Público & Pragmático

Inovação tecnológica, fretamento colaborativo e regulação digital

Autor

  • Gustavo Justino de Oliveira

    é professor doutor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito na USP e no IDP (Brasília) árbitro mediador consultor advogado especializado em Direito Público e membro integrante do Comitê Gestor de Conciliação da Comissão Permanente de Solução Adequada de Conflitos do CNJ.

31 de julho de 2022, 8h03

É evidente que o Estado vem sendo impactado constantemente pelo uso das novas tecnologias digitais, o que gera grandes desafios à implantação do governo digital, da administração pública eletrônica, inserção de plataformas digitais para intermediação de serviços prestados ao público em meio à assim chamada "economia compartilhada", relações negociais com startups e govtechs, e assim por diante.

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Ante a eclosão da pandemia Covid-19, a digitalização do cotidiano foi uma medida que se impôs e continua se impondo no cenário pós-pandemia, no qual a inovação tecnológica não pode mais significar enfrentar o tema de modo extravagante ou excepcional: o mindset do setor público como um todo foi profunda e definitivamente modificado frente aos impasses e dilemas que a era digital promove no trato do serviço público.

A disparidade no trato estatal da inovação tecnológica, em conjunto com eventuais renitências na incorporação ou (o que seria pior) o não reconhecimento da tecnologia em si pela administração pública, em contradição às novas tendências observadas no seio do mercado e da sociedade civil, acaba por produzir graves assimetrias regulatórias, com o condão de gerar perfis regulatórios abertamente disfuncionais, inúmeras vezes desalinhados e anacrônicos, frente a atividades ou serviços intrinsecamente similares ou dotados de regime jurídicos similares. Portanto, é imperioso considerarmos a imersão em uma nova onda regulatória, consubstanciada em uma regulação digital.

Para desenvolver tal hipótese, é possível utilizarmos como estudo de caso a plataforma digital de fretamento colaborativo Buser, conhecida como "Uber de ônibus", que atua em parceria com empresas autorizatárias de transporte rodoviário fretado. Assemelha-se, dessa forma, ao transporte coletivo rodoviário regular, porém, juridicamente jaz qualificado como transporte fretado.

Muitas vezes, as diferenças materiais entre os institutos não são compreendidas e qualificadas por agentes tradicionais do mercado e agências reguladoras do setor, que denunciam uma suposta atuação indevida. Esses agentes enxergam atuação irregular ao entenderem por uma suposta identidade material com a atividade, a qual se atribui o regime jurídico de serviço público, o transporte coletivo rodoviário regular de passageiros, que demandaria concessão ou permissão para sua devida delegação.

A rigor, talvez a atuação da Buser devesse ser considerada, assim como a Uber, serviço de interesse econômico geral, uma vez que os serviços econômicos de interesse geral não consideram certas características mais rígidas características do serviço público. Tal conceito parece servir de referencial dogmático para esclarecer os pontos cegos de regimes jurídicos nos quais empresas como a plataforma em questão acabam se inserindo.

Portanto, na seara da inter-relação entre regulação estatal e inovação tecnológica, não deveriam ser esperadas do órgão regulador posturas que rivalizem pura e simplesmente "inovação" e "regulação".

Em verdade, o que deve ser evitado e combatido são posturas regulatórias que impinjam adversidades e restrições desproporcionais aos players do setor regulado, originadas em um olhar enviesado, inadequado ou mesmo anacrônico da atividade sobre a qual incida a regulação, sobretudo quando tal atividade é estimulada ou intermediada por inovações de cunho tecnológico, de acordo com as novas tendências dos nossos tempos.

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