Opinião

Reflexões sobre a Lei nº 14.365/22 e as sustentações orais assíncronas

Autores

  • Frederico Augusto Leopoldino Koehler

    é doutorando pela USP mestre e bacharel em Direito pela UFPE ex-juiz federal instrutor no STJ atualmente juiz federal do TRF-5ª Região professor adjunto da UFPE professor do mestrado profissional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) formador e conteudista da Enfam membro e secretário-geral adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e membro e secretário-geral da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep).

  • Silvano José Gomes Flumignan

    é doutor mestre e bacharel em Direito pela USP professor adjunto da UPE e da Asces/Unita professor permanente do mestrado profissional do Cers ex-pesquisador visitante na Universidade de Ottawa ex-assessor de ministro do STJ procurador do estado de Pernambuco coordenador do Centro de Estudos Jurídicos da PGE-PE e advogado.

8 de junho de 2022, 20h24

Foi publicada no Diário Oficial da União de 3 de junho de 2022 a Lei nº 14.365, que "altera as Leis 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia), e 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), e o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)".

A nova legislação traz diversas alterações que interessam especialmente aos que exercem a advocacia, pois inovam na regulamentação da atividade privativa de advogado, nas prerrogativas, nas sociedades de advogados, no regime dos honorários advocatícios, nos limites de impedimentos ao exercício da advocacia, na suspensão de prazos no processo penal, dentre outros pontos.

Optamos por tratar neste artigo apenas das alterações com relação à sustentação oral. Sobre esse tema, identificamos, pelo menos, cinco pontos de reflexão.

O primeiro, o local de inserção. O legislador optou por incluir o § 2º-B, no artigo 7º, do Estatuto da OAB:

"§ 2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:
I – recurso de apelação;
II – recurso ordinário;
III – recurso especial;
IV – recurso extraordinário;
V – embargos de divergência;
VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária."

Essa opção gera alguns questionamentos. O local mais adequado para a inserção da regra seria o CPC, por dois motivos.

O direito à sustentação oral não é exclusividade da advocacia privada, sendo também destinado ao Ministério Público e à Defensoria Pública [1]. A previsão no Estatuto da OAB exigirá o exercício de interpretação extensiva com escopo de garantia da isonomia para abarcar as demais carreiras.

A sustentação oral já é regulamentada no artigo 937 do CPC, consistindo em má técnica legislativa o tratamento diverso em duas leis. A nova legislação amplia as hipóteses de sustentação oral além do previsto no CPC.

O segundo, o artigo 7º, §2º-B, não cita o recurso inominado. Assim, os juizados especiais e as turmas e colégios recursais não foram atingidos pela alteração legal, o que afastará da regra um número extremamente significativo de casos concretos.

O terceiro, houve a previsão da possibilidade de sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos recursos ou ações listados nos incisos transcritos.

Deve ficar claro que, ao falar em julgamento de mérito, a lei se refere ao mérito recursal e não ao mérito da causa. São conceitos diferentes e que não devem ser confundidos.

O artigo 937 do CPC não previa sustentação oral tão ampla no âmbito do agravo interno, mas, nos termos do § 3º, apenas no caso de agravo interno interposto contra decisão de relator que extinguir os processos de competência originária previstos no inciso VI (ação rescisória, mandado de segurança e reclamação).

O quarto, houve a inclusão, no inciso VI, do direito à sustentação oral no agravo interno que julgar o mérito ou não conhecer de "outras ações de competência originária", o que inclui, a nosso ver, quaisquer decisões monocráticas (mesmo aquelas proferidas pelo presidente), desde que proferidas em ações de competência originária, tais como habeas data, mandados de injunção, intervenção federal, interpelação judicial e homologação de sentença estrangeira.

Os demais recursos, incidentes e sucedâneos recursais que não se enquadrem na categoria "ações de competência originária" ficam de fora. É o caso do pedido de tutela provisória, da suspensão de segurança, do conflito de competência, do pedido de uniformização de interpretação de lei e das petições diversas (classe Pet).

O quinto, os vetos da Presidência da República tiveram importante carga valorativa.

A Presidência da República vetou o artigo 7º, IX-A, da Lei nº 8.906/94. O dispositivo previa como direito do advogado "sustentar oralmente, durante as sessões de julgamento, as razões de qualquer recurso ou processo presencial ou telepresencial em tempo real e concomitante ao julgamento".

Uma das razões do veto foi a incompatibilidade da previsão com os julgamentos no formato virtual, "que apresentaram incremento de eficiência, celeridade e digitalização do Poder Judiciário" [2], como tem acontecido no STF, em que a sustentação oral é gravada e inserida no sistema eletrônico, sendo assistida de forma assíncrona pelos julgadores.

Houve também o veto do artigo 7º, § 2º-A, do Estatuto da OAB.

A norma previa o direito à retirada do plenário virtual dos recursos e ações originárias por mero requerimento da parte interessada em proceder com a sustentação oral [3].

A razão do veto foi similar à justificativa em relação ao artigo 7º, IX-A, anteriormente referida. Ou seja, buscou-se preservar a continuidade dos julgamentos em plenário virtual, com a realização de sustentação oral de forma assíncrona, por meio de gravação em vídeo.

Com o veto, portanto, o advogado não tem direito à escolha de que seu processo seja julgado de forma síncrona (presencial ou telepresencial) ou assíncrona (plenário virtual).

Ocorre que a imensa maioria dos tribunais, embora se valha do plenário virtual, não possui ferramenta idêntica à do STF, que permite o envio eletrônico da sustentação oral "após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual" [4]. É o caso, por exemplo, do Superior Tribunal de Justiça, em cujo regimento interno não há previsão de envio de sustentação oral gravada em vídeo. O mesmo se diga do sistema de plenário virtual da corte, que não permite a inserção da sustentação por meio eletrônico.

Ou seja, para viabilizar o direito à sustentação oral previsto no artigo 7º, §2º-B, da Lei nº 8.906/94, é urgente que o STJ e demais tribunais em todo o país trilhem o caminho inaugurado pelo STF e alterem seus regimentos internos e seus sistemas eletrônicos de modo a permitir a realização de sustentações orais de forma assíncrona. Assim, poderão manter a experiência exitosa dos julgamentos em plenário virtual, evitando que as pautas das sessões síncronas fiquem repletas de sustentações orais em virtude da ampliação trazida pela Lei nº 14.365/2022.

Enquanto os tribunais não disponibilizarem o ferramental para permitir a realização da sustentação oral de forma assíncrona (por gravação em vídeo) em seus sistemas de plenário virtual, não haverá outra alternativa que não o deslocamento dos processos em que haja requerimento de sustentação oral para o julgamento síncrono (presencial ou telepresencial).


[1] No ponto, cabe lembrar que o STF, ao julgar o RE nº 1.240.999, entendeu que "A Constituição Federal não previu a inscrição na OAB como exigência para exercício do cargo de Defensor Público". Sobre o tema, vide GOES, Severino. Exigência de inscrição na OAB para defensor é inconstitucional, decide STF. Revista Consultor Jurídico, 1 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-nov-01/exigencia-inscricao-oab-defensor-inconstitucional. Acesso em: 3/6/2022.

[2] As razões dos vetos da Presidência da República podem ser lidas em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/despachos-do-presidente-da-republica-405081304. Acesso em: 3/6/2022.

[3] Artigo 7º, §2º-A. Incluídos no plenário virtual o julgamento dos recursos e das ações originárias, sempre que a parte requerer a sustentação oral em tempo real ao julgamento, o processo será remetido para a sessão presencial ou telepresencial.

[4] Confira-se o teor do artigo 21-B, §2º do Regimento Interno do STF, incluído pela Emenda Regimental nº 53, de 18 de março de 2020. Disponível em: https://www.stf.jus.br/ARQUIVO/NORMA/EMENDAREGIMENTAL053-2020.PDF. Acesso em: 3/6/2022.

Autores

  • é juiz federal, doutorando pela USP, mestre pela UFPE, professor da UFPE e do mestrado da Enfam, membro e diretor do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep).

  • é assessor de ministro do STJ, procurador do estado de Pernambuco, doutor e mestre pela USP, professor da UPE e da Asces/Unita, professor do mestrado profissional do Cers e membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo (Annep).

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