Avanços e retrocessos

Os desafios do Direito e do Judiciário nos dez anos do Código Florestal no Brasil

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4 de junho de 2022, 8h43

A conjuntura socioambiental atual, que facilita desmatamento e exploração de terras indiscriminadamente, além de avanço do garimpo, queimadas, diminuição na fiscalização e no número de servidores no setor do meio ambiente, e a judicialização em excesso são os principais entraves para a implementação do Código Florestal brasileiro, a Lei 12.651/2012, que completou dez anos no fim de maio.

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Código Ambiental completa dez anos
em um momento muito desafiador
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Para o Direito, o maior desafio em meio ao ritmo lento de implementação do código é superar os vários níveis de entendimento da nova lei nas diversas esferas judiciárias. A principal conclusão dos especialistas ouvidos pela ConJur é que a norma precisa avançar na direção de ser respeitada, em vez de sofrer alterações.

"Há uma somatória de forças negativas. Além da lentidão, existe a falta de uma política pública para trabalhar nesse setor. Se melhorou alguma coisa, é muito pouco em face do que se tem devastado", alerta Alfredo Coimbra, 3º procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo, que atuou por sete anos na Procuradoria de Interesses Difusos e Coletivos do MP paulista.

Sancionado em 25 de maio de 2012, o Código Florestal mudou as regras de proteção da vegetação em área particulares. Mas, dos mais de 6,5 milhões de imóveis rurais que cumpriram a obrigação de informar a localização e fornecer detalhes da mata nativa dentro da propriedade, segundo o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), somente cerca de 29 mil estão devidamente regularizados, algo em torno de 0,4% do total. As propriedades que já completaram o cadastro e aguardam avaliação totalizam área de 618 milhões de hectares, ou 72% do território nacional. Muitos cadastros ainda sequer foram feitos.

Primeiro passo
Nesses dez anos de existência, a implementação do código desenvolve ritmo muito lento. São previstas várias etapas de implementação, a começar pela inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é autodeclaratória e precisa ser validada. Sem o cumprimento dess fase, as demais não podem avançar.

"Há falta de efetividade. O Cadastro Ambiental Rural não foi conferido. Não funciona normalmente", alerta Talden Farias, advogado especialista em Direito Ambiental, professor da UFPB e UFPE e colunista da ConJur.

O CAR é um registro público gratuito e obrigatório para todos os imóveis rurais. Trata-se de uma espécie de raio-x das terras, que contém informações sobre a vegetação nativa remanescente e áreas de preservação permanente. Após o cadastro e a sua validação, deveria ter início a fase de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA).

Judicialização
Existia a expectativa de que a legislação florestal promovesse a regularização ambiental e, então, trouxesse garantia da manutenção e da proteção das florestas brasileiras, das áreas de proteção ambiental. Ao contrário, tem sido alvo de desmonte e propostas de alteração.

A coordenação da implementação das regras está a cargo do SFB, que anteriormente ficava sob administração do Ministério do Meio Ambiente. No governo Jair Bolsonaro, em 2021, o órgão foi transferido para o Ministério da Agricultura. Nesse novo setor, a diretoria de tecnologia de informação passou a atender a demandas de todo o ministério, o que causou sobrecarga de trabalho, dificultando as análises pelo SFB.

Nesses últimos dez anos, o Código Florestal sofreu cinco ações diretas de inconstitucionalidade, todas já resolvidas pelo Supremo Tribunal Federal. Foram cinco anos de espera para serem julgadas e depois outros dois anos para que o acórdão, composto por mais de 700 páginas, fosse publicado.

Mas há entendimentos já consolidados e diferentes do STF, principalmente no Superior Tribunal de Justiça e em instâncias inferiores.

"O STF declarou o código constitucional", destaca Helena Pinheiro Della Torre, especialista em Direito Ambiental. "Há muita judicialização nessa área. Há um formato de ação chamada reclamação. A dica é sempre trazer a demanda, quando houver, para o STF. Mas nem todos os colegas do Direito são dispostos a usar a ferramenta da reclamação".

Os entendimentos diferentes são relativos a partes específicas do código atual (os dois códigos anteriores são de 1934 e 1965). Também há necessidade de os estados da federação terem suas legislações específicas. "Mas o estado que não tem legislação específica segue o termo federal", alerta Helena.

Aquém do desejado
Principal legislação ambiental no Brasil, o Código Florestal é a ferramenta mais importante para conter desmatamento e promover a produção sustentável. É fundamental para a produtividade agrícola, para quem mora no campo e também para o cidadão que vive nas cidades.

A lentidão em sua implementação está atrelada à falta de vontade política e de planejamento. "Prometeram muito mais do que entregaram. Falta estrutura aos órgãos ambientais nos estados também. A judicialização atrapalha, mas o principal problema é de âmbito administrativo", ressalta Talden Farias.

Na lista da estrutura deficiente está a falta de integração entre órgãos ambientais em todos os níveis de governo. Mas faltam também recursos humanos e financeiros e planejamento para ajudar na implementação e no cumprimento e fiscalização, o que provoca abalos na segurança jurídica, segundo o Observatório do Código Florestal (OCF), uma rede formada por 28 instituições da sociedade civil que tem como missão monitorar a implementação da lei florestal no Brasil. Essa insegurança jurídica e a lentidão têm como consequência o afastamento de investimentos e perda econômica.

"A OAB reivindica os interesses difusos e coletivos. O Ministério Público deve cobrar, os advogados devem cobrar a implementação do código. Cada um deve fazer sua parte", diz Farias.

É a primeira vez que a legislação florestal brasileira cria um processo de implantação e um instrumento de monitoramento dessa implantação, com um Programa de Regularização Ambiental e um Cadastro Ambiental Rural.

Ela foi criada após longa queda de braço entre ruralistas e ambientalistas e contou com mais de 200 audiências públicas. A nova legislação concedeu perdão a crimes ambientais cometidos até 22 de julho de 2008. Naquela época, estimativa de valor de multas perdoadas ultrapassava R$ 8 bilhões.

Atualmente, para que as propriedades possam estar inseridas no programa de regularização ambiental, caso estejam dentro das normas previstas no Código Florestal, é necessária a validação dos dados inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Validação que anda lentamente hoje. De acordo com o Ministério da Agricultura, cabe aos estados analisarem o CAR. Ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão coordenador da política ambiental em todo território nacional, cabe dar suporte e buscar meios para dar andamento adequado a esse processo, segundo o governo federal.

Entretanto, os números mostram que esse suporte não é efetivado. Segundo boletim do SFB, nove unidades da federação não chegaram a concluir a análise do CAR: Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Roraima.

Informações do Observatório do Código Florestal mostram que os estados e o Distrito Federal apresentam dificuldades e ausência de técnicos para executar a política ambiental. O número de integrantes das equipes para atender à agenda de CAR e PRA é insuficiente ou não está direcionada exclusivamente para as demandas do Código Florestal.

Para o advogado Rudi Alberto Lehmann Júnior, sócio fundador do escritório Warde Advogados, além da falta de equipamentos e de mão de obra para ajudar na implementação do Código Florestal, o movimento que se percebe hoje no Brasil em relação à preservação ambiental é igual ao registrado anteriormente à promulgação da legislação , há dez anos.

"Aumentou o número de queimadas nas florestas, da venda de madeira, da existência de gado em nome de terceiros, do garimpo. Se faz tudo o que já se fazia antes de 2008. Há um movimento que acredita que haverá flexibilização da legislação. São atitudes que eram observadas no começo da década passada, nos anos 2000".

'Existe a falta de uma política pública em relação à proteção ambiental. A morosidade é muito grande. Além da demora pela falta de estrutura, que faz os processos caminharem anos nos tribunais, é preciso entender que a reconstituição de um maciço florestal, por exemplo, terá cerca de duas décadas. Ou seja, as futuras gerações podem ser prejudicadas", analisa o desembargador Alfredo Coimbra.

Para ele, o Direito Ambiental é muito pouco compreendido no Brasil, e o desenvolvimento econômico-social deve estar atrelado ao meio ambiente. "Temos a obrigação de não deixar verdadeiros desertos nas terras brasileiras para as gerações futuras", conclui Coimbra.

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