Processo Tributário

Concessão de tutelas provisórias para compensação tributária

Autores

  • Marcus Paulo Jadon

    é advogado em São Paulo especialista em Direito Tributário e em Direito Civil e Processo Civil e pesquisador do Grupo de Estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Diego Diniz Ribeiro

    é advogado tributarista e aduanerista ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento professor de Direito Tributário Direito Aduaneiro Processo Tributário e Processo Civil doutor em Processo Civil pela USP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV/SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

12 de junho de 2022, 8h03

Em 11 de outubro de 2021 foi publicado o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.296, no qual foi declarado inconstitucional o artigo 7º, § 2º [1], da lei do mandado de segurança (Lei federal nº 12.016/2009), que vedava a concessão de medida liminar em mandado de segurança que tivesse por pedido a compensação de crédito e indébito tributários. Referida decisão apresenta caráter vinculante, nos termos do § 2º [2] do artigo 102 da Constituição Federal, efeito esse reiterado infraconstitucionalmente no artigo 927, inciso I [3] do Código de Processo Civil, por isso entendemos por bem retomar o assunto nesta coluna.

Tal pronunciamento vem gerando diferentes interpretações quanto ao seu alcance em relação à compensação em matéria tributária, haja vista o óbice prescrito pelo artigo 170-A [4] do CTN, que estabelece como condição para exercício da compensação o trânsito em julgado da decisão judicial em que se discute o indébito tributário. Assim, o debate avalia se a partir de tal julgado seria possível admitir, de forma ampla e irrestrita, o deferimento de tutelas provisórias — gênero do qual é espécie a liminar no mandado de segurança —, autorizando a compensação em matéria tributária.

Para precisar sua abrangência, mister identificar os seus motivos determinantes, i.e., sua ratio decidendi, o que supõe a leitura da íntegra do aresto e não apenas uma rápida vista d'olhos em sua ementa [5].

Detendo-nos sobre os votos proferidos no referido julgamento, em especial o vencedor, da lavra do ministro Alexandre de Moraes [6], constata-se que o STF considerou que a lei não pode prever uma restrição de caráter absoluto ao poder geral de cautela do juiz, sob pena de indevidamente (1) restringir a eficácia do próprio mandado de segurança e, reflexamente, do direito líquido certo que por meio dele se pretende proteger, (2) violar o princípio da inafastabilidade da jurisdição, além de (3) atribuir à fazenda pública um tratamento preferencial sem que haja motivo juridicamente válido para tanto.

Levando em consideração a ratio decidendi do aludido precedente, a questão que fica para ser respondida é: a referida ratio poderia ser convocada para também reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 170-A do CTN e, com isso, concluir ter se consolidado nesse julgado o "amplo e irrestrito" direito à concessão de tutelas provisórias autorizando a compensação?

Antes de responder essa pergunta, convém destacar que, no plano infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece válido o referido artigo 170-A do CTN, conforme se observa do teor da sua súmula 212 [7], bem como da decisão veiculada no recurso especial nº 1.167.039/DF [8], julgado sob o rito de recurso repetitivo ainda na vigência do CPC/1973. Tais manifestações do STJ são formalmente vinculantes, à luz do artigo 927, incisos III e IV do CPC [9] e, por isso, não podem ser ignoradas no contexto do presente trabalho.

Por sua vez, no âmbito doutrinário, é possível encontrar quem defenda a inconstitucionalidade do artigo 170-A do CTN, o que se dá com base em diferentes fundamentos, que vão desde ofensa ao direito de propriedade do contribuinte [10] até a indevida mitigação do princípio da inafastabilidade da jurisdição [11].

Feitas essas considerações, retornemos às razões de decidir da ADI 4.296, de cujo conteúdo é possível reconhecer que os fundamentos lá expostos podem ser convocados para também se contrapor ao disposto no artigo 170-A do CTN.

Todavia, por mais paradoxal que isso possa parecer, tal posição pretoriana não redunda na precipitada conclusão de que, a partir de agora, todo e qualquer crédito tributário debatido em juízo será passível de compensação antes do seu trânsito em julgado. E isso porque o voto condutor do acórdão, do ministro Alexandre de Moraes, refuta "restrições absolutas" ao poder geral de cautela do juiz, mas também reconhece que a concessão, ou não, de uma tutela provisória em mandado de segurança, ou em ações de rito ordinário, depende da prudencial análise do juízo no exercício em concreto do seu poder geral de cautela [12].

Em outros termos, o STF teria afastado o óbice em um plano normativo, mas não no âmbito da realização prática do direito. Assim, a concessão in limine de uma tutela provisória [13] continuaria tendo um caráter excepcional, ainda mais quando tal provimento jurisdicional apresenta viés de irreversibilidade [14]. Logo, a sua concessão continua dependendo do preenchimento dos requisitos próprios das tutelas de urgência (probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo) ou da presença de uma das hipóteses de cabimento da tutela da evidência (artigo 311 do CPC) [15] [16].

Diante desse quadro, por mais alvissareira que a decisão pretoriana possa parecer, acredita-se ainda que no âmbito pragmático do Direito Tributário a concessão de tutelas provisórias para compensação continuará sendo medida excepcional.

Em todo caso, esse precedente tem dois méritos que merecem ser aqui sublinhados: (1) o destaque dado ao poder geral de cautela como instrumento para a realização substancial da atividade jurisdicional e (2) por trazer novamente ao centro das discussões o disposto no artigo 170-A do CTN, o qual hoje se apresenta em um contexto histórico-normativo muito distinto daquele em que foi inserido no CTN [17].

 


[1] Art. 7º […] § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

[2] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

§ 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

[3] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

[4] Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

[5] Criticando a chamada cultura da ementa no Brasil: RIBEIRO, Diego Diniz. Processo tributário analítico. CONRADO, Paulo César (org.). São Paulo: Noeses, vol. 03. 2016. pp. 111-140.

[6] Importante destacar que no ponto abordado no presente artigo o ministro redator do voto vencedor, Alexandre de Moraes, e o relator originário para a ADI, ministro Marco Aurélio, apresentam a mesma conclusão, i.e., pela inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.016/2009.

[7] A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória.

[8] TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. ART. 170-A DO CTN. REQUISITO DO TRÂNSITO EM JULGADO. APLICABILIDADE A HIPÓTESES DE INCONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUTO RECOLHIDO.

1. Nos termos do art. 170-A do CTN, "é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial", vedação que se aplica inclusive às hipóteses de reconhecida inconstitucionalidade do tributo indevidamente recolhido.

2. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.

(REsp 1.167.039/DF, rel. ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª SEÇÃO, julgado em 25/8/2010, DJe 2/9/2010).

[9] Art. 927 (…):

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

[10] JARDIM, Eduardo Marçal Ferreira. Arts. 170 a 172. In: MARTINS. Ives Gandra da Silva (coord.) Comentários ao código tributário nacional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 02. p. 399-400.

[11] Mantovanni Colares Cavalcante sustenta que condicionar a fruição de um direito material litigioso ao advento da coisa julgada só teria validade se tal restrição tivesse amparo constitucional, como é o caso dos pagamentos devidos pela Fazenda Pública (art. 100 da CF). (In: O mandado de segurança em matéria tributária e as teses vinculantes fixadas na ADI 4.296. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.); SOUZA, Priscila de (org.). XVIII Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: Noeses: IBET, 2021, p. 1045.)

[12] Sobre esse ponto remetemos a leitora e o leitor ao seguinte artigo desta coluna: https://www.conjur.com.br/2021-jul-25/processo-tributario-tutela-provisoria-supremo-compensacao

[13] O tema da tutela provisória em matéria tributária já foi tratado aqui nessa coluna e pode no link a seguir ser mais explorado: https://www.conjur.com.br/2021-mar-16/camila-vergueiro-processo-tributario-tutela-provisoria.

[14] Na linha do que prevê o art. 300, § 3º do CPC, in verbis:

Art. 300 (…)..

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

[16] A respeito do assunto, mas no âmbito do processo administrativo tributário federal, sugerimos a leitura do seguinte material publicado na ConJur: https://www.conjur.com.br/2019-jun-12/direto-carf-compensacao-tributos-antes-transito-julgado

[17] Nesse particular aspecto convém destacar, por exemplo, o voto do ministro Gilmar Mendes, que admitia a liminar em mandado de segurança para fins de compensação em matéria tributária nas hipóteses em que a exação debatida tivesse sido objeto de julgamento em casos repetitivos ou de súmula vinculante.

Autores

  • é advogado tributarista no Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados, especialista em Direito Tributário e em Direito Civil e Processo Civil, aluno do Curso de Extensão de Processo Tributário Analítico do Ibet e pesquisador do Grupo de Estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet-SP.

  • é advogado tributarista e aduanerista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutorando em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV/SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLaw) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão "Processo tributário analítico” do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

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