Opinião

Suspensão temporária e prorrogação de contratos por escopo

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1 de novembro de 2022, 16h04

A suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração é uma das sanções aplicáveis aos contratados pela inexecução total ou parcial do contrato administrativo, nos termos do artigo 87, III, da Lei nº 8.666/93. Sendo temporária, os efeitos da penalidade não podem superar o prazo de dois anos.

A abrangência dos efeitos da sanção já foi pacificada no âmbito do Tribunal de Contas da União. Prevalece o entendimento de que a aplicação da suspensão fica restrita ao órgão ou à entidade que aplica a sanção:

Os efeitos da sanção de suspensão temporária de participação em licitação (artigo 87, III, Lei 8.666/93) são adstritos ao órgão ou entidade sancionadora. (Acórdão 504/2015-Plenário).

A suspensão temporária de participação em licitação, com fundamento no artigo 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, só tem validade no âmbito do órgão que a aplicou. (Acórdão 3858/2009-Segunda Câmara).

A penalidade de suspensão temporária e de impedimento de contratar prevista no artigo 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 incide somente em relação ao órgão ou à entidade contratante. (Acórdão 1884/2015-Primeira Câmara).

No que tange ao aspecto temporal dos efeitos da sanção, também já há um entendimento majoritário de que os efeitos são prospectivos (ex nunc). Dessa maneira, a penalidade não atinge os contratos anteriormente firmados e vigentes, ainda que no âmbito do órgão ou da entidade que a aplica:

"A penalidade de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração produz efeitos ex nunc, não alcançando automaticamente os contratos celebrados antes da aplicação da sanção". (Acórdão 2183/2019-Plenário)

Mesmo para a sanção de declaração de inidoneidade  que é mais grave do que a suspensão temporária , o Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que os efeitos são prospectivos, não gerando, portanto, a rescisão automática dos contratos precedentes:

"ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC. 1. O entendimento da Primeira Seção do STJ é no sentido de que a declaração de inidoneidade só produz efeito ex nunc. 2. Agravo Regimental não provido". (AgRg no REsp nº 1.148.351/MG, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/3/2010, DJe de 30/3/2010.)

Esses efeitos futuros não impedem, é claro, que a Administração Pública adote providências específicas para a rescisão dos contratos em relação à empresa sancionada, nos casos e de acordo com as formas dos artigos 77 a 80 da Lei nº 8.666/93. Cabe, assim, uma análise concreta da capacidade da contratada de continuar executando os demais contratos, levando em consideração a gravidade da conduta que levou à aplicação da sanção.

A situação ganha relevo no que tange à prorrogação contratual. Como afirmado, a penalidade abrange a suspensão da participação em licitações e o impedimento de firmar contratos. Para os contratos em geral, que envolvem serviços e fornecimentos contínuos, a prorrogação é, em essência, bastante semelhante a uma nova contratação. Isso porque a prorrogação, nesses casos, representa uma nova manifestação de vontade e faz surgir um novo vínculo jurídico, distinto do original.

É nesse sentido que Marçal Justen Filho corretamente distingue a "prorrogação-renovação" da "prorrogação-ampliação do prazo":

"Há pelo menos duas figuras jurídicas distintas no direito brasileiro, todas denominadas legislativamente de 'prorrogação'.
Existe, primeiramente, a 'prorrogação-renovação' do contrato. Consiste num ato jurídico destinado a instaurar uma nova relação jurídica, envolvendo os mesmos sujeitos e com objeto jurídico similar, depois de exaurido o prazo determinado da relação original. Essa figura destina-se a impedir que o atingimento do termo contratual final produza o encerramento do relacionamento jurídico entre as partes. O ponto fundamental reside em que a prorrogação acarreta o surgimento de um novo vínculo jurídico, inconfundível com aquele anterior. É até possível que o conteúdo da nova contratação seja influenciado pelos dados da contratação anterior. É nessa acepção que o art. 175, parágrafo único, inc. I, da CF/88 alude à prorrogação dos contratos de concessão. Também é essa a acepção do termo 'prorrogação' no artigo 57, inciso II, da Lei 8.666, que dispõe sobre contratos de prestação de serviços contínuos.
Mas também existe a 'prorrogação-ampliação do prazo'. Trata-se de ato jurídico por meio do qual o termo final de uma relação jurídica é transferido para o futuro. Essa figura destina-se a impedir a extinção da vigência do vínculo. Nesse caso, a prorrogação amplia o prazo do vínculo que se encontra em curso, mantendo-o por período de tempo superior ao originalmente previsto. Portanto, nem se extingue a relação anterior, nem é instituída uma nova. As condições previstas para o vínculo original são mantidas, com eventuais alterações e adaptações. É nesse sentido que o artigo 57, §1º, da Lei 8.666 utiliza a expressão, tal como se passa no caso do artigo 57, inciso I, do mesmo diploma."

Nesse contexto, a prorrogação de serviços e fornecimentos contínuos, com base no artigo 57, II, da Lei nº 8.666/93 fica prejudicada diante da aplicação da penalidade de suspensão temporária, já que ela impede a realização de novas contratações. Ainda que o contrato possa ser mantido diante dos efeitos prospectivos da sanção, a prorrogação futura não significará propriamente uma manutenção do contrato, mas a formação de um novo vínculo jurídico.

Situação distinta ocorre em relação aos contratos por escopo. Estes são os contratos cujo objeto envolve a prestação de um serviço específico em um período determinado. A relação contratual somente chega ao fim com a conclusão do objeto.

O prazo de vigência dos contratos por escopo pode ser prorrogado sem que haja a formação de um novo vínculo jurídico, sendo essa possibilidade regida pelo §1º do artigo 57 da Lei nº 8.666/93. A relação permanece a mesma e ainda tem o mesmo objeto que precisa ser entregue. Tanto é verdade que o dispositivo citado fala na prorrogação dos prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega mediante a manutenção das demais cláusulas do contrato.

A título de reforço argumentativo, a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021) já reconhece que os contratos por escopo dependem necessariamente da conclusão do objeto. Nesse sentido, o artigo 111 do referido diploma prevê que esses contratos terão os respectivos prazos de vigência automaticamente prorrogados quando o objeto não for concluído no período firmado no contrato. Com isso, será possível a constituição em mora do contratado ou a extinção contratual.

Por conseguinte, as peculiaridades do contrato por escopo levam a uma conclusão diversa acerca da interferência da sanção de suspensão temporária sobre as prorrogações contratuais. Como não há a formação de um novo vínculo jurídico, mas apenas o prolongamento no tempo do vínculo inicial, os efeitos prospectivos da penalidade não impedem a prorrogação baseada no artigo 57, §1º, da Lei nº 8.666/93.

Isso é especialmente verdade quando se leva em consideração os prejuízos potencialmente advindos da não conclusão do objeto contratual de um contrato por escopo. Seria necessária uma nova licitação, com novos custos, novos prazos e potenciais gastos repetidos com projetos e mobilizações.

Nesse contexto, para os contratos por escopo, a aplicação da suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar não impede as prorrogações fundadas no artigo 57, §1º, da Lei nº 8.666/93, em razão dos efeitos prospectivos da penalidade, cabendo à Administração Pública avaliar a necessidade de tomar providências específicas para a rescisão dos contratos em relação à empresa sancionada, nos casos e de acordo com as formas dos artigos 77 a 80 da Lei nº 8.666/93, mediante avaliação da capacidade da empresa para a continuidade da execução do contrato.

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