Truque de mestre

MP de Minas redireciona processo para forçar júri em Brumadinho

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21 de julho de 2022, 12h24

Depois de três anos investigando a tragédia de Brumadinho, o Ministério Público Federal em Minas Gerais apurou alguns fatos no garimpo de provas para apresentar uma denúncia: o desastre afetou sítios arqueológicos, provocou danos a terras indígenas e teve em sua origem falsificação de laudos — considerados crimes federais.

Antonio Cruz/Agência Brasil

A Polícia Federal e um grande centro mundial de estudos geológicos da Catalunha (Espanha) chegaram à mesma conclusão em enciclopédicas perícias, cheias de cálculos de engenharia: a tragédia resultou da execução inadequada de um procedimento que visava aumentar a segurança da barragem por empresa terceirizada. Ou seja: a decorrência do erro foi catastrófica. Mas foi um acidente.

Paralelamente, a Procuradoria-Geral de Justiça de Minas, patrocinou uma campanha pungente, escorada no argumento de que a punição devida pela morte de 272 pessoas seria a prisão dos então executivos da Vale. Por uma via que, naturalmente, não precisa valorar provas: um júri popular na cidade de Brumadinho, a cidade mais diretamente atingida. A acusação: homicídio doloso. Ou seja: os executivos teriam premeditado o morticínio.

Quando o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a competência para o julgar o caso é da justiça federal, o Ministério Público em Minas encontrou uma fórmula fulminante para manipular a competência. A ala federal, habilmente, desistiu da titularidade das acusações e "absolveu" os ex-executivos dos crimes federais e pediram à juíza da 9ª Vara Federal Criminal de Minas para cair fora do caso.

No campo cível, por acordo ou decisões judiciais, a Vale já tem contingenciados R$ 49 bilhões, que vêm sendo gastos, por exemplo, com a construção de uma ponte de dois quilômetros na cidade onde vive a família do procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior. A cidade fica a cerca de 500 quilômetros de Brumadinho e quem fez o acordo com a Vale foi o próprio procurador.

Para empreitar a manobra de esvaziar a afetação de sítio arqueológico, de terras indígenas e o crime de falso, o MPF desenhou uma nova teoria doutrinária e jurisprudencial — a de que os crimes federais teriam sido um meio para os "homicídios", tese que o MPF sempre refutou, quando requerida pela defesa.

Ainda sobre os sítios arqueológicos, o MPF concluiu que não há indício de que pessoas físicas sabiam dos danos causados. Logo, a imputação ocorreria apenas contra a pessoa jurídica. Evitou-se a jurisprudência que não admite ação penal apenas contra pessoa jurídica. Trabalhando o silogismo de que não houve dolo de pessoa física no caso dos sítios arqueológicos, os procuradores deverão demonstrar que o mesmo raciocínio não vale para o caso dos "homicídios".

A primeira tentativa de bloquear a manobra no Supremo Tribunal Federal não funcionou. O ministro Edson Fachin, em decisão monocrática, deu provimento ao recurso extraordinário da acusação e reverteu decisão unânime de cinco ministros do STJ — o que gerou agravo interno com base na jurisprudência e no Regimento Interno da Corte, que veda a possibilidade.

O autor do recurso, advogado Eugênio Pacelli, ex-procurador da República, relata "várias surpresas nesse processo, além das conhecidas pressões externas para que o julgamento seja realizado por um júri em Brumadinho". Para o defensor, "talvez o fracasso da ação penal de Mariana tenha levado a esse tipo de movimento".

Clique aqui para ler o recurso levado ao STF

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