Veredito cabe aos jurados

Se houver dúvida sobre versões, mas indícios de crime, réu deve ir a júri, diz STF

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8 de novembro de 2022, 20h52

O juiz natural de casos de crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri. Assim, havendo indícios de materialidade do delito, cabe aos jurados, e não ao juiz togado, decidir se a versão da defesa deve levar à absolvição do réu.

Nelson Jr./SCO/STF
Alexandre disse que indícios de homicídio justificam envio do caso ao Tribunal do Júri
Nelson Jr./SCO/STF

Com esse entendimento, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por 4 votos a 1, negou nesta terça-feira (8/11) agravo regimental e manteve decisão de pronúncia do oficial de cartório Paulo Odilon Xisto Filho, acusado de matar a namorada, Isadora Viana Costa, em Imbituba (SC), em 2018.

O Ministério Público de Santa Catarina acusa Xisto Filho de ter imobilizado a namorada após uma discussão e ter desferido repetidos golpes no abdômen dela, provocando a sua morte. Já a defesa do oficial, comandada pelo criminalista Aury Lopes Jr., sustenta que Isadora ingeriu cocaína em pedra e morreu por overdose. As lesões em seu abdômen, segundo o advogado, devem-se a tentativas de Xisto de reanimá-la.

Na sentença de pronúncia, o juiz afirmou que há dúvidas sobre a causa da morte na análise das provas, mas concluiu que o caso deve ir para júri, com base no princípio in dubio pro societate, que assegura que, em caso de dúvida, deve haver o julgamento, de forma a resguardar o interesse social. Xisto Filho responde por homicídio triplamente qualificado por motivo fútil, feminicídio e impossibilidade de defesa da vítima, além de fraude processual.

A defesa do oficial contestou a sentença de pronúncia afirmando que, se há dúvidas sobre o crime, o réu deveria ter sido absolvido pelo juiz, sem ir a júri. No entanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e o Superior Tribunal de Justiça mantiveram a decisão.

O relator do caso no Supremo, ministro Alexandre de Moraes, lembrou que o juízo natural para a análise de casos de crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri. Dessa maneira, não se pode impedir que ele aprecie processo em que há dúvida razoável sobre a materialidade do crime, mas que tem indícios fortes do delito, que justificam seu exame por jurados.

"Não se exige juízo de certeza da prática criminosa nesse momento (da sentença de pronúncia), mas uma probabilidade de o réu ter cometido o crime", destacou o magistrado.

Alexandre ressaltou que a perícia oficial concluiu que a jovem morreu devido a chutes, socos e joelhadas no abdômen. O laudo também indicou alta concentração de cocaína na corrente sanguínea da vítima. Por outro lado, uma perícia privada, contratada pela defesa, afirmou que a morte ocorreu devido a uma parada cardíaca ocasionada pelo excesso de droga. E que as lesões em Isadora ocorreram por tentativas de Xisto Filho de reanimá-la.

A divergência é uma questão probatória, de valoração das provas produzidas no processo, disse Alexandre. E, segundo ele, cabe ao júri analisá-las e decidir pela condenação ou absolvição. Como não está presente, de forma clara, nenhuma das hipóteses do artigo 415 do Código de Processo Penal, não é o caso de absolver o oficial sumariamente, declarou o ministro.

O entendimento do relator foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Voto divergente
Ficou vencido o ministro Dias Toffoli, que votou por aceitar o recurso e absolver sumariamente Xisto Filho. Para o magistrado, se há dúvidas sobre a materialidade do crime, ele deve ser inocentado, com base no princípio in dubio pro reo.

Toffoli disse ser "absolutamente contrário" ao Tribunal do Júri. Ele lembrou que só seria possível retirar do órgão o julgamento de crimes dolosos contra a vida por uma nova Constituição, uma vez que tal previsão é cláusula pétrea da Carta Magna de 1988 (artigo 5º, XXXVIII). Em sua opinião, atribuir tal competência a juízes togados tornaria os processos de tais delitos muito mais rápidos e eficazes.

Dessa maneira, o ministro votou por afetar o caso ao Plenário do STF, para que a corte firmasse tese, com repercussão geral, sobre o uso da regra de aplicação in dubio pro societate como suficiente para superar a presunção de inocência para a sentença de pronúncia.

Os outros ministros da 1ª Turma afirmaram que a questão levantada por Toffoli era importante e que o Plenário, em algum momento, deve analisá-la. Contudo, entenderam que isso não poderia ser feito nesse caso, pois há indícios suficientes de materialidade para levar Xisto Filho ao Tribunal do Júri.

Posicionamento da defesa
Em nota, Aury Lopes Jr. afirmou que a 1ª Turma do STF não analisou corretamente a matéria:

"É importante destacar que não existiu o crime de feminicídio, pois Paulo Odilon Xisto Filho jamais agrediu a vítima, que faleceu exclusivamente por conta de uma overdose de cocaína. Esse processo nasce a partir de uma sucessão de erros, a começar pelo exame de corpo de delito absolutamente errado e com graves falhas metodológicas, apontando para um cenário de agressão que jamais existiu. O perito sequer aguardou o retorno do laudo toxicológico, que posteriormente apontou a existência de uma altíssima quantidade de cocaína no sangue da vítima, em uma dose dez vezes superior àquela necessária para causar a morte".

Lopes Jr. destacou que o juiz de primeiro grau e o TJ-SC reconheceram a fragilidade da prova produzida pela acusação e invocaram o princípio in dubio pro societate para fundamentar a pronúncia "pois havia dúvida razoável acerca da materialidade". E o uso de tal regra é inconstitucional, como já decidido pelo Supremo, ressaltou o criminalista.

"A defesa seguirá recorrendo para que a matéria seja levada ao Plenário do STF e para que finalmente seja reconhecida a inconstitucionalidade do in dubio pro societate no momento da decisão de pronúncia, para que o acusado seja absolvido sumariamente, pois está suficientemente comprovada a tese defensiva de que Paulo Odilon Xisto Filho não matou a vítima", declarou o advogado.

ARE 1.380.579

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