Paradoxo da Corte

Recentes decisões do STJ sobre a petição inicial

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

1 de novembro de 2022, 8h00

Como já tive oportunidade de frisar em anterior artigo, a petição inicial, como ato introdutório da demanda, tem enorme relevância para a sorte do processo. Por se tratar de um importantíssimo ato processual, cabe ao advogado esmerar-se em sua elaboração, procurando ser preciso na exposição dos fatos, claro e coerente, na fundamentação jurídica.

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O advogado não pode se esquecer de que o diagnóstico das chances do cliente e o respectivo aconselhamento para a propositura da demanda são de sua inteira responsabilidade técnica. Desse modo, a petição inicial deve conter a síntese persuasiva do estudo feito pelo patrono, lastreado na lei, nos elementos fáticos, em doutrina de reconhecida qualidade e na mais atual orientação pretoriana. Tudo, sem exageros, porque, como é cediço, a extensão do arrazoado jamais significa que o autor tenha razão.

Invoque-se, a propósito, o abalizado ponto de vista de Calmon de Passos, resumido em trecho que merece transcrição: "A petição inicial não é o momento próprio para sustentações doutrinárias, nem discussão do fato que serve de fundamento à demanda. Nela devem os fatos apenas ser expostos e precisadas as teses jurídicas consequentes. A discussão dos fatos e a sustentação das teses serão transferidas para o debate oral ou alegações por escrito, no momento adequado para tanto, ou para a sustentação dos recursos que venham a ser interpostos" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 3, 3ª ed., São Paulo, Ed. RT, 1983, pág. 213).

Ressalte-se, nesse particular, que os advogados devem cooperar com o julgador, procurando esclarecer, com clareza e coerência, qual a tese jurídica que embasa o direito de seu cliente. O artigo 6º do Código de Processo Civil, que encerra o denominado princípio da cooperação, tem, de fato, como corolário, o dever de esclarecimento das partes, pelo qual os respectivos patronos, como é curial, têm a "obrigação" profissional de zelar pela boa interpretação das normas jurídicas aplicáveis à causa.

É assim imprescindível que se tenha esse mínimo de cuidado, revestido de absoluta fidelidade, precisão e ética profissional nas respectivas citações das decisões judiciais, visando a desde logo persuadir o julgador a favor da tese sustentada na petição inicial.

Todavia, em algumas situações, o juiz da causa, ao examinar a petição inicial, entende que merece ser ela complementada ou emendada, a teor da regra do artigo 321 do vigente diploma processual, concedendo o prazo de 15 dias para que o autor cumpra a respectiva determinação, sob pena de indeferimento.

Com a minha experiência profissional, observo que o melhor caminho, em tal hipótese, é o de cumprir a ordem judicial, ainda que possa ser ela discutível. Nunca é demais lembrar que o advogado deve tanto quanto possível evitar discussões que retardam a marcha do processo em prejuízo do cliente.

Ademais, importa anotar que recentíssimo acórdão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial nº 1.987.884-MA, da relatoria da ministra Nancy Andrighi, assentou a tese no sentido de que o ato decisório determinativo da complementação da petição inicial não desafia a interposição de agravo de instrumento.

Ainda que reconhecida a natureza de decisão interlocutória, a turma julgadora asseverou que não se encontra ela catalogada no rol do artigo 1.015 do Código de Processo Civil e tampouco configura situação de urgência, razão pela qual pode ser eventualmente impugnada como matéria preliminar das razões de apelação (artigo 331 do Código de Processo Civil).

Nesse sentido, o voto condutor aduziu que não é possível falar em urgência para justificar a imediata interposição do agravo de instrumento, na linha do que ficou decidido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais ns. 1.696.396-MT e 1.704.520-MT, sob o procedimento dos recursos repetitivos, ao assentar que o rol do artigo 1.015 é de "taxatividade mitigada", admitindo-se excepcionalmente o recurso de agravo de instrumento quando verificada urgência.

Já sob diferente enfoque, em outro recente julgamento, do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.141.325-SP, relatado pelo ministro Marco Buzzi, a 4ª Turma reiterou o entendimento, sedimentado nos domínios da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de que: "as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas in status assertionis, ou seja, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial. Hipótese em que o Tribunal local, ao apreciar as condições da ação, não se valeu da referida teoria da asserção, na medida em que condicionou o reconhecimento da legitimidade ativa à juntada de documento apontado na inicial como inexistente e de impossível produção pela autora, diante das particularidades da causa". Era, pois, caso de reconhecimento prima facie de carência da ação por ilegitimidade de parte.

A mesma 4ª Turma, debruçando-se ainda uma vez sobre outra questão emergente da petição inicial, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.777.445-SP (e de outros análogos), da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, considerou inoportuna a posterior juntada de documento imprescindível ao ajuizamento da demanda.

O Tribunal de Justiça de São Paulo havia anulado a sentença de extinção do processo por entender, entre outros fundamentos, que seria possível juntar documentos em qualquer fase do procedimento, antes da sentença, desde que respeitado o contraditório e que não houvesse má-fé na conduta das partes.

Saliente-se que, no caso concreto, ao prover o recurso especial, o ministro relator, para fundamentar seu voto, invocou precedentes do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que os documentos indispensáveis à propositura da ação devem ser apresentados juntamente com a petição inicial ou com a contestação, não se admitindo a juntada tardia, apenas quando da interposição de recurso.

Ainda segundo os citados precedentes, são considerados indispensáveis à propositura da ação os documentos que dizem respeito às condições da ação ou aos pressupostos processuais, bem como os que se vinculam diretamente ao próprio objeto da demanda, a exemplo das ações que visam discutir a existência ou extensão da relação jurídica estabelecida entre as partes.

Ressalte-se que, na situação vertente, não se tratava de documento novo ou superveniente, cuja produção se faz possível no curso do processo, ex vi inclusive do disposto no artigo 493 do Código de Processo Civil.

Diante desse contexto, a aludida 4ª Turma, à unanimidade de votos, com fundamento no artigo 485, inciso IV, deu provimento ao recurso especial para extinguir o processo sem resolução do mérito.

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