30% ou mais

Limite do consignado não vale para desconto de empréstimo em conta salário

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11 de março de 2022, 7h42

São lícitos os descontos de empréstimos bancários comuns em conta corrente usada para recebimento de salário, desde que previamente autorizados. Nesses casos, não se aplica o limite de 30% sobre o valor dos vencimentos do contratante, como ocorre no caso de empréstimo consignado.

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Mutuário tem a autonomia de, ao fazer empréstimo, escolher que as parcelas sejam descontadas direto de sua conta corrente
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Com esse entendimento, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou tese em recursos repetitivos sobre o tema, em julgamento na quarta-feira (9/3). A posição terá observância obrigatória pelas instâncias ordinárias.

No âmbito das turmas de Direito Privado da corte, não havia divergência sobre o tema. A afetação se deu porque, nos tribunais brasileiros, esse consenso não existia, o que continuava a gerar recursos.

A discussão envolve a incidência do limite de 30% para desconto de empréstimos comuns em conta salário, tal como definido pela Lei 10.820/2003, que trata especificamente da hipótese do empréstimo consignado.

A tese firmada foi: "São lícitos os descontos de parcela de empréstimo bancários comuns em conta corrente, ainda que utilizada para recebimento de salário, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto essa autorização perdurar, não sendo aplicável por analogia a limitação prevista no parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 10.820, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento."

Empréstimo comum x consignado
Relator, o ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que a limitação se justifica porque, no caso do consignado, o desconto atinge diretamente o salário do trabalhador registrado, que não tem a opção de revogar essa forma de pagamento. O dinheiro descontado sequer entra na conta.

Assim, limitar o desconto a 30% do valor dos vencimentos é uma forma de evitar que isso comprometa a própria subsistência do trabalhador.

Lucas Pricken/STJ
Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do repetitivo, restringir descontos ofenderia princípio da separação dos poderes
Lucas Pricken/STJ

Esse não é um problema para o caso do empréstimo comum, no qual o mutuário faz a deliberada escolha de autorizar o desconto do valor da parcela diretamente de sua conta corrente. É uma forma, inclusive, de facilitar o pagamento.

Nesse caso, não há como individualizar de onde o valor está sendo descontado — se do valor recebido como salário ou do montante que já estava na conta. O mutuário tem livre acesso ao que recebe e inclusive pode cancelar a qualquer momento essa forma de pagamento, desde que arque com as consequências contratuais.

Efeitos colaterais
Para o ministro Bellizze, não cabe ao Judiciário restringir os descontos de empréstimos bancários comuns em conta corrente.

Por um lado, a medida geraria amortização negativa de débito, com aumento mensal e exponencial do saldo devedor, sem a devida conscientização do devedor a respeito do crédito responsável. Caberia ao mutuário não assumir compromisso financeiro que exceda sua capacidade financeira.

Por outro lado, retiraria das instituições financeiras a posição de não estimular dos clientes o endividamento imprudente. O efeito colateral seria o encarecimento e a restrição do crédito no Brasil.

"A prevenção e combate ao superendividamento, com vistas ao mínimo existencial do mutuário, não se dão por meio de indevida intervenção judicial dos contratos, em substituição ao legislador", afirmou o ministro Bellizze.

Para a advogada Tamires Alves Costa, do Vigna Advogados, que atuou na causa, o julgamento acaba com a instabilidade jurídica que tinha sido criada com a súmula 603 do STJ, e que foi revogada em 2018. "A partir dela, e sob uma ótica de interpretação distorcida do seu real objetivo, instaurou-se a divergência de entendimento quanto a possibilidade de limitação em 30% dos descontos de empréstimos bancários comuns, que não ocorria somente entre todas as esferas e tribunais da federação, mas também internamente em cada um deles", explica. 

"Na contramão do que foi sustentado pelo TJ-SP no caso citado, o relator min. Marco Aurélio Bellizze, sustentou que, para esta situação fática, os princípios basilares do contrato (autonomia da vontade, obrigatoriedade e boa-fé) devem ser preservados, não cabendo uma intervenção judicial nos acordos particulares para combater o superendividamento, uma vez que se caracterizaria usurpação do papel do legislador, que por sua vez, deveria criar políticas públicas de "crédito responsável'", completa a advogada.

REsp 1.863.973
REsp 1.872.441
REsp 1.877.113

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