Opinião

Assédio sexual ou mera paquera? Cuidado, a confusão pode ser desastrosa

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  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

13 de julho de 2022, 13h12

As palavras, tanto na forma oral quanto na escrita, de uns tempos para cá, vêm causando sérios problemas, notadamente para os homens.

É comum, no ambiente de trabalho, seja na esfera pública ou na privada, flertes com um colega de trabalho (homem ou mulher). E, a depender da hipótese, notadamente por quem é mais sensível ou suscetível a influências, confundir mera paquera flerte com assédio sexual, conduta esta criminosa e inadmissível.

E qual a diferença?

Há de se tomar cuidado, já que, não raras vezes, um mero convite para sair e tomar um chopp ou ir a um restaurante poderá dar a entender cuidar-se de assédio e não flerte ou paquera.

Assédio sexual é crime contra a dignidade sexual e vem previsto no artigo 216-A do Código Penal com a seguinte redação: "Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função: Pena — detenção, de um a dois anos".

Pode ser praticado pelo homem e pela mulher e ter como vítima ambos os sexos, malgrado seja mais cometido pelo homem em razão de sua natureza própria do sexo masculino. Além disso, o autor do delito deverá possuir superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função em relação à vítima.

De uma maneira bem simplista, subordinação hierárquica é concernente ao exercício de cargo ou função (setor público), ascendência está ligada ao exercício de emprego (setor privado).

Como o tipo penal exige que o agente se prevaleça de seu poder de mando, seja na esfera pública ou na privada, não é possível o assédio sexual envolvendo empregados ou funcionários de igual escalão, ou quando o empregado "assedia" o patrão ou outro empregado de maior autoridade.

Embora existam opiniões em contrário, não vejo como a relação entre professor e aluno possa configurar o delito, que exige superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, que não ocorre no caso. Pelas mesmas razões, não é possível o assédio sexual entre ministro religioso e fiel.

A conduta típica consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Constranger tem o significado de obrigar ou forçar a vítima a fazer, deixar de fazer ou permitir que se faça algo.

Para que consiga o constrangimento, o sujeito deverá prevalecer-se de sua superioridade hierárquica (setor público) ou ascendência profissional (setor privado).

Não é exigida ameaça explícita, pois a mera condição do sujeito ativo é apta a influenciar no ânimo da vítima, que se vê constrangida a fazer, deixar de fazer ou permitir que se faça algo. Assim, poderá caracterizar o delito o simples convite do patrão à empregada para jantar a sós em sua residência, dando a entender que a negativa resultará em retaliação.

Por outro lado, mesmo a ameaça justa, como a motivada despedida do emprego, poderá configurar o delito se houver o constrangimento (no caso de crime consumado), ou se o modo de execução for apto para tanto (no caso de crime tentado).

Por óbvio, a ameaça injusta também é apta a configurar o assédio, como, quando há promessa de influenciar o diretor ou gerente a não promover a vítima de posto.

O assédio pode dar-se por qualquer meio (palavras, gestos, cartas etc.). Entretanto, havendo violência ou grave ameaça para o constrangimento ao ato sexual, o crime será o de estupro.

O intuito do agente ao proceder ao constrangimento deve ser a obtenção de vantagem ou favorecimento sexual de quaisquer espécies (elemento subjetivo do tipo). Vantagem significa ganho ou benefício, enquanto favorecimento quer dizer agrado. São termos correlatos, sendo muito difícil diferenciá-los na análise do caso concreto. Basta, portanto, para a configuração do delito, que a intenção do agente seja a obtenção de benefício sexual.

São exemplos desse crime, o convite do delegado à investigadora para irem a um motel, sob pena de transferência do local de trabalho; os afagos feitos no corpo da secretária pelo patrão, quando aquela se vê obrigada a aceitá-los com justo receio de despedida do emprego.

Enfim, dá para perceber a clara diferença entre uma mera paquera ou flerte com assédio sexual; no entanto, tem se tornado comum, até mesmo com outras intenções não nobres, acusar o chefe ou algum superior hierárquico de assédio sexual e lançar o fato na imprensa, onde os danos causados à honra e a imagem do pretenso autor do fato são terríveis e dificilmente serão reparados.

Por isso, muito cuidado ao paquerar alguém do emprego, notadamente se houver ascendência hierárquica ou profissional, lembrando que há forte corrente doutrinária e jurisprudencial de que pode haver assédio sexual entre professor e aluno, o que é comum ocorrer.

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