Território Aduaneiro

Regime de drawback em tempos de Covid-19 e guerra na Ucrânia

Autor

  • Liziane Angelotti Meira

    é presidente da 3ª Seção do Carf auditora fiscal da Receita Federal professora pesquisadora e coordenadora adjunta do Programa de Mestrado em Políticas Públicas e Governo da FGV-EPPG membro da Academia Internacional de Direito Aduaneiro doutora em Direito Tributário pela PUC-SP mestre em Direito e especialista em Tributação Internacional pela Universidade Harvard e agraciada com o Prêmio Landon H. Gammon Fellow por Harvard.

17 de maio de 2022, 11h59

Esta semana, estou concluindo um artigo a respeito do regime aduaneiro especial de drawback sobre serviços, em coautoria com os amigos Solon Sehn e Ana Clarissa Masuko. Assim, resolvi aproveitar as reflexões e escrever aqui também sobre este regime aduaneiro, mas numa perspectiva diferente: a prorrogação de prazo em razão de problemas no comércio internacional, como a pandemia e a guerra na Ucrânia.

Spacca
As exportações amparadas pelo regime de drawback atingiram US$ 62 bilhões em 2021, o que representada 21,9% do total exportado. No mesmo período, as importações sob este regime aduaneiro especial foram de US$ 7 bilhões, correspondendo a 3,2% do total importado [1].

No regime especial de drawback, permite-se a aquisição de insumos importados (ou nacionais) para industrialização ou aperfeiçoamento no Brasil e posterior exportação do produto final. Há desoneração tributária na aquisição dos insumos desde que o produto final seja exportado. A desoneração ocorre em relação aos tributos incidentes na importação (ou tributos internos), mas o objetivo é a exportação do produto com agregação de valor no Brasil, por isso, a legislação refere-se ao drawback como um incentivo à exportação [2].

 Para entender o regime de drawback brasileiro, é necessário observar que aqui a abrangência do regime é maior e há mais modalidades. Normalmente, o regime de drawback se restringe à posterior restituição dos tributos recolhidos na importação dos insumos utilizados em produto exportado [3].

São três as modalidades de regime de drawback previstas na legislação brasileira: [4] o "drawback/restituição", no qual ocorre restituição (na verdade, compensação) dos tributos pagos na importação, pouquíssimo utilizado na prática; "drawback/isenção", neste, é importado insumo para emprego em produto a ser exportado, concluída a operação de exportação, insumo semelhante em qualidade e quantidade pode ser importado em substituição ao primeiro, sem o pagamento de imposto sobre a importação, IPI, Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins; e "drawback/suspensão", o insumo é importado desonerado dos tributos incidentes a importação (ou adquirido sem pagamento dos tributos internos), desde que se dê a posterior exportação dos produtos resultantes, este é o mais utilizado e a ele se aplicam a maioria das reflexões aqui propostas.

Creio que o leitor já pôde observar que o regime de drawback também se aplica aos tributos incidentes na aquisição de insumos nacionais. Isso é mais uma peculiaridade brasileira e ocorre porque o nosso processo de desoneração das exportações não atinge o grau de eficiência de outros sistemas tributários mais simples. Assim, caso o drawback se limitasse à importação e não houvesse um tratamento equivalente para os insumos nacionais, caracterizar-se-ia um grande estímulo à importação de insumos em prejuízo da produção nacional. Para corrigir essa distorção, foi criado no Brasil o "drawback integrado", que permite que o industrial adquira também (ou somente) insumos internos, sem pagamento dos tributos internos incidentes sobre essa operação, para produzir bens a serem exportados [5].

Seja no drawback na importação seja no drawback integrado, a regra é a mesma: são desonerados os tributos incidentes sobre a aquisição de insumos com a condição de que o produto final seja exportado.

O que ocorre quando o mercado internacional é afetado por crises econômicas e há dificuldade de exportação?

Pois bem, para cumprir o regime, é responsabilidade exclusiva de o beneficiário encontrar mercado externo para seus produtos, promover a venda e exportá-los dentro do prazo previsto. A lei brasileira fixa o prazo de um ano, prorrogável por igual período [6]. Mas é isso: não exportado no prazo, o regime resta descumprido e são exigidos não somente os tributos desonerados mas também as penalidades por falta de pagamentos desses tributos.

Qual a medida a ser tomada durante as crises que atingem o comércio internacional e comprometem as exportações? [7] Como o prazo é determinado por lei, ao beneficiário do regime cabe somente cumprir a condição; pode ser alterado o prazo nessas circunstâncias, mas há necessidade de lei.

Assim, verifica-se que, no Brasil, em momentos de crise que atingiram a capacidade de exportar, foram aprovadas leis que estenderam o prazo para cumprimento do regime aduaneiro especial de drawback.

Nesse sentido, a crise econômica de 2008/2009 foi estendida, em termos de drawback, até 2014, com tentativa de se ir adiante. Houve prorrogação por um ano do prazo para cumprimento do regime em 2009 (por meio da Lei no 11.945/2009), em 2010 (Lei no 12.249/2010), em 2011 (Lei no 12.453, de 2009), em 2012 (Lei no 12.767, de 2012), em 2013 (Lei no 12.872, de 2013) e em 2014 (Lei no 12.995/2014) [8].

A crise gerada pela pandemia de Covid-19 gerou duas prorrogações: em 2020, (Lei no 14.060/2020) e também em 2021 (Medida Provisória no 1.079, de 14/12/2021). Esta medida provisória já passou pela Câmara dos Deputados e foi aprovada pelo Senado no dia 12 de maio de 2022, convertendo-se no Projeto de Lei de Conversão no 8, de 2020 [9], e permite prorrogação por um ano nos casos dos regimes de drawback com vencimento até o final de 2022.

Considerando que a pandemia se arrefeceu, mas a crise no comércio internacional não; considerando que o cenário econômico agravou-se ainda mais em razão da guerra na Ucrânia, conflito que gerou severos problemas no fornecimento de insumos e na logística em nível global, a expectativa é que tenhamos ainda novas prorrogações legais do prazo para cumprimento do regime de drawback.

Diante dessa conjuntura, podemos observar que o regime de drawback tem um delineamento próprio no Brasil e é muito utilizado e extremamente importante para nosso comércio exterior [10]. Contudo, a condição de exportar o produto final não depende exclusivamente do beneficiário do regime, mas também do mercado externo e das políticas adotadas pelo governo brasileiro, o que pode gerar incertezas.

Ainda que o governo brasileiro e o Legislativo tenham se mostrado sensíveis à questão e promovido prorrogações do prazo de drawback diante de crises internacionais, as incertezas representam custos e impactam os investimentos e as decisões estratégicas, de modo que se consideram no planejamento dos negócios tanto as incertezas relativas ao cumprimento das condições do regime em face das turbulências no comércio exterior quanto a dependência de atuação do governo prorrogando o prazo legal nessas circunstâncias.

Nesse contexto, seria muito bem-vinda no Brasil uma reforma tributária que simplificasse a tributação da cadeia produtiva e permitisse que a desoneração das exportações fosse mais eficiente. Tal medida diminuiria o custo tributário das exportações, diminuiria a dependência brasileira do regime aduaneiro especial de drawback (e suas prorrogações) e, consequentemente, traria mais competitividade para o produto nacional durante e também depois da guerra na Ucrânia.

Tal aspecto se torna ainda mais premente se considerarmos que estamos na porta de entrada da OCDE e essa entrada implica necessariamente mais abertura no comércio internacional [11]. Todavia, abertura sem competitividade pode significar mais oportunidade para importação do que para exportação, com possível desindustrialização e redução do nível de emprego e de riqueza no Brasil.


[2] Conforme podemos observar no caput do artigo 383 do Regulamento Aduaneiro (Decreto no 6.759/2009):

"Artigo 383. O regime de drawback é considerado incentivo à exportação e …"

[3] Para aprofundamento acerca da natureza jurídica e das modalidades de  drawback sugere-se remissão à obra MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes Aduaneiros Especiais. São Paulo: IOB, 2002, p. 211/225.

[4] O artigo 383 do Regulamento Aduaneiro apesenta as modalidades do regime aduaneiro especial de drawback

[5] Conforme MEIRA, Liziane Angelotti. Regime Aduaneiro Especial de drawback. In: Gisele Barra Bossa. (Org.). Eficiência Probatória e a Atual Jurisprudência do CARF, 2020, p. 715/743.

[6] Decreto-Lei no 1.722/1979, artigo 4o, caput e parágrafo único.

[7] Neste caso, prejudicando a própria industrialização  no Brasil, anterior à exportação.

[8] Em 2015, houve o Projeto de Lei no 694-A/2015, que propunha a prorrogação do regime aduaneiro especial de drawback que vencia em 2015 por mais dois anos, excluídos os casos que já tivessem recebido prorrogação pelas prorrogações de 2009 a 2014. Este Projeto de Lei foi rejeitado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

[9] O PLV no 8/2022 segue agora para sanção presidencial

[10] "No que tange à legislação brasileira, nosso sistema tributário é muito complexo, envolve uma gama enorme de tributos, divididos em três níveis de entes federativos e, em consequência, não conseguimos, com a mesma eficiência dos outros países, desonerar de tributos nossas exportações, tornando-as mais competitivas. É nesse esforço que desvirtuamos nossos regimes aduaneiros especiais, especificamente o drawback, transformando-o em um forte instrumento de incentivo e desoneração tributária das exportações" (MEIRA, Liziane Angelotti. Regime Aduaneiro Especial de drawback. In: Gisele Barra Bossa. (Org.). Eficiência Probatória e a Atual Jurisprudência do CARF, 2020, p. 716/717).

[11] Sobre as questões aduaneiras na adesão do Brasil à OCDE, sugere-se o artigo do colega colunista Fernanda Kotzias intitulado “A acessão do Brasil à OCDE sob a ótica aduaneira” (disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-15/territorio-aduaneiro-acessao-brasil-ocde-otica-aduaneira). Recomenda-se também a leitura do artigo do colega Fernando Pieri Leonardo, "Entre Tiradentes e OCDE: valor aduaneiro e preços de transferência" (disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-abr-19/territorio-aduaneiro-entre-tiradentes-ocde-valor-aduaneiro-precos-transferencia).

Autores

  • é conselheira e presidente de Turma no Carf, auditora fiscal da Receita Federal, professora, pesquisadora e coordenadora adjunta do Programa de Mestrado em Políticas Públicas e Governo da FGV-EPPG, membro da Academia Internacional de Direito Aduaneiro, doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, mestre em Direito e especialista em Tributação Internacional pela Universidade Harvard e agraciada com o Prêmio Landon H. Gammon Fellow por Harvard.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!