Reflexões trabalhistas

Dúvidas e discussões sobre o Juízo 100% digital no âmbito trabalhista

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20 de junho de 2022, 12h37

O juízo 100% digital é o sistema que admite que todos os atos processuais, como a realização de audiências; de sessões de julgamento; e, até mesmo o atendimento ao público, sejam praticados exclusivamente por meio eletrônico. Trata-se de uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tem por objetivo ampliar a tramitação eletrônica dos processos e permitir que o cidadão possa ter acesso à Justiça, sem precisar comparecer fisicamente nos fóruns.

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Muitas são as vantagens da implantação do juízo 100% digital: a celeridade no andamento dos processos pelo uso da tecnologia que evita os atrasos decorrentes da prática de atos físicos ou que exijam a presença das partes nas Vara do Trabalho; a economia de tempo para as partes interessadas e para o próprio Judiciário; a economia financeira com a redução de gastos de transporte e espaço físico; a proteção do meio ambiente, com menos carros nas ruas, menos impressão, gastos com papel etc.

Mas, será que essa economia compensa a ausência das partes e testemunhas na audiência?

O querido professor Pedro Paulo Teixeira Manus costumava dizer em suas aulas, que "o Processo do Trabalho é um Processo de Partes". E, se é assim, a maior desvantagem desta inovação tecnológica é justamente o fato de o juízo estar distante fisicamente das partes, o que pode afastar a necessária sensibilidade do julgador para a solução da causa.

Outra desvantagem da inovação tecnológica é a possibilidade de que as partes e as testemunhas sejam influenciadas ou, até mesmo, informadas a respeito do que "devem" ou não "falar" em audiência.

Porém, essa hipótese não deve ser considerada uma verdadeira desvantagem, já que não podemos presumir que as partes ou testemunhas ajam de má-fé!

O processo 100% digital foi aprovado em outubro de 2020 pela Resolução CNJ 345/2020 e, além da prática dos atos processuais, o sistema também pode ser utilizado para outros serviços prestados presencialmente pelo Tribunal, como os de solução adequada de conflitos, de cumprimento de mandados, centrais de cálculos, dentre outros, desde que os atos processuais possam ser convertidos em eletrônicos.

A utilização do processo 100% digital não é obrigatória, uma vez que a parte demandante tem a faculdade de escolha, no momento da distribuição da ação. Por outro lado, a parte demandada pode opor-se até o momento da contestação, segundo o artigo 3º da Resolução do CNJ nº 345/2020:

Art. 3º A escolha pelo "Juízo 100% Digital" é facultativa e será exercida pela parte demandante no momento da distribuição da ação, podendo a parte demandada opor-se a essa opção até o momento da contestação. 

No Direito Processual do Trabalho, entretanto, a parte demandada não pode esperar o prazo de apresentação da contestação, aduzida em audiência, como determina o artigo 847 da CLT. Neste caso, deverá se opor no prazo de cinco dias úteis, contados do recebimento da citação, conforme estabelece o § 1º do art. 3º da referida Resolução:

§1º A parte demandada poderá se opor a essa escolha até sua primeira manifestação no processo, salvo no processo do trabalho, em que essa oposição deverá ser deduzida em até 05 dias úteis contados do recebimento da primeira notificação. (redação dada pela Resolução nº 378, de 9.03.2021)

Aplica-se, no caso da Justiça do Trabalho, regra idêntica à da oposição da incompetência territorial, prevista no artigo 800 da CLT:

Art. 800. Apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de cinco dias a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a existência desta exceção, seguir-se-á o procedimento estabelecido neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

O prazo de oposição da exceção de incompetência territorial foi alterado pela Lei nº 13.467/2017, já que antes da chamada Reforma Trabalhista, o réu tinha o direito de se opor no mesmo prazo de apresentação da defesa, sob pena de preclusão e, consequentemente, de prorrogação da competência.

Na prática, essa alteração tornou a oposição da exceção de incompetência territorial inviável porque, dificilmente, o réu, leigo que é, saberá que se não discutir o local da propositura da ação, no prazo de cinco dias, não poderá mais fazê-lo.

Igual situação tende a acontecer com o juízo 100% digital, pois a parte, normalmente, não goza de conhecimento jurídico processual para saber que o prazo de oposição é de 05 (cinco) dias a contar da notificação.

Porém, mais do que uma questão processual, o problema é saber se o CNJ pode disciplinar este assunto e exigir a obediência a tais prazos.

Segundo o que estabelece a Constituição da República, em seu artigo 22, inciso I, compete, privativamente à União legislar sobre:

"direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho."

O STF já se manifestou sobre o tema e editou a Súmula Vinculante nº 46, segundo a qual:

"A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da União."

Ora, se as normas processuais dependem de lei federal, poderia uma Resolução do CNJ estabelecer as regras relativas ao juízo 100% digital?

O CPC, em seu artigo 196, prevê que:

Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.

Deste modo, segundo o CPC, está claro que o CNJ pode regulamentar a prática de atos processuais por meio eletrônico, mas ainda assim, teria autorização para criar regras processuais, como os prazos previstos no § 1º do artigo 3º da Resolução do CNJ n. 345/2020?

Poderia o CNJ prever que, para a Justiça do Trabalho, o prazo de oposição da parte ao processo 100% digital é de até 05 (cinco) dias úteis da citação? Ou ainda, que as partes só podem se retratar uma única vez, como determina o § 2º do mesmo artigo 3º da Resolução do CNJ n. 345/2020?[1]

As dúvidas são muitas e requerem respostas.

Afinal,

É possível o Juízo manter o envolvimento necessário para a solução do conflito de interesses?

Temos tecnologia suficiente para garantir a idoneidade e a segurança jurídica na produção das provas?

Há necessidade de legislação própria para a regulamentação do processo 100% digital?


[1]Resolução do CNJ nº 345/2020: Art. 3º A escolha pelo “Juízo 100% Digital” é facultativa e será exercida pela parte demandante no momento da distribuição da ação, podendo a parte demandada opor-se a essa opção até o momento da contestação. (…) § 2º Adotado o “Juízo 100% Digital”, as partes poderão retratar-se dessa escolha, por uma única vez, até a prolação da sentença, preservados todos os atos processuais já praticados

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