Opinião

STF e STJ destoam sobre equidade em honorários de sucumbência

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26 de março de 2022, 13h14

O Supremo Tribunal Federal, no último dia 18 de fevereiro, em decisão unânime, surpreendeu os meios jurídicos ao reduzir honorários de sucumbência, inicialmente fixados em 1% do valor da causa, resultando R$ 7,4 milhões, para módicos R$ 10 mil, estes fixados por equidade (artigo 85, parágrafo oitavo, CPC), considerando que o processo não exigiu trabalho excessivo, somente questões de direito e que 1% sobre o vultoso valor da causa seria exorbitante [1].

A decisão ocorreu em embargos de declaração de processo envolvendo a União e o Distrito Federal. Indica expressivamente que a fixação de honorários de sucumbência por equidade também se aplica em casos de elevado valor envolvendo entes do Poder Público, portanto verba pública, em que a aplicação percentual sobre o valor da causa ou condenação possa resultar exorbitância excessiva e desproporcional.

A Corte Especial do STJ, por maioria (7 a 5), logo depois (16/3), decidiu pela impossibilidade de fixação de honorários de sucumbência por equidade em causas de valor elevado, ressalvando apenas aplicação dos percentuais menores e escalonados (1% a 20%), em caso de aplicação contra a Fazenda Pública, conforme previsto no parágrafo terceiro do artigo 85 do CPC, calculados sobre a condenação, ou proveito econômico, ou valor atualizado da causa [2], assim divergindo pontualmente da decisão do Supremo, acima resumida.

O dissenso abre oportuno espaço para relembrar as transformações que o instituto dos honorários de sucumbência sofreu nas últimas décadas, com forte impacto no devido processo legal substantivo. O tema carrega interesse dos advogados e procuradores, categorias indispensáveis ao estado democrático de direito, ficando desde já destacada a inexistência de qualquer intenção de desrespeito ou desconsideração a essas honrosas profissões, sendo este singelo artigo apenas um resgate histórico para melhor compreensão do assunto e debates construtivos.

Quem vai ao Judiciário e gasta para realizar seu direito, pagando seu advogado, taxas judiciais e despesas do processo, por óbvio, além do direito reconhecido, deve também ser ressarcido dos valores que pagou para movimentar o processo. Por essa razão lógica, os honorários de sucumbência eram uma verba de natureza ressarcitória, assim como diária de testemunha, custas adiantadas, honorários de perito e outras despesas, a serem pagas pelo vencido (o sucumbente) ao vencedor do processo e assim estava expressamente determinado no Código de Processo Civil de 1973, artigo 20, verbis "A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios".

O Estatuto da OAB, em 1994, capturou os honorários de sucumbência, declarando expressamente, entre outras normas no mesmo sentido, que os honorários de sucumbência pertencem aos advogados, assim mudando a natureza da verba, de ressarcitória (da parte) para retributiva (para o advogado). O conflito chegou ao Supremo e permitiu considerações respeitáveis e bons debates [3].

Depois veio o CPC de 2015 completando a transferência, detalhando, no poderoso artigo 85 (19 parágrafos e vários incisos), um novo formato progressivo e mais vantajoso para cálculo da verba, assunto tratado no artigo "Honorários de sucumbência no novo CPC é maldade para os jurisdicionados" [4], virando a história do instituto no processo civil, confirmando a titularidade da verba para o advogado e a mudança da natureza ressarcitória para retributiva em favor do advogado.

Em 2016, na esteira do novo CPC, foi sancionada a Lei 13.327, que transferiu (artigos 29 a 36) para os advogados públicos da União as seguintes verbas: a) os honorários de sucumbência da União; b) até 75% da taxa de 20% da dívida ativa, criada pelo Decreto-Lei 1.025/69; e c) a taxa de 20% criada pelo parágrafo 1º do artigo 37-A da Lei 10.522/02. O tema também foi objeto de disputado artigo [5]. A nova regra tem sido estendida aos procuradores dos demais entes públicos.

Em 2017, a Lei 13.467 instituiu os honorários de sucumbência no processo trabalhista em favor do advogado da parte vencedora [6]. Interessante que no projeto original (e sua Justificativa, de 2003) constava que os honorários seriam pagos à parte vencedora do processo, da mesma forma prevista na histórica regra do CPC de 1973, mas foi modificado por emenda transferindo a verba para o advogado [7]. O trabalhador, que muitas vezes paga até 30% de seus direitos trabalhistas ao seu advogado, fica sem ressarcimento. Num exemplo hipotético ótimo, o advogado pode ficar com valor correspondente a até 50% da causa ganha, 30% de honorários contratuais e mais 20% de honorários de sucumbência.

Com todo respeito aos movimentos dos advogados e procuradores que lograram melhorar seus rendimentos pelos meios republicanos, aprovando leis no parlamento, uma ferida foi aberta no devido processo legal substantivo. É muito ridículo que o instrumento utilizado para fazer justiça, o processo judicial, seja defeituoso, injusto para o jurisdicionado, não permitindo que o cidadão, obrigado a ir ao Judiciário para realizar seu direito, seja ressarcido da sua principal despesa, os honorários pagos ao seu advogado.

A Constituição Federal determina, como objetivo fundamental da República, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. O Código Civil estabelece que o devedor pague ao credor honorários advocatícios a que deu causa (artigos 389 e 395). O nosso sistema judicial, excluindo a possibilidade do vencedor do processo ser razoavelmente ressarcido do valor gasto com seu advogado no processo, desatende a Constituição, o Código Civil e nega justiça óbvia.

A amplitude nacional dessa deformidade, ocorrendo continuamente em milhões de processos e prejudicando milhares de pessoas, afeta a própria imagem do Judiciário, o poder constituído para fazer justiça. Os constitucionalistas, processualistas e operadores do direito precisam debater esse tema e propor solução que resgate a dignidade do processo judicial, fazendo com que seja efetivamente instrumento de realização integral do direito, em prol da construção de uma sociedade mais justa.


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