Opinião

Um ano das novas regras para a reprodução assistida

Autor

  • Laura Affonso da Costa Levy

    é professora da pós-graduação da Universidade de Caxias do Sul (UCS) mestre em Bioética pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA) especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade IDC e consultora em Biodireito.

10 de junho de 2022, 9h02

Estamos em vias de comemorar um ano da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de nº 2.294 para técnicas de reprodução assistida (RA), publicada em 15 de junho de 2021. No Brasil, não há legislação que regule as técnicas de RA, sendo essa resolução o documento máximo no que diz respeito às regras que devem ser seguidas pelos profissionais médicos. O descumprimento das normas incorre em infração ético-profissional e, eventualmente, civil e criminal.

Diante dos avanços científicos, das mudanças sociais e culturais, somado ao incremento da utilização das técnicas de RA no Brasil, surge a necessidade de contínuos aperfeiçoamentos em curtos espaços de tempo, como forma de responder às demandas emergentes. A periodicidade esperada para a publicação de atualizações é bianual.

Assim, há alguns pontos a serem destacados no documento, que trouxeram novidades em relação às regulamentações anteriores. Dentre eles está a limitação para oito o número de embriões para cada casal. Até a nova Resolução do CFM, nunca havia sido determinado qualquer limite de embriões a serem produzidos em laboratório. No documento publicado no ano passado, foi estipulado pela primeira vez que um número máximo de embriões em laboratório deve ser respeitado.

Presume-se que a orientação surgiu para que houvesse uma redução no número de embriões excedentários. Vale observar que há um número exorbitante de material genético criopreservado nas clínicas de reprodução humana que podem, em muitas situações, sequer ser utilizados.

Já a respeito da doação de gametas (óvulos e espermatozoides), ela poderá ocorrer entre familiares, desconsiderando o anonimato. Até 2015, somente mulheres com problemas de fertilidade podiam ser doadoras de óvulos, as chamadas doadoras compartilhadas de óvulos. Em 2017, a Resolução do CFM descreveu que a doação de óvulos também poderia ser voluntária, mas de qualquer forma, sempre anônima.

A mais nova resolução autorizou que a doação de óvulos e espermatozoides seja feita por familiares de até quarto grau, desde que não haja consanguinidade no embrião, isto é, dependendo do gameta necessário, somente poderá ser doador o familiar do cônjuge que precisa do gameta. A medida surgiu para facilitar a doação de óvulos no Brasil, mas pode incorrer em questões psicológicas para as famílias e, até mesmo jurídicas, que merecem considerações.

Ao mesmo tempo em que pode agilizar o processo, especialmente em famílias que aceitem essa dinâmica, onde os laços familiares e de afeto suportam essa "novidade", parece justo que os envolvidos possam ter a liberdade de escolher se querem ou não que a doação de gametas seja de familiar.

Entretanto, não se pode desconsiderar que a liberalidade do anonimato é uma questão delicada, exigindo a discussão sobre contar ou não contar para a criança e demais membros da família, além de discussões a respeito do futuro desta criança em caso de falecimento dos pais, por exemplo.

A idade máxima para as doadoras de óvulos também teve flexibilização e passou a incluir mulheres de até 37 anos. E no caso de doadoras não anônimas de até quarto grau, a flexibilidade se estende até a idade que a receptora aceitar, isto é, a receptora pode aceitar a doação de óvulos da familiar mesmo que essa tenha mais de 37 anos.

Quanto ao número de embriões a serem transferidos em cada faixa etária visando a redução de riscos associada à gemelaridade, mulheres de até 37 anos só podem transferir até dois embriões, e aquelas com 38 anos ou mais podem transferir três embriões. A partir de agora, em hipótese alguma se pode transferir quatro embriões como anteriormente era permitido.

Outro ponto bem importante tratado pela nova resolução e que merece destaque é sobre o descarte de embriões após três anos de congelamento. Essa prática passou a ser prevista pela Resolução do CFM de 2015, que deixou em cinco anos o tempo de congelamento. Somente em 2017 que esse período foi reduzido para três anos. A atual resolução manteve o descarte após três anos, porém, acrescentou um entrave burocrático e oneroso ao processo: a necessidade de autorização judicial para o descarte. Ou seja, após o congelamento dos embriões excedentes, há dois destinos a eles:

"1. Optar a qualquer momento pela doação de forma anônima para outros casais, sendo necessário a autorização expressa das partes, somado à documentação exigida pela clínica, permitindo que outros casais utilizem os embriões.
2. Aguardar os três anos do congelamento para então doar conforme descrito acima ou descartá-los. Ao decidir pelo descarte, a partir da última resolução, há necessidade de processo judicial para obter a autorização, devendo ser proposto pelas partes ou pelas clínicas de reprodução humana, quando houver ocorrido o abandono do material genético (embrião abandonado é aquele em que os responsáveis descumpriram o contrato preestabelecido e não foram localizados pela clínica)".

Vale observar que, dentre as alterações trazidas, temos mais a comemorar do que criticar. Os avanços da ciência e da engenharia genética permitem, cada vez mais, a concretização dos sonhos da parentalidade.

Não se pode esquecer que a infertilidade humana é um problema de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e, as técnicas de reprodução humana assistida, são métodos conceptivos que devem ser oferecidos à sociedade, nos termos da Lei nº 9263/1996 — Lei do Planejamento familiar. Somado a isso, importante observar que as técnicas RA também são utilizadas para preservação de gametas, embriões e tecidos, por razões médicas e não médicas.

Autores

  • é professora da pós-graduação da Universidade de Caxias do Sul (UCS), mestre em Bioética pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade IDC e consultora em Biodireito.

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