Reflexões Trabalhistas

Ministério Público do Trabalho regula sua atuação sobre custeio sindical

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

4 de novembro de 2022, 8h00

A atuação do Ministério Público do Trabalho, pela sua importância, justifica-se quando houver justa causa e repercussão social coletiva, diante de notícias de fato que cheguem ao seu conhecimento. Nesse contexto, não é toda suposta lesão ou notícia de irregularidade que justifica a atuação persecutória do Ministério Público do Trabalho, afastando-se, a exemplo, irresignações individuais de caráter patrimonial, que podem ser tuteladas por reclamação trabalhista individual dos interessados.

Nesse sentido é a Orientação nº 05 da D. Câmara de Coordenação e Revisão/MPT, verbis:

"ENUNCIADO Nº 05/CCR (49ª Sessão Extraordinária, realizada nos dias 25/2 e 10/3/2015 — DOU Seção 1 — 26/03/15 — págs. 76/77). VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS — ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO — DISCRICIONARIEDADE DO PROCURADOR OFICIANTE. Mantém-se, por despacho, o arquivamento da Representação quando a repercussão social da lesão não for significativamente suficiente para caracterizar uma conduta com consequências que reclamem a atuação do Ministério Público do Trabalho em defesa de direitos individuais homogêneos. A atuação do Ministério Público deve ser orientada pela 'conveniência social'. Ressalvados os casos de defesa judicial dos direitos e interesses de incapazes e população indígena".

Na mesma linha é o Enunciado nº 28 da CCR, a impedir a instauração de inquérito civil quando não haja repercussão social coletiva envolvendo a denúncia. Esse Enunciado elenca, inclusive, pelo impacto na efetividade da concretização dos direitos humanos, as matérias que justificam a atuação ministerial.

É simples ver que denúncias individuais que versem sobre o alcance subjetivo de cláusula de contribuição assistencial ou negocial não atraem a atuação do Ministério Público do Trabalho, porque não traduzem interesses indisponíveis a serem coletivamente tutelados, retratando, na verdade, interesses meramente econômicos e/ou patrimoniais, sem repercussão social.

Foi essa a linha de entendimento atual, traçada pela Orientação nº 20 da Conalis/MPT, de 19/10/2022, com a seguinte ementa:

"FINANCIAMENTO SINDICAL. CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL/ NEGOCIAL.
PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INTERESSE PATRIMONIAL. PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO.
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Nas notícias de fato que versem sobre alcance subjetivo de cláusula de contribuição assistencial/negocial prevista em norma coletiva, prevalece o interesse da coletividade sobre eventuais interesses individuais ou plúrimos de não contribuição, revelando-se, no caso, interesse patrimonial disponível do (s) interessado (s), bem como, a princípio, irrelevância social de atuação do Parquet, devendo-se privilegiar a manifestação da coletividade de trabalhadores e trabalhadoras, exercida por meio da autonomia privada coletiva na assembleia que deliberou sobre o entabulamento da norma
coletiva".

Conforme essa orientação, não pode prevalecer o interesse individual de um denunciante, que se opõe ao desconto da taxa assistencial ou negocial, contra o interesse da coletividade dos trabalhadores de uma empresa, que concorda com a negociação coletiva feita pelo sindicato em benefício de todos e com o desconto do custeio da atividade sindical.

É fácil inferir que interesse individual patrimonial disponível não oferece relevância social, cabendo ao MPT privilegiar a manifestação da coletividade de trabalhadores, exercida por meio da autonomia privada coletiva, nas assembleias que deliberam sobre o entabulamento das normas coletivas e a forma do custeio sindical.

A razão é que a instituição de contribuição assistencial ou negocial é ato de deliberação coletiva da categoria de trabalhadores presentes numa determinada assembleia sindical (artigo 524, alínea 'e' c/c artigo 612, ambos da CLT), fruto da autonomia privada coletiva desses trabalhadores. A instituição do custeio sindical é prerrogativa do sindicato, soberanamente, ao firmar norma coletiva em benefício de todos aqueles que são representados pela entidade sindical respectiva (artigos 511 e 612 e seguintes da CLT).

É da essência das normas coletivas o caráter erga omnes, atingindo os integrantes da categoria, independentemente do desejo pessoal do trabalhador de se vincular à entidade sindical por ato de vontade, como estabelece o modelo sindical brasileiro no artigo 611 da CLT, pelo que, deve o interesse coletivo sobrepor-se ao interesse individual de um ou de alguns trabalhadores que somente querem receber os benefícios da atuação sindical, mas se recusam a se solidarizar com os demais membros da categoria no financiamento sindical.

Parece lógico que "quem aufere o bônus deve arcar com o ônus".

Registre-se, por fim, que depois que acabou a contribuição sindical obrigatória em 2017, os sindicatos passaram a ser realmente associações civis, entes privados, que não recebem financiamento público para suas atividades em prol das categorias que representam. São os membros dos sindicatos, como ocorre com os membros de outras associações, que devem custear a prestação de serviços em benefício de todos.

Autores

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.

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