Doutrina Brady

Condenação é anulada nos EUA porque promotor escondeu prova favorável ao réu

Autor

30 de julho de 2022, 7h43

O Tribunal Superior de Michigan, nos Estados Unidos, anulou a condenação de três homens, presos e acusados de homicídio em 2009, quando ainda eram adolescentes, porque a polícia e a promotoria esconderam provas testemunhais a favor dos réus — uma clara violação da "doutrina Brady".

Reprodução
Reprodução     Tribunal Superior de Michigan anulou condenações devido à ocultação de provas

A decisão do tribunal, por 4 votos a 3, esclareceu que a acusação nunca entregou à defesa a transcrição do interrogatório, pela polícia, de uma testemunha essencial para o processo. A defesa recebeu apenas um sumário dos interrogatórios de testemunhas, sendo que descobriu, mais recentemente, que havia imprecisões e informações ausentes no sumário.

À defesa só foi entregue posteriormente a transcrição do testemunho essencial e de outros testemunhos porque foi requerida ao estado a disponibilização de documentos do caso, por meio da Lei da Liberdade de Informação (Freedom of Information Act — Foia). Os documentos também revelaram que houve inconsistências entre o primeiro interrogatório, o segundo e o testemunho no julgamento.

A principal questão perante os ministros do tribunal superior não era se a falha resultou de má conduta dos promotores, pois todos os ministros concordaram que esse foi o caso. A questão era se o conhecimento da transcrição pela defesa teria feito a diferença entre condenação e absolvição.

O voto da maioria foi escrito pela presidente do tribunal, ministra Bridget Mary McCormack, com adesão dos três outros ministros liberais da corte.

"Um dos princípios fundamentais de nosso sistema jurídico criminal é o de que o estado não pode esconder provas do acusado — especialmente prova exculpatória. Mas você não precisa cursar a faculdade de Direito para entender que a justiça fundamental requer que o governo divulgue prova que põe em dúvida a culpa de um indivíduo, quando o acusa de crime", diz a decisão.

Segundo o voto, foi o peso dos erros e das inconsistências que levou a maioria a concluir que um novo julgamento seja realizado. Assim, a decisão, que reverteu decisões de duas cortes inferiores, remete os autos de volta ao fórum criminal no Condado de Genesse para novo julgamento.

O voto dissidente da minoria (dos três ministros conservadores da corte), escrito pela ministra Beth Clement, afirma que a defesa teve a oportunidade de questionar as provas testemunhais apresentadas no julgamento, por meio de uma inquirição cruzada vigorosa das testemunhas.

"Inconsistências são comuns em testemunhos oculares e não produzem, necessariamente, prova da relevância das inconsistências". Mas, para a ministra, o atual advogado pode apresentar um caso alegando que o réu, na época, não teve uma boa representação jurídica.

Doutrina Brady
A Doutrina Brady (Brady Rule) é bem conhecida dos promotores e, de uma maneira geral, de todos envolvidos com o Direito, pois já é antiga: foi estabelecida em 1963, na decisão da Suprema Corte no caso Brady v. Maryland, 373 U.S. 83, segundo o Legal Information Institute da Cornell Law School.

Basicamente, ela requer que os promotores apresentem à defesa provas exculpatórias relevantes em posse do governo. A revelação à defesa de "prova favorável ao acusado" (Brady material) é requerida dos promotores mesmo que negue a culpa do réu, que reduza a sentença a ser imposta a um condenado ou que ponha em dúvida a credibilidade de uma testemunha.

Se a promotoria não entregar à defesa qualquer prova exculpatória relevante, como determina essa regra, em prejuízo do réu, a prova (da promotoria) será suprimida, não importa se o promotor sabia que a prova estava à sua disposição ou se a escondeu da defesa de forma intencional ou inadvertida.

Em outras decisões — Kyles v. Whitley 514 U.S. 419, 434 (1995) e United States. v. Bagley, 473 U.S. 667 (1985) —, a Suprema Corte eliminou a exigência de o réu requerer informações que lhes sejam favoráveis, declarando que a promotoria tem o dever constitucional de divulgá-las, o que é disparado pelo possível impacto de provas favoráveis, mas não divulgadas.

Para recorrer,  a defesa tem o ônus de provar que a prova omitida era favorável e relevante — isto é, deve provar que há uma "probabilidade razoável" de que o resultado do julgamento teria sido diferente se a prova fosse disponibilizada pelo promotor.

Há quatro aspectos a serem considerados. Primeiro, a "probabilidade razoável" de um resultado diferente não é uma questão sobre se o réu iria, provavelmente, receber um veredicto diferente com a prova, mas se a supressão da prova pela promotoria mina a confiança no resultado do julgamento.

O segundo aspecto é o de que o réu não precisa se preocupar com uma suficiência de provas, mas apenas demonstrar que a prova favorável omitida poderia colocar o caso sob uma perspectiva diferente, de forma a estremecer a confiança no veredicto.

O terceiro é o de que não há necessidade de examinar se houve apenas uma mera irregularidade, porque, por definição, a violação da Doutrina Brady não pode ser tratada dessa forma.

O quarto aspecto sobre a relevância é o de que a prova omitida deve ser considerada coletivamente, não item por item, examinando-se o efeito cumulativo para determinar se uma probabilidade razoável é atingida.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!