Seguros Contemporâneos

É necessária a assinatura da proposta nos contratos de seguro?

Autores

  • Ilan Goldberg

    é advogado parecerista doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) professor da FGV Direito Rio e sócio de Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados.

  • Guilherme Bernardes

    é advogado e sócio de Chalfin Goldberg e Vainboim Advogados e mestre em Direito e Ciência Jurídica—Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

3 de março de 2022, 8h00

O contrato de seguro é conhecido, há tempos, como "o contrato de boa-fé" [1]. A definição está alinhada ao teor do artigo 765 do Código Civil, que determina às partes (segurado e segurador), a obrigação de guardar a "mais estrita boa-fé" — ou boa-fé qualificada — na conclusão e na execução do contato, consistindo na expressão mais intensa da vertente objetiva da boa-fé, a impor às partes deveres de informação, cooperação, transparência e lealdade contratual.

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Por outro lado, a sua não observância, e dos deveres dela decorrentes, nas declarações iniciais, por ambas as partes, gerará o desequilíbrio da relação contratual e conduzirá, por exemplo, à perda do direito à garantia e ao pagamento do prêmio vencido (artigo 766 do CC) [2].

De acordo com os artigos 9º e 10 do Decreto-Lei nº 73, de 21/11/1966, o seguro exige, para sua eficácia, uma série de requisitos, dentre eles que a proposta esteja assinada "pelo segurado, seu representante legal ou por corretor habilitado", exceto quando a contratação se der por meio de bilhete. A Superintendência de Seguros Privados (Susep), ao disciplinar o tema, foi além e estendeu a exigência para a celebração, a alteração ou a renovação não automática do contrato de seguro [3].

De outra maneira, e direcionada aos contratos de seguro em grupo, a determinação também é reproduzida no artigo 6º da Resolução CNSP nº 434, de 2021, normativo que entra em vigor em 2/3/2022 e é destinado a disciplinar a figura do estipulante, aquele que representa o grupo segurado na modalidade coletiva: "Artigo 6º. A contratação de seguros por meio de apólice coletiva deve ser realizada mediante proposta de contratação assinada pelo estipulante e, se houver, pelo sub-estipulante. Parágrafo único. A adesão à apólice coletiva deverá ser realizada mediante preenchimento e assinatura de proposta de adesão pelo proponente, seu representante legal ou corretor de seguros".

De acordo com a redação do dispositivo, deixa de haver a necessidade de o corretor assinar o contrato entabulado com a seguradora em conjunto com o estipulante — como ocorria na égide da Resolução CNSP nº 107, de 2004, revogada pela Resolução CNSP nº 434 —, podendo o próprio corretor assinar a proposta no lugar do segurado, conforme destacado pela Susep no "Quadro Comparativo consolidado" da Resolução CNSP nº 434, ao avaliar o artigo 6º, caput e parágrafo único do normativo. Vejamos: "O art. 9º do Decreto Lei nº 73, de 1966, admite que o corretor assine a proposta no lugar do segurado, o que no caso de contratação coletiva seria em relação à proposta de adesão. Será adaptada a redação do parágrafo único deste artigo da minuta para prever a possibilidade de assinatura pelo corretor".

Assim sendo, enquanto a letra da lei autorizava a interpretação da expressão "seu representante legal ou por corretor habilitado" como uma oposição entre o representante ou o corretor, a interpretação da Susep esclarece que o corretor, no entendimento dela, poderia até mesmo substituir o segurado e firmar a proposta de adesão em conjunto com o estipulante [4].

Todavia, mesmo com a mudança na redação da norma que regula o estipulante, permanece na relação securitária a obrigação de que o segurado, ou seu representante, informe ter tomado conhecimento das condições contratuais, conforme determinam o artigo 7º da Circular Susep 621, de 2021, que disciplina o seguro de danos [5]; e do artigo 9º da minuta de Circular Susep que dispõe sobre as regras complementares de funcionamento e os critérios para operação das coberturas de risco de seguros de pessoas, objeto da Consulta Pública nº 42/2021 [6].

A indigitada exigência pré-contratual é aspecto do dever de informação que orienta os contratos de seguro e é essencial para que a relação securitária se estabeleça de forma equilibrada, sendo que alguns aspectos atinentes (1) ao segurador e o segurado; e (2) ao corretor merecem ser destacados.

Em relação ao ponto (1), a assinatura na proposta servirá ao segurador como comprovativo do cumprimento de seu dever de informação dos "elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco" (artigo 759 do CC), enquanto resguardará segurado e segurador a respeito dos dados fornecidos pelo segurado, na proposta e no questionário, a motivar vindouras decisões a serem tomadas com base nessas informações, em sede de regulação de sinistro, por exemplo.

Já em relação ao corretor, o artigo 13 da Lei nº 4.594, de 29/12/1964 [7], e o artigo 19, da Circular Susep nº 510, de 22/1/2015 [8], determinam que só ao corretor que tiver assinado a proposta devem ser pagas as comissões de corretagem. Assim, sua assinatura na proposta é elemento relevantíssimo para a comprovação de seu atuar na aproximação das partes, lhe sendo devida a comissão de corretagem correspondente.

É, portanto, extremamente relevante — e constitui evidência da boa-fé exigida pelo artigo 765 do Código Civil — que a proposta contenha a assinatura dos legitimados no artigo 9º do Decreto Lei nº 73/66.

Isto posto, não nos pode escapar que a evolução tecnológica emprestou às relações contratuais relevantes instrumentos para aumentar sua capilarização e volume e, considerando que a pandemia de Sars-CoV-2 (Covid-19) acelerou a necessidade por negócios em todos os lugares, por conta do necessário isolamento social, tornou-se excessivo exigir que a assinatura nas propostas seja física — a demandar a impressão de uma proposta — e não possa ser feita por meios remotos.

Nessa seara, verifica-se que o mercado securitário adota soluções engenhosas, como a utilização de entrevistas por teleconferência, checkboxes para a confirmação de identidade e confirmação por e-mail. A esse respeito, a Susep provocada na consulta pública que deu origem à Resolução CNSP nº 434, que disciplina a figura do representante de seguros, teve a oportunidade de assim se manifestar, no "Quadro Comparativo consolidado" relacionado ao normativo:

"A regulamentação do uso de meios remotos nas operações de seguros se dá por meio da Resolução CNSP nº 408, de 2021.

O artigo 5º da citada resolução dispõe que 'as propostas de seguro e de previdência complementar aberta poderão ser preenchidas e formalizadas por meio remoto seguro aceito pelas partes como válido, necessariamente de forma autenticada e passível de comprovação da autoria e integridade'. Além disso, convém observar o que dispõe o restante do normativo, em especial o artigo 3º."

Enquanto foge ao escopo deste artigo avaliar integralmente a mencionada Resolução CNSP nº 408, de 2021, alguns artigos merecem destaque, dentre eles os artigos 3º, incisos I a III, o artigo 7º e o próprio artigo 5º mencionado pela autarquia.

Tomando por base a letra da lei e o espírito da norma, o meio remoto deve ser aceito pelas partes como válido, ser necessariamente autenticado e passível de comprovação de autoria e integridade e, nesse sentido, alguma dúvida persiste na possibilidade de utilização de e-mail ou telefone [9] para a contratação.

Por outro lado, a adoção de sistema de confirmação digital, com utilização de login/senha, por exemplo, no mesmo local/meio em que o segurado deverá confirmar que teve ciência das condições gerais, seria meio remoto que se adequaria perfeitamente na exigência regulatória [10]. Essa era, inclusive, a determinação da Resolução CNSP nº 294, de 2013, revogada pela Resolução CNSP nº 408. Vejamos:

Artigo 5º — "Na contratação por apólice ou por certificado individual, as propostas de seguro e de previdência complementar aberta poderão ser formalizadas por meio de login e senha ou certificado digital, necessariamente pré-cadastrados pelo proponente/representante legal em ambiente seguro. (NR) (caput alterado pela Resolução CNSP nº 359, de 2017)

§ 1º A tecnologia de identificação biométrica equivale à utilização de login e senha pelo usuário.

§ 2º A contratação a que se refere o caput quando intermediada por corretor deverá implicar no fornecimento de login e senha individualizados para o corretor e para o proponente/contratante". (Destacou-se)

Como se nota da norma, a utilização de sistema de meio remoto apresenta comando direto às seguradoras, de modo que os corretores poderiam imaginar estarem livres de terem que observar (mais) essa determinação regulatória na condução de seus negócios.

Embora essa percepção se confirme a partir de uma análise aprofundada das decisões do CRSNSP [11], em que as seguradoras são o alvo das sanções impostas por ausência de elementos formais nas propostas de seguros (a assinatura como uma delas), não se pode desconsiderar que as "sanções" poderão advir de outra forma.

É costumeiro que as seguradoras imponham aos corretores de seguros, por via contratual, a responsabilidade por obter tais assinaturas, sob pena de multa em caso de descumprimento e consequente sanção regulatória. Neste compasso, ainda que a seguradora seja — atualmente — o alvo dos processos administrativos sancionadores, as corretoras também devem estar atentas aos requisitos formais exigidos para que a proposta seja aceita.

De um modo ou de outro, ganha em higidez o mercado com a colaboração entre os agentes para que os contratos sejam celebrados de acordo com as informações corretas de segurados e seguradores. Havendo o correto preenchimento da proposta e dos questionários, e sendo adequadamente informadas as coberturas e seus objetos, estarão equilibradas as prestações entre segurado e segurador, garantindo-se a cobertura dos riscos predeterminados, na forma do artigo 757 do Código Civil.

 


[1] TARTUCE, Flávio. Comentários ao artigo 765. In: SCHREIBER, Anderson [et al.]. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 497.

[2] Artigo 766 do Código Civil: "Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido".

[3] Trata-se do artigo 3º da Circular Ssusep nº 642, de 2021. Artigo 3º "A celebração, a alteração ou a renovação não automática do contrato de seguro somente poderão ser feitas mediante proposta preenchida e assinada pelo proponente, seu representante legal ou corretor de seguros, exceto quando a contratação se der por meio de bilhete". Disponível em https://www2.susep.gov.br/safe/bnportal/internet/pt-BR/. Acesso em 27/2/2022.

[4] A interpretação é inovadora, na medida que o corretor não necessariamente atua por mandato, como procurador do segurado, inclusive havendo na norma a existência de duas figuras, a do representante (mandatário) e a do corretor. Tratam-se de contratos diferentes, a corretagem e o mandato, cf. nos esclarece Tepedino: "Por essa razão, o contrato de corretagem não se confunde com o mandato, no qual o mandatário atua como representante do mandante, praticando atos ou administrando interesses em nome do mandante e no seu interesse, de modo a vincular o mandante diretamente ao negócio celebrado. A rigor, há verdadeira incompatibilidade entre a representação e a intermediação, 'na medida em que o representante defende interesses de um cliente, não podendo estar isento para expor as qualidades e defeitos do bem a ser negociado'". TEPEDINO, Gustavo [et al.]. Fundamentos do direito civil, Vol. 3 — Contratos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. E-book. p. 655.

[5] Circular SUSEP nº 621, de 12/2/2021. Artigo 7º — "As condições contratuais do seguro deverão estar à disposição do proponente previamente à emissão do bilhete ou à assinatura da respectiva proposta, devendo, neste último caso, o proponente, seu representante legal ou corretor de seguros assinar declaração, que poderá constar da própria proposta, de que tomou ciência das referidas condições contratuais". Disponível em https://www2.susep.gov.br/safe/bnportal/internet/pt-BR/. Acesso em 27/2/2022.

[6] O teor da norma é bastante similar ao artigo 7º supra e está disponível em http://susep.gov.br/setores-susep/seger/minuta-de-circular-susep-cp-no-42.pdf. Acesso em 27/2/2022.

[7] Lei nº 4.594, artigo 13 — "Só ao corretor de seguros devidamente habilitado nos têrmos desta lei e que houver assinado a proposta, deverão ser pagas as corretagens admitidas para cada modalidade de seguro, pelas respectivas tarifas, inclusive em caso de ajustamento de prêmios".

[8] Circular SUSEP nº 510, Artigo 19 — "As comissões de corretagem só podem ser pagas ao corretor de seguros devidamente habilitado e registrado que houver assinado a proposta, não podendo haver distinção entre corretor de seguros pessoa física ou pessoa jurídica para efeito de pagamento de comissão". Disponível em https://www2.susep.gov.br/safe/bnportal/internet/pt-BR/. Acesso em 27/2/2022.

[9] A esse respeito, o Conselho de Recursos do Sistema Nacional de Seguros Privados de Previdência Privada Aberta e de Capitalização (CRSNSP), no Recurso ao CRSNSP nº 7.057, relativo ao Processo Susep nº 15414.005459/2012-57, entendeu que a contratação por telefone, ou seja, sem o preenchimento de proposta de adesão, seria indevida e não comprovaria a adesão ao contrato coletivo. Ademais, o pagamento por mais de dois anos não seria hábil a comprovar a intenção do segurado aderente. Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/orgaos-colegiados-do-me/crsnsp/busca-de-jurisprudencia/. Acesso em 27/2/2022.

[10] A esse respeito, o CRSNSP, no Recurso n° 7203, relativo ao Processo Ssuep n° 15414.200030/2013-52, entendeu que o recebimento de proposta assinada pelo segurado e pela corretora, por sistema de "login/senha", eximiria a seguradora de verificar a autenticidade das assinaturas, considerando o volume de negócios diário. Disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/orgaos-colegiados-do-me/crsnsp/busca-de-jurisprudencia/. Acesso em 27/2/2022.

[11] A consulta foi realizada em 27/2/2022 e resultou, em universo de mais de trinta decisões, na constatação de que são punidas, por esta infração, as seguradoras e seus administradores. O repositório de decisões do CRSNSP pode ser acessado em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/orgaos/orgaos-colegiados-do-me/crsnsp/busca-de-jurisprudencia/.

Autores

  • é advogado e parecerista, doutor em Direito Civil pela Uerj, mestre em Regulação e Concorrência pela Ucam, professor convidado da FGV Direito Rio, da FGV Conhecimento, da Emerj e da Escola de Negócios e Seguros e sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.

  • é advogado formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, professor da Escola de Negócios e Seguros e sócio do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

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