Opinião

Defesa de sócios e administradores em execuções fiscais e o efeito do IRDR 

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28 de julho de 2022, 20h16

O IDPJ (incidente de desconsideração da personalidade jurídica), inaugurado pelo artigo 133 do Código de Processo Civil (CPC/15), tem como finalidade oportunizar a sócios/gestores a defesa prévia contra a imputação de responsabilidade por dívidas das empresas, evitando desarrazoado bloqueio de seus bens pessoais.

No rito da execução fiscal, o IDPJ configuraria importante mecanismo processual especialmente para os representantes de pessoas jurídicas que não tiveram a oportunidade de se defender na esfera administrativa e que foram surpreendidos com pedidos de redirecionamento das cobranças já na esfera judicial.

Sem a instauração do IDPJ, a apresentação de defesa judicial plena somente é permitida mediante a garantia integral do crédito tributário e posterior oposição de embargos à execução fiscal. Sendo assim, a única alternativa é a apresentação de exceção de pré-executividade, que é limitada apenas às matérias de ordem pública e que não demandem dilação probatória.

A Lei nº 6.830/1980 (LEF/80), que regula o rito das execuções fiscais, prescreve em seu artigo primeiro a aplicação subsidiária do CPC/15 quando aquela for omissa. Com base no artigo 133 do CPC/15 e tendo em vista que a LEF/80 é omissa sobre o tema, bem como nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, os contribuintes defendem a aplicação do IDPJ nas execuções fiscais, para que seja previamente apurada a responsabilidade tributária de sócios e administradores, com ampla produção de provas e sem a necessidade de garantia.

Afinal, com o intuito de ver satisfeito o crédito tributário, não raras vezes o pedido de redirecionamento da execução fiscal é realizado indistintamente para todos os representantes da pessoa jurídica, sem uma prévia apuração individualizada das condutas e infrações supostamente praticadas.

Como se não bastasse, os fiscos atualmente são contrários à aplicação do IDPJ às execuções fiscais, com especial fundamento nos argumentos puramente principiológicos de celeridade processual e prevalência da norma específica (LEF/80) sobre a norma geral (CPC/15), mesmo em se tratando de norma mais antiga e omissa sobre o tema específico.

Nesse contexto, os tribunais enfrentam hoje intenso debate rumo à definição dessa controvérsia processual que gera insegurança jurídica no ambiente empresarial e aumento da litigiosidade em matéria tributária.

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) encontra-se dividido entre a 1ª Turma que entende pela compatibilidade do IDPJ à execução fiscal em determinadas hipóteses, em linha com o entendimento dos contribuintes, e a 2ª Turma que entende pela sua total incompatibilidade, conforme defendem os fiscos.

Em que pese a atual indefinição da Corte Superior, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), por meio de seu Órgão Especial, composto por 18 desembargadores, antecipou-se à uniformização da jurisprudência em sua jurisdição (estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul).

Em fevereiro de 2021, no julgamento de IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) [1], o Órgão Especial do TRF-3 definiu que a instauração do IDPJ é indispensável para a comprovação de certas hipóteses de responsabilidade tributária (exemplo: formação de grupo econômico, dissolução irregular, confusão patrimonial, dentre outras), desde que o representante não tenha sido incluído na certidão de dívida ativa.

No entanto, o que parecia ser um ponto final à controvérsia no âmbito do TRF-3, dada a força vinculante do IRDR para todos os processos daquela jurisdição (artigo 985 do CPC/15 [2]), na prática, não surtiu os efeitos legitimamente esperados pelos contribuintes.

Conforme levantamento realizado pelo escritório BVZ Advogados, os acórdãos mais recentes da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 6ª Turmas, competentes para julgar matéria de direito público no TRF-3, são atualmente contrários à aplicação do IDPJ nas execuções fiscais, mesmo para os casos que se amoldam à tese fixada no IRDR.

Em síntese, o fundamento que predomina perante as Turmas Julgadoras é de que a interposição de recurso extraordinário e especial pela União, nos autos do IRDR, teria efeito suspensivo automático, sob a interpretação do parágrafo primeiro do artigo 987 do CPC [3]. Assim, fundamentam que seria necessário aguardar a definição dos Tribunais Superiores (STF e STJ) sobre o tema, antes de ser imediatamente aplicado o IDPJ nas execuções fiscais.

Ocorre que, ao assim decidirem, os magistrados não só estão se posicionando contra o Órgão Especial de seu próprio Tribunal como também esvaziando a finalidade do IRDR de uniformizar a jurisprudência sobre causas que versam sobre idêntica controvérsia jurídica, em violação aos princípios da segurança jurídica, da economia processual e da isonomia.

O próprio STJ reconhece que a atribuição de efeito suspensivo aos recursos interpostos, por si só, não impede que o magistrado aplique desde já a tese firmada no IRDR. Esse, inclusive, foi o entendimento manifestado em decisão monocrática no STJ que indeferiu o pedido de tutela provisória nº 3628-SP, formulado pela União, nos autos do mesmo IRDR.

Frise-se, ainda, que não há qualquer determinação dos Tribunais Superiores para suspensão nacional de processos que tratem do tema, tal como previsto no parágrafo terceiro do artigo 982 do CPC/15 [4], o que também justifica a imediata produção de efeitos da decisão do Órgão Especial.

Assim, sob uma interpretação teleológica e sistemática do Código de Processo Civil, não restam dúvidas quanto à intenção do legislador de prestigiar os precedentes obrigatórios e o próprio dever dos tribunais de uniformizarem a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, por força do art. 926 do CPC/15 [5].

Nesse sentido, aguardar uma definição futura e ainda incerta dos Tribunais Superiores, em detrimento de posição atual e já consolidada pelo Órgão especial em IRDR, é medida que fomenta a insegurança jurídica e desincentiva a atividade empresarial que, atualmente, se vê à margem do devido processo legal para a apuração da responsabilidade tributária de seus representantes sobre débitos contraídos pela pessoa jurídica.

Nesse cenário, é fundamental que os magistrados do TRF-3 prestigiem o entendimento firmado em IRDR pelo seu Órgão Especial, que historicamente vem assumindo a vanguarda na formação de jurisprudência sobre temas complexos e com repercussão nacional.


[1] IRDR nº 0017610-97.2016.4.03.0000

[2] Artigo 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II – aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do artigo 986 .

§1º Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.

[3] Artigo 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

§1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.

[4] Artigo 982. Admitido o incidente, o relator: (…)

§3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no artigo 977, incisos II e III , poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

[5] Artigo 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

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