Ambiente Jurídico

Considerações sobre responsabilidade civil e licenciamento ambiental

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

19 de março de 2022, 10h45

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Independentemente de a licença ambiental estar regular ou não, o empreendedor responsável é obrigado a reparar o dano que a sua atividade causou ao meio ambiente. O § 3º do art. 225 da Constituição Federal dispõe que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Isso significa que se houver um dano ambiental e se determinada pessoa física ou jurídica for de algum modo responsável, a responsabilização na esfera cível recairá sobre ela.

É preciso lembrar que, com o advento da Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, a responsabilidade civil objetiva foi amplamente adotada. O §1º do art. 14 da lei dispõe o seguinte:

"sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente."

Ao contrário da regra geral, em que a responsabilidade civil decorre da culpa, quando há que se provar que houve uma conduta ilícita que deu origem ao prejuízo, em matéria ambiental é necessário apenas o nexo de causalidade entre o ato e o dano para que haja a responsabilidade civil do agente causador do dano, independentemente de ele decorrer de ato lícito ou de risco. Assim, basta o nexo causal entre a atividade do agente e o dano dela decorrido para que haja a obrigação de repará-lo.

Isso significa que, mesmo se estiver em total adequação às normas ambientais, ainda assim essa pessoa tem de reparar os danos causados porque a responsabilização civil em matéria ambiental independe da regularidade administrativa. Por outro lado, a mera irregularidade administrativa sem lesão efetiva ao meio ambiente não é capaz de ensejar a responsabilidade civil, porque esta pressupõe o dano.

Enquanto as sanções penais e administrativas têm um caráter de castigo, a reparação do dano busca a recomposição do que foi danificado. Por isso, a Administração Pública não poderá impor sanções administrativas se a licença ambiental estiver regular e as suas condicionantes estiverem sendo cumpridas, pois seria uma incongruência punir alguém por ter seguido as determinações do órgão ambiental.

No que diz respeito à Administração Pública, a responsabilidade civil em sede do licenciamento ambiental pode ocorrer em vista da omissão administrativa em licenciar ou em fiscalizar determinada atividade, bem como na concessão irregular de licenças ambientais.

Ao permitir expressa ou tacitamente o funcionamento de uma atividade potencialmente poluidora que não esteja de acordo com a legislação ambiental, é a Administração Pública também responsável pelos danos causados a terceiros pela sua ação ou omissão.[1] Marcelo Dawalibi[2] destaca que se a atividade indevidamente licenciada causar danos ao meio ambiente, o agente público responsável deve ser considerado corresponsável pelos prejuízos e também ficará sujeito à obrigação de reparar ou indenizar, em virtude do inc. IV do art. 3º e do §1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81 que, respectivamente, considera poluidor o causador direto ou indireto da degradação ambiental e dispõe sobre a responsabilidade objetiva em matéria ambiental.

No licenciamento ambiental a responsabilidade objetiva conferida à Administração Pública no § 6º do art. 37 da Constituição Federal é excepcionada por não se tratar de atuação direta, visto que é necessária a prova da culpa para configurar a responsabilidade do Poder Público em sua atuação como fiscal. Mesmo assim, juristas como Paulo Affonso Leme Machado[3] defendem nesse caso a teoria objetiva do risco administrativo em face do enunciado constitucional citado, que afirma que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários causarem nessa qualidade a terceiros.

A alegação de insuficiência de recursos não pode servir como ressalva, a não ser que o agente público demonstre que não podia exercer o seu poder de polícia de forma satisfatória com os recursos de que dispunha. Na verdade, o entendimento mais correto é se o empreendedor estiver licenciado e o dano ocorrer, a responsabilidade estatal será objetiva somente se tiver ocorrido algum tipo de irregularidade no licenciamento ambiental. Com efeito, não teria sentido responsabilizar civilmente a Administração Pública por culpa in vigilando, tirando o ônus da indenização do empreendedor ou fazendo com que ele reparta esse ônus, já que, em última medida, a sociedade é que sairia prejudicada.

É preciso destacar que o servidor do órgão administrativo de meio ambiente, o membro de conselho público de meio ambiente ou o técnico responsável pela avaliação de impactos ambientais que tiver contribuído para a concessão irregular de licença ambiental também é considerado degradador e deve responder civilmente na medida de suas responsabilidades, já que o inc. IV do art. 3º da Lei 6.938/81 determina que entende-se por “poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Na realidade, em consonância com a regra mencionada, até as instituições públicas de financiamento estão sujeitas à responsabilização na esfera cível caso financiem ou fomentem sem seguir os critérios legais as atividades que possam causar danos ao meio ambiente.

Como a produção depende do capital financeiro, o papel das instituições bancárias em matéria ambiental é importantíssimo, pois são elas que viabilizam a construção das grandes obras e a operação das maiores atividades industriais. Se a Constituição Federal elenca no art. 170 a defesa do meio ambiente como um dos princípios da ordem econômica, é evidente que os bancos têm que incorporar a vertente ambiental, pois a função de agentes financiadores do desenvolvimento não deve ser exercida à revelia da crise ambiental do planeta. Do contrário, podem ser enquadrados devido à omissão como corresponsáveis ou responsáveis indiretos pelos danos ao meio ambiente, devendo sofrer as cominações legais necessárias. De mais a mais, a obrigação que as instituições financeiras têm de promover um modelo de desenvolvimento sustentável é depreendida do caput do art. 225 da Constituição Federal, segundo o qual cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de zelar pelo direito ao meio ambiente equilibrado, sendo evidente que as instituições financeiras estão incluídas nessa lista.

Nesse diapasão, é importante salientar o pioneirismo da Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, ao condicionar o crédito e o financiamento governamental ao licenciamento ambiental. O caput do art. 12 dessa lei dispõe que “as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo Conama”. O parágrafo único desse dispositivo determina que “as entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e a melhoria da qualidade do meio ambiente”.

O art. 23 do Decreto Federal nº 99.274/90 estabelece que “as entidades governamentais de financiamento ou gestoras de incentivos, condicionarão a sua concessão à comprovação do licenciamento previsto neste decreto”. Humberto Adami[4] entende que o procedimento deve ser seguido pelas instituições bancárias particulares e públicas, tendo em vista a indisponibilidade do direito em questão.

Paulo Affonso Leme Machado[5] concorda com esse entendimento de que as instituições financeiras privadas têm as mesmas obrigações em relação ao meio ambiente que as instituições financeiras públicas ao afirmar que não é razoável que os setores do sistema financeiro sejam tratados de forma diferente. Trata-se de uma visão, ademais, consentânea com um preceito-chave da Lei 6.938/81, segundo o qual “as atividades empresariais públicas ou privadas serão exercidas em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente” (art. 5º, parágrafo único). As instituições financeiras que financiarem ou concederem crédito a uma atividade potencial ou efetivamente poluidora que não estiver devidamente licenciada, ou que não tiver feito o estudo e o relatório de impacto ambiental naqueles casos que a lei exige, poderão ser também responsabilizadas pelos danos causados ao meio ambiente.

 


[1]     MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2016., p. 328.

[2]     DAWALIBI, Marcelo. O poder de polícia em matéria ambiental. In: FINK, Daniel Roberto; ALONSO JÚNIOR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo (Org.). Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002., p. 106-108.

[3]     MACHADO. Direito ambiental brasileiro, p. 329.

[4]     ADAMI, Humberto. Bancos e ecologia. Disponível em: <http://www.adami.adv.br>. Acesso em: 30 out. 2021. Ver também: SOUZA, Luciane Moessa de. Sistema financeiro e desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

[5]     MACHADO. Direito ambiental brasileiro, p. 317.

Autores

  • é advogado e professor da UFPB e da UFPE, doutor e pós-doutorando em Direito da Cidade pela Uerj, autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Urbanístico e líder do Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental e Cidades.

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