Licitações e Contratos

Licitações internacionais e exigências dos órgãos competentes

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

1 de julho de 2022, 8h02

1. A base do sistema
O artigo 42 da Lei nº 8.666/93 estabelece que nas concorrências de âmbito internacional o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às "exigências dos órgãos competentes".

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Tal dispositivo sempre foi entendido como plenamente aplicável em todas as modalidades licitatórias, inclusive, no pregão de âmbito internacional.

Por outro lado, os artigos 28 a 31 da mesma lei listam diversos documentos que devem ser apresentados nas licitações internacionais, igualmente, por empresas brasileiras ou estrangeiras.

Nesse contexto, o artigo 32, § 4º, prevê que "as empresas estrangeiras que não funcionem no país, tanto quanto possível, atenderão, nas licitações internacionais, às exigências dos parágrafos anteriores mediante documentos equivalentes…".

Já o artigo 52 da Lei nº 14.133/2021 estabelece que, "nas licitações de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes".

E o artigo 70, parágrafo único, da nova Lei de Licitações e Contratos, acima citada, estabelece que "as empresas estrangeiras que não funcionem no País deverão apresentar documentos equivalentes, na forma de regulamento emitido pelo Poder Executivo federal". Essa parte final, sobre regulamento, é bastante aguarda por gestores públicos e licitantes.

Por fim, em face dos artigos 62 a 69 da nova lei, em tese, todas as empresas, brasileiras ou estrangeiras, devem apresentar os documentos de habilitação, havendo apenas aquela notável diferença já ponderada acima, da lei mais antiga para a nova.

Em síntese, o sistema tem dois pressupostos a serem considerados nas licitações internacionais:

1º) atendimento às exigências dos órgãos competentes; e

2º) apresentação de documentos equivalentes, "tanto quanto possível" ou, como posto agora, "na forma de regulamento emitido pelo Poder Executivo federal".

Este artigo adiciona ao contexto algumas notas sobre esses enquadramentos de conceitos, em específico, no aspecto dos órgãos a serem considerados para produtos e serviços.

2. Os órgãos competentes
Em primeiro lugar, cabe lembrar que em se tratando de importações diretas não se pode deixar de observar minimamente o Decreto nº 6.759/2009, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior, conhecido como "Regulamento Aduaneiro".

O citado decreto estabelece em seu artigo 550 que "a importação de mercadoria está sujeita, na forma da legislação específica, a licenciamento, por meio do Siscomex", constando em seu parágrafo primeiro que "a manifestação de outros órgãos, a cujo controle a mercadoria importada estiver sujeita, também ocorrerá por meio do Siscomex".

Já a Portaria nº 23/2011, da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que dispõe sobre as operações de comércio exterior, determina em seu artigo 4º que "os órgãos da administração direta e indireta que atuam como intervenientes no comércio exterior serão credenciados nos módulos administrativos Siscomex para se manifestarem acerca das operações relativas às suas áreas de competência, quando previsto em legislação específica".

Existem vários órgãos anuentes no Siscomex, podendo haver necessidade de anuência de mais de um deles, simultaneamente, para que determinado produto possa ser importado para o Brasil, inclusive, em casos de licenciamento não-automático, ou seja, antes do embarque da mercadoria no país de origem.

São órgãos anuentes: Agência Nacional do Cinema (Ancine), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Petróleo (ANP), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Comando do Exército, do Ministério da Defesa (Comexe), Comissão de Coordenação do Transporte Aéreo Civil (Cotac), Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Departamento de Operações de Comércio Exterior (Decex), Departamento de Polícia Federal (DPF), Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Ministério da Defesa, Secretaria de Produção e Agroenergia (Spae), Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).

A força dos anuentes é tamanha que se impõem modificações no edital da licitação, bastando ilustrar o caso das aquisições de medicamentos, que precisam atender às regras da Anvisa e as aquisições de armas que não podem passar sem o crivo do Exército.

Por outro lado, ainda devem ser consideradas as leis, os decretos e as normas editadas não apenas nas áreas dos órgãos anuentes, mas também a legislação aplicável e a editada por órgãos brasileiros de regulação e fiscalização profissional. Por exemplo, para licitações de obras e serviços de engenharia (construção, reforma etc) — considerar que os Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia (Creas) seguem a Lei nº 5.194/66, relativa ao exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro-agrônomo, além de outros diplomas normativos e, ainda, aos atos editados pelo Confea (Conselho Federal), cujas atribuições advêm da lei e com base nelas são editadas normas, por exemplo, relativas ao acervo de atestados de capacidade técnica (qualificação).

Esses exemplos não são exaustivos, mas apenas ilustrativos, sendo suficientes para que se perceba que órgão competente é aquele que, pela legislação brasileira, supervisiona e/ou fiscaliza determinada atividade em território brasileiro e cuja competência não pode ser desconsiderada nos editais de licitação, até por observância ao princípio da legalidade, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal.

Além disso, pelos princípios da isonomia e da igualdade de tratamento, do inciso XXI do artigo constitucional acima citado, do artigo 3º da Lei nº 8.666/93 e do artigo 5º da Lei nº 14.133/2021. não é permitido ao agente público deixar ocorrer a disputa entre licitantes que estão em situação regular e outros em situação irregular perante cada ramo de atividade empresarial ou com os produtos regulares e outros ilícitos para importação, distribuição e comercialização.

3. A conclusão
Em matéria de licitações internacionais os agentes públicos e os licitantes precisam compreender claramente o sentido da expressão "órgãos competentes", tendo em vista que a resposta para cada demanda estará em sua respectiva legislação específica, de produto ou serviço.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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