Opinião

A legítima defesa contra o agressor desarmado

Autor

  • Thiago de Miranda Coutinho

    é graduado em Jornalismo e Direito especialista em inteligência criminal coautor de três livros articulista e agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina.

28 de maio de 2022, 11h15

O cidadão que efetua disparos de arma de fogo contra um agressor desarmado, levando-o à óbito, estaria amparado pela legítima defesa?

Para responder a essa pergunta, pode-se contextualizar e refletir acerca do lamentável episódio que chocou a classe da segurança pública brasileira na última quarta-feira (18/5).

Em Fortaleza, durante uma abordagem policial, dois policiais rodoviários federais foram executados a tiros, com a própria arma funcional de um deles, por um homem em situação de rua.

Até o momento, sabe-se que na tentativa de imobilizar o homem, este reagiu, entrou em luta corporal e tomou a pistola de um dos policiais. Na sequência, o criminoso efetuou os disparos fatais contra ambos os PRFs.

O que aparentemente poderia ser encarada como uma abordagem de rotina, cujo risco poderia ser classificado como "baixo", acabou por provar exatamente o contrário! Afinal, dois policiais experientes, que estavam no desempenho de suas funções, perderam as vidas pela ação de um agressor desarmado.

Aqui, cabe destacar que o ordenamento jurídico brasileiro classifica a legítima defesa como uma das excludentes de ilicitude. Ou seja, trata-se de um dispositivo legal que prevê a possibilidade de alguém cometer um ato ilícito sem que esta atitude seja considerada um crime.

Destaca-se que tal instituto está esculpido no inciso II, artigo 23, do Código Penal, versando que "não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa".

Já a referida classificação no texto legal vem do artigo 25 do mesmo regramento penal, onde "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem", mormente às palavras de Bitencourt:

"A agressão configura-se como a conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem, ou interesse juridicamente tutelado. A agressão não pode ser confundida com a mera provocação do agente" (BITENCOURT, 2012).

No ponto, cabe enaltecer os requisitos basilares da legítima defesa, quer sejam a existência de uma injusta agressão, atual ou iminente, contra si ou outrem. Ainda, não se pode prescindir do uso dos meios necessários, de forma moderada, para que se afaste, cesse ou anule a referida agressão.

Aqui resta claro que a legítima defesa é uma autorização do Estado, por meio do seu legislador penal, à autodefesa da vítima! Ou seja, havendo uma conduta que pôs (ou porá) em perigo a integridade de alguém, esta vítima não só pode, como deve repelir à agressão injustificada. É o que ensina Carlos Friede:

"A legítima defesa é uma causa de excludente de ilicitude em que o Estado permite, em caso excepcional, o exercício da autodefesa, desde que observados os limites da proporcionalidade e presentes os requisitos legais" (FRIEDE, 2013).

Desta feita, voltando ao caso em tela, se no momento em que o homem desarmado tentasse tomar a pistola do policial — configurando a iminente injusta agressão —, fosse alvejado por disparos de arma de fogo e viesse a óbito, não restariam dúvidas que se estaria diante de um caso de legítima defesa. Também não pairariam dúvidas quanto às manchetes nos jornais noticiando a morte de um homem desarmado por dois policiais.

No entanto, não foi esse o cenário ocorrido na capital do Ceará. Talvez por receio de ter um homicídio imputado contra si, os policiais tentaram imobilizar o homem sem ter que atirar. Quem sabe, postergaram o uso legítimo das armas de fogo em detrimento da preservação da integridade física do agressor, no chamado "uso progressivo da força". Lamentavelmente, se conhece apenas o resultado: a morte de dois policiais.

Por fim, nesta verdadeira encruzilhada da dúvida, cabe outra indagação: de que lado estaria o Estado se os policiais efetuassem disparos de arma de fogo contra o agressor desarmado, levando-o à óbito? Talvez como resposta, as palavras de Masson:

"A agressão deve ser injusta, ou seja, ilícita e contrária ao direito, e esta agressão pode ser praticada na modalidade dolosa ou culposa. Logo, para fins de aplicação do instituto da legítima defesa, pouco importa se o agressor tem o dolo de ferir bem jurídico alheio ou não" (MASSON, 2015).

Deste trágico episódio, restam os mais profundos sentimentos aos irmãos de armas da PRF e às famílias dos policiais rodoviários federais Raimundo Bonifácio do Nascimento Filho e Márcio Hélio Almeida.

Autores

  • é jornalista, especialista em Inteligência Criminal, agente de Polícia Civil em Santa Catarina, graduando em Direito pela Univali, coautor de três livros sobre Direito e autor de diversos artigos jurídicos.

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