Opinião

De regra impeditiva, Lei 13.327/16 passou a ser base legal da transferência de verbas

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18 de agosto de 2016, 8h28

Em 29 de julho, foi sancionada a Lei 13.327/16, que transfere (artigos 29 a 36) para os advogados públicos da União as seguintes verbas: a) os honorários de sucumbência da União; b) até 75% da taxa de 20% da dívida ativa, criada pelo Decreto-Lei 1.025/69; e c) a taxa de 20% criada pelo parágrafo 1º do artigo 37-A da Lei 10.522/02. A mesma lei também reajusta os salário mensais da categoria.

Parece melhor começar relembrando as duas taxas. A taxa de 20% criada pelo Decreto-Lei 1.025/69 como renda da União, a ser paga pelos devedores da União inscritos em dívida ativa, tinha por justificativa compensar as despesas para formalização da dívida e cobrança judicial. A taxa de 20% criada pelo parágrafo 1º do artigo 37-A da Lei 10.522/02 seguia a mesma justificativa para os devedores das autarquias e fundações públicas federais inscritos na dívida ativa.

Exatamente este mesmo Decreto-Lei 1.025/69, além de criar a taxa de 20%, também chamado encargo legal, primeiro declarou solenemente extinta a participação de servidores públicos na cobrança de dívida ativa da União, revogando leis anteriores que concediam percentuais (de 1% a 10%) sobre a cobrança judicial de dívidas ativas. Foi um divisor histórico, criando uma barreira legislativa entre o interesse público e os interesses particulares dos agentes públicos.     

A nova Lei 13.327/2016 foi longe. Virou ao avesso o velho Decreto-Lei 1.025/69. De regra impeditiva, passou a ser base legal da transferência. Desconstruiu o artigo 4º da Lei 9.527/97, que excluía os servidores públicos da legislação remuneratória dos advogados privados (Estatuto da OAB). Foi além, desfigurou o conceito de honorários de sucumbência, verba processual, ao incluir no seu alcance dois tributos da União, que não vão mais para os cofres públicos.

Agora, o segundo ponto, os honorários de sucumbência, mote do movimento que resultou na nova Lei 13.327/2016. A disputa começou no Império Romano. Os letrados exigiam fortunas para defender causas nos tribunais, o que motivou a proibição da cobrança por esse trabalho, permitindo apenas um presente, pela honra do patrocínio, resultando o nome honorários.

Modernamente, os honorários são cobrados pelos profissionais liberais, especialmente os advogados, por meio de contrato. Nos processos judiciais, os princípios da reparação integral, amplo acesso ao Judiciário e devido processo legal justo exigem que o vencido pague ao vencedor todas as despesas do processo, inclusive o valor gasto com honorários de advogado. Quem perde o processo paga ao vencedor as despesas.

O Código de Processo Civil de 1973, vigente até 18 de março, determinava que o juiz fixasse na sentença valor razoável, em favor do vencedor da causa, a título de indenização do valor gasto com advogado, popularmente chamado honorários de sucumbência. O Estatuto da OAB começou a mudança desta regra lógica. O novo CPC institucionalizou, transferindo a verba (até 20% do crédito judicial) para o advogado do vencedor. Um paradoxo: o cidadão ganha o processo, mas não recebe o direito integralmente.

O STF já sinalizou para a inconstitucionalidade da supressão dessa verba indenizatória da parte vencedora do processo e transferência para o advogado. Na famosa ADI 1.194, os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa já tinham indicado a inconstitucionalidade da transferência, quando o pedido respectivo foi arquivado, sem julgamento definitivo, por questão processual salvadora.

No Recurso Extraordinário 384.866-Goiás, o Plenário do STF assentou que "a garantia constitucional relativa ao acesso ao Judiciário — inciso XXXV do artigo 5º da Carta de 1988 — é conducente a assentar-se, vencedora a parte, o direito aos honorários advocatícios", reafirmando que "…o cidadão compelido a ingressar em juízo, se vencedor, não deve sofrer diminuição patrimonial".

Não bastasse, a questão ainda está pendente no Supremo. Uma nova Ação Direta de Inconstitucionalidade (5.055-DF) foi ajuizada contra a transferência de titularidade dos honorários de sucumbência do vencedor do processo (artigo 20 do CPC anterior) para o advogado do vencedor (artigos 22 e 23 do EOAB). A repercussão da nova ADI sobre milhões de processos e no patrimônio dos jurisdicionados pede ampla publicidade do caso e respeitoso debate sobre o tema.

Em recente decisão o Supremo declarou, em tema semelhante, que servidores públicos que fazem leilão judicial não têm direito à comissão de 5% prevista no CPC para leiloeiros privados (MS 33.327). O ministro Barroso ponderou que "a situação dos impetrantes parece assemelhar-se, assim, àquela dos advogados públicos, sobre a qual o Superior Tribunal de Justiça já assentou o entendimento de que tais servidores não fazem jus aos honorários sucumbenciais, os quais pertencem à Administração Pública". Justificou: "Soma-se a isso o fato de que, como servidores públicos, os impetrantes se submetem à norma do art. 37, XI, da Constituição Federal, o que impediria o recebimento da comissão".

O entendimento do STJ, indicado pelo ministro Barroso, refere-se à negativa de honorários de sucumbência aos procuradores da Fazenda Nacional, assim resumida: "No que tange a possibilidade de que os procuradores da Fazenda Nacional percebam as verbas sucumbenciais nos processos em que atuam, a jurisprudência desta é no sentido de que, se o advogado atua como servidor publico, não faz jus a referida verba".

Além dos salários e garantias próprias da respeitável carreira pública, os agentes beneficiados passarão a receber honorários de sucumbência (até 20% da dívida), antiga verba indenizatória do vencedor do processo e mais as duas taxas da União, desequilibrando a similitude com as categorias equivalentes e colocando em risco o teto constitucional dos salários públicos. A nova lei pode abrir espaço para que outros agentes públicos da arrecadação pleiteiem percentuais sobre o resultado financeiro de seu trabalho. A sociedade organizada vai validar socialmente essas mudanças?

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