Defesa da Concorrência

TCU, Cade e Antaq: finalmente um final feliz sobre THC2?

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20 de julho de 2022, 12h24

A cobrança do serviço de segregação e entrega ("SSE" ou "THC2") por operadores portuários talvez seja o melhor exemplo de decisões conflitantes dentro da própria Administração Pública, perpassando por discussões quanto à ilegalidade e/ou abusividade da cobrança, elevando as preocupações quanto à insegurança jurídica ao longo dos últimos vinte e cinco anos

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Apenas para fins de contextualização, a THC2 se refere à cobrança exigida pelos operadores portuários (ou terminais molhados) em relação aos recintos alfandegados retroportuários (ou terminais secos) que atuam na prestação do serviço de armazenagem alfandegada. Por sua vez, os operadores portuários que realizam a carga e descarga dos navios também atuam na prestação do serviço de armazenagem alfandegada, ou seja, concorrem com os terminais secos. Ocorre que a THC2 é cobrada apenas dos terminais secos e o operador portuário possui posição dominante para impor cobranças elevadas aumentando os custos dos rivais, gerando claros impactos anticoncorrenciais.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já se manifestou reiteradas vezes quanto à ilegalidade e/ou abusividade da cobrança da THC2, inclusive no mais recente julgamento de mérito ocorrido pela autoridade concorrencial, em que o Tribunal Administrativo entendeu que 1) a cobrança da THC2 ocorre em duplicidade, uma vez que os custos já estão incluídos na box rate; 2) o operador portuário não cobra pelo "serviço" quando atua de forma verticalizada; e 3) a cobrança não possui justificativa econômica razoável [1].

No último mês [2], o Tribunal de Contas da União (TCU) declarou por unanimidade, que a cobrança da THC2 é ilegal. Determinou, inclusive, a anulação pela Antaq de todos os dispositivos da Resolução nº 72/2022 que dizem respeito à possibilidade de cobrança da THC2.

Na visão do ministro relator Vital do Rêgo, a Resolução nº 72/2022, após dez anos da Resolução nº 2.389/2012 "foi uma tentativa de dirimir a controvérsia", contudo, "não foi feliz na busca pela pacificação do assunto". Do cotejo da análise comparativa entre as duas resoluções citadas, o ministro relator levantou duas indagações: 1) o que seria o serviço de segregação e entrega cobrado apenas quando o operador portuário não realiza a armazenagem da carga, mas sim os armazéns independentes; 2) por qual razão a THC2 é devida apenas na importação, não sendo sequer mencionada na exportação.

Destacou que o caminho percorrido pela carga, seja armazenada pelo operador portuário, seja armazenada pelos terminais secos é o mesmo, a diferença está apenas em quem vai receber pela armazenagem. Ou seja, se o importador pode optar por armazenar a carga com o operador portuário, no terminal molhado, ou com os armazéns independentes. O detalhe crucial é que quando o operador portuário armazena a carga, não há cobrança de qualquer valor adicional a título de THC2, porém, quando os terminais secos armazenam a carga, o operador portuário cobra a THC2.

Sendo assim, a permissão para cobrança de THC2 torna provável o aumento dos custos dos rivais pelos operadores portuários e tais custos são repassados aos donos das cargas, quando o terminal não for escolhido para a armazenagem. Nesse contexto, o TCU pontuou que, consequentemente, há aumentos de custos para o consumidor final e ainda, que não há registro de cobrança de taxa idêntica em sistema portuário de nenhum outro país, sendo certo que não há como expressar os ganhos econômicos. Dessa forma, concluiu que a cobrança da THC2 é ilegal e não se coaduna com o ordenamento jurídico vigente.

Mas e a Antaq? Como tem se posicionado? Até o presente momento, não só tem considerado a cobrança lícita, como não tem considerado o posicionamento do Cade e, até a publicação do presente artigo, a decisão do TCU.

Em nossa leitura, s.m.j., é necessário, assim, um claro e imediato posicionamento da Antaq, acatando a determinação do TCU. Isso porque, todo este contexto contribui para a elevada insegurança jurídica para os agentes do setor portuário e para o abarrotamento do judiciário, uma vez que a divergência entre entes da Administração Pública leva os players atuantes no setor portuário a discutirem esses conflitos no Poder Judiciário por anos a fio e impedem, inclusive, investimentos em um dos setores mais importantes e promissores do País. Diante disso, é fundamental que a Antaq observe a decisão do TCU para  de fato  afastar os problemas concorrenciais resultantes da cobrança daTHC2, com o consequente aperfeiçoamento regulatório e concorrencial do mercado portuário.

 


[1] Processo Administrativo nº 08700.005499/2015-51. Voto do Conselheiro Relator Luiz Hoffmann.

[2] TCU. Acórdão 1448/2022, Plenário, relator ministro Vital do Rêgo, julg. 22 jun. 2022.

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