Opinião

Juiz togado não pode iniciar instrução no plenário do Tribunal do Júri

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20 de maio de 2022, 15h06

No dia 12 de maio de 2022, a ConJur publicou reportagem sobre decisão do Superior Tribunal de Justiça que anulou ação penal por protagonismo da juíza na inquirição de testemunhas. O acordão fundamentou-se, principalmente, na violação ao artigo 212, parágrafo único, do CPP, o qual cabe às partes formularem as perguntas e o magistrado, ao final, poderá complementar a inquirição [1].

O tema já foi discutido no Habeas Corpus nº 187.035/SP, impetrado no Supremo Tribunal Federal, o qual também teve provimento e anulou processo criminal onde o magistrado iniciou a inquirição. Analisando as decisões e fazendo uma breve leitura do referido artigo, o tema não parece gerar grandes controvérsias.

Todavia, a situação fica delicada quando este protagonismo judicial ocorre no plenário do tribunal do júri.

Há quem entenda que artigo 473 do CPP, que inicia o capítulo sobre a instrução plenária, indica que o Juiz Presidente deva iniciar a inquirição. Isso porque, segundo a redação, "(…) será iniciada a instrução quando o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação". Ou seja, foi escrito "juiz presidente" primeiro.

A opção por estabelecer uma ordem entre as partes, iniciando com o Juiz e terminando com o defensor sugere que a tomada de depoimentos no plenário seguiria rito próprio. No entanto, esta postura seria a correta?

Na redação antiga do artigo 212, por exemplo, as perguntas eram dirigidas ao Juiz, que a transmitia para a vítima, testemunha e acusado. Nesse cenário, o que predominava era o sistema presidencialista. Atualmente, a Lei nº 11.690/2008, que promoveu a mencionada modificação, ingressou no ordenamento jurídico para conceber o sistema acusatório, também conhecido como cross examination.

O que este sistema busca consolidar é que o Magistrado tão somente preside o ato, controlando para que as provas sejam produzidas dentro dos limites legais. Conforme entendimento de Aury Lopes Júnior, jamais se disse que o juiz não poderia fazer perguntas na audiência, apenas de que lhe cabe dirimir os pontos não esclarecidos [2].

Embora o artigo 473 sugira a permissão, no Plenário do Tribunal do Júri, é extremante delicado e prejudicial, tanto à acusação quanto à defesa, o protagonismo do magistrado togado. Em uma sessão de julgamento, onde todos os detalhes são vistos e sentidos pelos jurados, apenas um ato de predileção condenatória ou absolutória seria capaz ter peso no resultado do julgamento. Exemplo disso seria um jurado que tem dúvida quanto a culpa do acusado.

Ao invés de seguir os ditames da justiça e decidir pela absolvição, opta por votar conforme a percepção transmitida pelo magistrado e se vale da postura do Juiz como muleta para inserir seu voto na urna. No caso de ter sido transmitido o sentimento de que réu é culpado, o Jurado tenderá a segui-la como se fosse uma "terceira parte" postulatória.

Além de tudo, o magistrado presidente não é o destinatário da prova. As provas no rito do júri são direcionadas aos membros do conselho de sentença. Inclusive, aos Jurados é assegurado o direito de formular questionamentos ao ofendido, às testemunhas e ao acusado por intermédio do juiz presidente, conforme artigo 473, §2, do Código de Processo Penal.

A partir da consolidação do sistema acusatório, da ausência de indicação clara na redação processual de que cabe ao juiz togado iniciar a instrução, de que tão somente o dispositivo aponta as partes em uma determinada ordem e da ausência de interesse processual do magistrado na prova colhida, fica claro que não há rito próprio no plenário do júri, sobretudo, um que contrarie princípios processuais basilares e as demais normas.


[1] ConJur. STJ anula ação penal por protagonismo de juíza na inquirição de testemunha. Disponível aqui. Acesso em: 12 de maio de 2022.

[2] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Editora Saraiva. Edição do Kindle.

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