Atividade de risco

Empresa deve indenizar em R$ 500 mil família de motorista que morreu de Covid

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25 de junho de 2022, 13h47

Embora o transporte rodoviário de passageiros com itinerário fixo municipal seja considerado um serviço essencial, "seu desempenho não pode se dar às custas da imposição de risco acentuado às pessoas trabalhadoras que integram grupo de risco para a Covid-19" e que, durante o trabalho, mantêm contato com o público.

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Caso envolve empresa de transporte coletivo de Passo Fundo (RS) Coleurb Reprodução

O trecho consta em decisão unânime da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), que condenou a empresa de transporte coletivo de Passo Fundo (RS) Coleurb a indenizar em R$ 500 mil a família de um motorista que prestava serviços à companhia e morreu vítima de Covid-19.

A decisão foi publicada na última semana. A ação foi ajuizada em nome da viúva e da filha do motorista, falecido em fevereiro do ano passado. O homem era funcionário da empresa desde 1985.

Segundo informações do processo, o trabalhador teve seu contrato de trabalho suspenso até 7 de fevereiro de 2020, por ser diabético, obeso e hipertenso, mas foi convocado a retornar ao posto no dia 8. A partir de então, trabalhou por duas semanas, quando foi afastado por ter contraído o coronavírus. Ele morreu em 26 de fevereiro, aos 49 anos de idade.

A defesa da família sustentou que o motorista teria sido contaminado no local de trabalho, onde mais de 400 passageiros circulavam por dia. Também ressaltou que a empresa determinou o retorno do funcionário às atividades presenciais em um dos momentos mais críticos da crise sanitária no Rio Grande do Sul, mesmo ele integrando grupo de risco.

Relator do caso no TRT-4, o desembargador Marcelo José Ferlin D'Ambroso explicou que o Código Civil somente admite a responsabilidade civil objetiva do empregador nos casos em que há o exercício de atividade perigosa ou de risco acentuado, ou nos casos especificados em lei. 

Essa é a situação dos autos, segundo D'Ambroso, já que a atividade do motorista apresenta grau de risco 3, considerado elevado para acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

"De modo que a empresa não pode se eximir da imputação de responsabilidade, a teor do que estabelecem os arts. 186, 187, 927, caput e parágrafo único, todos do Código Civil, pois, na espécie, há elevado grau de risco na atividade empresarial enquadrada na CNAE 4921-3/01", afirmou.

O entendimento alterou sentença da 3ª Vara do Trabalho de Passo Fundo, que havia julgado que a empresa não poderia ser responsabilizada pela morte do funcionário, por não haver como saber se ele contraiu o vírus durante a jornada de trabalho ou em qualquer outro lugar.

O juízo de origem também entendeu que a empregadora não negligenciou os cuidados com a saúde dos empregados, fornecendo máscaras e álcool em gel, por exemplo.

Essas medidas de proteção, contudo, "não garantem que a pessoa trabalhadora, mormente aquela comprovadamente integrante de grupo de risco, permaneça livre de contágio", avaliou o desembargador do TRT.

Crise sanitária
Em seu parecer, D'Ambroso também destacou que, entre o dia em que o trabalhador retornou às atividades presenciais e o dia do óbito, foram registrados 122.576 novos casos confirmados e 80 novas mortes por coronavírus no Rio Grande do Sul — um aumento de 83,72% no registro de novos casos e de 37% no registro de óbitos em apenas 18 dias.

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Tânia Rêgo/Agência BrasilOferecer medidas de proteção não garante que trabalhador de grupo de risco não será contagiado, diz TRF-4

"Restando evidenciado que a ré determinou o retorno do trabalhador às atividades presenciais em um dos momentos mais críticos da pandemia de covid19 no Estado e que apenas 18 dias após o retorno às atividades laborais na função de motorista de transporte coletivo de passageiros o trabalhador foi a óbito, tendo como causa da morte "Covid-19", resta perfeitamente configurado o nexo de causalidade com a atividade laboral e, pois, a responsabilidade civil da ré quanto às indenizações pleiteadas na inicial", concluiu o magistrado.

Acompanharam o voto do relator os desembargadores Luiz Alberto de Vargas e Brígida Joaquina Charão Barcelos. 

O valor inicial da causa que foi pedido à Justiça foi de R$116.725. O julgamento foi favorável à família, com um valor maior.

Além da indenização por danos morais, o TRT-4 também condenou a empresa ao pagamento de pensão alimentícia, em valor correspondente à última remuneração recebida pelo trabalhador (R$2.306,49), calculados no período de 26/02/2021 a 30/10/2049, com a inclusão de 13º salário, gratificação natalina e FGTS do período.

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0020167-21.2021.5.04.0663

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