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Justiça deve agir para restringir impacto de falsas memórias, diz psicóloga

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29 de março de 2022, 18h47

A memória humana é falha — 75% das recordações não são verdadeiras. Dessa maneira, o sistema de Justiça deve adotar medidas para aprimorar a confiabilidade dos depoimentos, de forma a evitar erros judiciais, como a condenação de inocentes.

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Laura Alho defendeu a adoção de medidas que limitem impacto de memórias falsas
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Isso foi o que afirmou a psicóloga portuguesa Laura Alho no seminário online "Falsas memórias: os desafios no sistema judicial", transmitido nesta terça-feira (29/3) pela TV ConJur.

O evento contou com abertura do advogado Cristiano Zanin Martins, especialista em litígios decisivos e litígios transnacionais e responsável pela defesa do ex-presidente Lula na "lava jato". Também participaram do seminário, como debatedoras, Valeska Teixeira Zanin Martins, advogada especialista em lawfare, litígios transnacionais e em Direito Empresarial, que também atua na defesa de Lula; e Graziella Ambrósio, advogada e psicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo e mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Laura Alho, que é doutora em Psicologia pela Universidade de Aveiro, mestre em Psicologia Forense e pós-graduada em Criminologia, afirmou em sua apresentação (clique aqui para ler) que juízes e jurados tendem a considerar confiáveis os depoimentos de testemunhas. No entanto, existem vários fatores que afetam as testemunhas oculares, como ansiedade/stress; memória reconstrutiva; foco na arma; questionamento sugestionável; viés racial; e feedback pós-identificação.

O testemunho é configurado por três fases, apontou Laura: a apreensão (quando se apreende a informação), a conservação (quando os dados são retidos) e a reprodução (quando se recorda dos fatos). É nesta última fase que ocorrem os erros de falsa memória.

As falsas memórias podem ser espontâneas (criadas pelo próprio indivíduo de forma não intencional) ou induzidas (por fontes externas, como interrogadores e veículos de imprensa).

Juízes e jurados partem de diversas premissas erradas sobre a confiabilidade de testemunhas, apontou a especialista. Ao contrário do que costumam acreditar, crianças não são mais suscetíveis que adultos a falsas memórias; eventos falsos são tão bem recordados quanto os verdadeiros; e a confissão não é tão confiável, pois pode ter sido inventada por coerção de autoridades ou por altruísmo (quando um pai assume um delito para proteger seu filho, por exemplo).

As falsas memórias podem afetar investigações e processos, conduzindo-os a um rumo errado e dissociado da realidade, alertou Laura. Isso pode fazer com que outras provas sejam mal interpretadas e com que inocentes sejam condenados.

Para melhorar esse cenário e reduzir a probabilidade de erros, Laura Alho recomendou que advogados e juízes não manipulem clientes e partes em função do conhecimento que têm de Psicologia. Ela destacou que psicólogos são os únicos profissionais capazes de realizar atos psicológicos e avaliações periciais de avaliação relativa à memória.

De acordo com a especialista, os profissionais que atuam no sistema de Justiça devem ter formação adequada para obter informação isenta e evitar o fenómeno de contaminação da memória. Também devem usar instrumentos e técnicas cientificamente validados, e não o conhecimento de senso comum.

Além disso, devem se atualizar constantemente. Ainda é preciso que produzam investigações científicas, colaborem com outros profissionais e não façam generalizações errôneas, aceitando que as realidades culturais de cada um são diferentes.

Cuidado dobrado
Ao abrir o evento, Cristiano Zanin Martins defendeu que, na preparação da defesa de clientes, advogados unam o Direito a outras áreas, como a Psicologia.

Nessa mesma linha, Valeska Teixeira Zanin Martins ressaltou a necessidade de os advogados entenderem a multidisciplinariedade dos processos, especialmente aqueles em que há prática de lawfare, como as ações contra Lula na "lava jato".

Graziella Ambrósio, por sua vez, declarou que as provas produzidas em processos no Brasil não costumam ter boa qualidade. E a maioria das condenações é baseada nos depoimentos de testemunhas, que podem ser manipulados por informações falsas.

Clique aqui para assistir ao evento ou veja abaixo:

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