regional Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem do Tribunal de Justiça de São Paulo, também participou do painel e criticou a judicialização indevida das questões arbitrais.

A magistrada afirmou que a atuação do Judiciário na arbitragem deve ser limitada. "Aqui em São Paulo, cumprimos à risca o princípio da intervenção mínima. Atuamos somente nos casos de erro grosseiro no cumprimento da convenção arbitral, excesso e violação gritante do devido processo."

Porém, segundo ela, ainda há uma distorção no sistema, pois alguns advogados não entendem a função excepcional da Justiça e levam diversas demandas "frivolas" à vara, como se fosse uma instância recursal.

A juíza ainda ressaltou a importância das cartas arbitrais — meios de comunicação entre uma câmara arbitral e o Judiciário. Por meio delas, é possível pedir apoio à Justiça para intimação de testemunhas ou efetivação de liminares, por exemplo.

No entanto, além de pouco usados, tais instrumentos geralmente chegam ao Judiciário mal instruídos. Andrea fez um apelo para que advogados levem cartas arbitrais assinadas e acompanhadas da convenção de arbitragem, para facilitar a atuação judicial.

Outra participante da mesa foi a processualista Helena Najjar Abdo. Ela defendeu a tese de que "não é cabível a condenação, pelos árbitros, ao pagamento de honorários de sucumbência", a não ser que tal possibilidade tenha sido acertada previamente entre as partes. O ministro Noronha concordou com tal entendimento.

Segundo Helena, "a arbitragem deriva da autonomia das partes" e o poder jurisdicional é conferido aos árbitros pelo contrato. Se as partes contratam a arbitragem, elas são responsáveis por decidir quais medidas da controvérsia serão submetidas ao tribunal arbitral. Ou seja, esse tribunal "não pode proferir nada fora dos termos contratados pelas partes".

O Congresso Nacional das Sociedades de Advogados teve início nesta quarta-feira (9/11) e se estende até esta sexta (11/11). O evento é organizado pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e pelo Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro (Sinsa). O tema central é "Advocacia do Amanhã: Democracia, ESG e Tecnologia".

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