Opinião

O caráter misto da decisão agravada no recurso especial e no extraordinário

Autor

  • Jhonatan Morais Barbosa

    é advogado criminalista especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Ebradi cursa o LLM em Processo e Recursos nos Tribunais Superiores pelo IDP-Brasília é membro da Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas) e da Aacrimesc (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina).

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21 de janeiro de 2022, 11h12

No âmbito do segundo grau de jurisdição, em que se tem um papel fundamental de esgotamento da matéria fático-probatória por meio dos recursos ordinários, o presidente ou vice-presidente do tribunal de origem desempenha a função de preparador dos chamados recursos extraordinários, quais sejam: o recurso especial e o recurso extraordinário.

Mostra-se necessário deixar consignado, desde já, que as regras processuais acerca da interposição de recursos para instâncias superiores (STJ e STF), disciplinadas pelo CPC/2015, também são aplicáveis em matéria penal, a teor do artigo 3º do CPP.

Desta feita, não obstante a interposição de recurso para a instância superior, seja para o STJ ou para o STF, a admissibilidade primária é realizada pelo tribunal estadual, na qual o presidente ou vice-presidente poderá negar seguimento ou inadmitir os reclamos excepcionais.

Isso ocorre por conta do crescente número de processos dirigidos para as cortes superiores. Em 2021, o STJ concluiu um número 11,77% maior de demandas em comparação com o ano de 2020. Foram baixados 390.996 processos, contra 349.837 no ano anterior [1].

Da decisão que nega seguimento ou inadmite a remessa dos reclamos excepcionais para as instâncias superiores, a parte recorrente que se sentir prejudicada poderá agravar a decisão nos termos dos artigos 1.021 (agravo interno) e 1.042 (agravo nos próprios autos), ambos do CPC/2015, conforme preconiza o artigo 1.030, §1º e § 2º, do mesmo diploma legal.

No entanto, é necessária parcimônia na interpretação do artigo 1.030 do CPC/15, com a redação proveniente da Lei nº 13.256/2016. Em primeiro lugar, adianta-se que a decisão agravada poderá ter ou não o chamado caráter misto, ou seja, em uma parte ela poderá não admitir o manejo do recurso e na outra parte negar seguimento, o que objetiva a interposição de dois recursos concomitantes contra a mesma decisão, ou apenas negar e inadmitir como um todo.

Na parte da decisão que o presidente ou vice-presidente negar seguimento aos reclamos excepcionais, caberá no prazo de 15 dias o agravo interno nos termos do artigo 1.021 do CPC/2015.

De posse do recurso interposto, o agravado será intimado para oferecer contrarrazões no mesmo prazo de 15 dias. Com ou sem manifestação do recorrido, os autos serão conclusos ao juízo monocrático que deverá manter ou se retratar da decisão agravada [2]. Dessa forma, se houver retratação os autos serão encaminhados à instância superior, caso contrário, será incluída em pauta para julgamento pelo órgão competente, qual seja, a câmara de recursos delegados do próprio tribunal de origem de que o presidente ou vice-presidente faz parte [3].

No entanto, na parte da decisão em que o presidente ou vice-presidente não admitir o manejo dos reclamos excepcionais, caberá no prazo de 15 dias o agravo previsto no artigo 1.042 do CPC/2015. De mesmo modo, o agravado será intimado para oferecer contrarrazões no mesmo prazo de 15 dias. Após, os autos serão conclusos ao juízo monocrático, que poderá se retratar da decisão e assim admitir o REsp ou RE ou manter a decisão agravada, remetendo, de qualquer forma, os autos para a corte de destino.

Logo, deve o intérprete ter muita cautela em relação ao juízo de admissibilidade no âmbito do REsp e do RE pelos tribunais locais. Fala-se isso, pois, dependendo da fundamentação apresentada para negar seguimento ou inadmitir os reclamos, será cabível AgInt (artigo 1.030, I, "a" e "b", c/c parágrafo 2º, do CPC) ou ARE/AREsp (artigo 1.030, V, parágrafo 1º, c/c artigo 1.042, do CPC) [4].

Ocorre que um dos problemas mais enfrentados pelos Tribunais de Justiça estaduais, em matéria de recursos excepcionais, é a verificação da correta aplicação dos agravos e as consequências jurídicas e processuais em caso de erro grosseiro na sua interposição.

O STJ e o STF têm diversos precedentes no sentido de impossibilitar o reconhecimento do princípio da fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro na interposição dos agravos previstos nos artigo 1.021 (interno) e 1.042 (próprios autos), ambos do CPC/2015.

A propósito, já decidiu a Corte Cidadã: "Considerando que o recurso adequado contra decisão proferida com base no artigo 1.030, I, b, do CPC/2015 é o agravo interno, não é possível conhecer da insurgência contra decisão que nega seguimento ao recurso quando suscitada em agravo em recurso especial" [5].

Ainda, retira-se dos julgados do STJ: "No tocante à parte da decisão do Tribunal estadual que negou seguimento ao recurso especial com fundamento no artigo 1.030, inciso I, alínea b, do Código de Processo Civil, o único recurso cabível seria o agravo interno ou regimental, dirigido ao próprio Tribunal de origem, segundo previsão expressa do artigo 1.030, § 2.º, daquele mesmo diploma normativo, c.c. o artigo 3.º do Código de Processo Penal" [6].

O STF não destoa: "O manejo de agravo interno em face de decisão que não admite o recurso extraordinário evidencia a ocorrência de erro grosseiro, insuscetível ao princípio da fungibilidade recursal, uma vez que o recurso correto, nessa hipótese, é o agravo nos próprios autos, previsto no artigo 1.042 do Código de Processo Civil" [7].

E mais: "Em vista de denegação de seguimento a apelo extremo ante a aplicação da sistemática da repercussão geral, a interposição do agravo previsto no artigo 1.042 do Código de Processo Civil consubstancia evidente erro grosseiro, já que tal ato decisório é impugnável, com supedâneo no § 2º do artigo 1.030 do mesmo diploma processual, por agravo interno na própria origem" [8].

Não obstante o entendimento firmado pelas cortes superiores no que diz respeito à utilização do agravo interno (artigo 1.021 do CPC/2015) e do agravo nos próprios autos (artigo 1.042 do CPC/2015) em REsp e RE, a discussão acerca do chamado caráter misto da decisão agravada e suas consequências jurídicas é enfrentada pela doutrina processual.

Fala-se isso porquanto há divergência interpretativa em relação à medida cabível após o julgamento do agravo interno pelo tribunal de origem, que mantém a negativa de seguimento recursal fundada no artigo 1.030, I, do CPC/2015, e, assim, não remete a matéria para ser analisada pela corte de destino (STJ ou STF), conforme diferentemente ocorre no caso do agravo do artigo 1.042 do CPC/2015.

Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha admitem que é cabível reclamação constitucional, como se observa na seguinte passagem: "Esse agravo interno cumprirá o papel de servir como veículo do direito à distinção: o recorrente poderá demonstrar que seu caso é distinto, a justificar a não aplicação dos precedentes obrigatórios referidos no inciso I do artigo 1.030, do CPC. Não provido o agravo interno, ao recorrente caberá reclamação para o STF ou STJ, nos termos do inciso II, do §5º do artigo 988 do CPC: o agravo interno terá exaurido as instâncias ordinárias de impugnação da decisão e, com isso, terá sido preenchido o pressuposto da reclamação para o STF ou STJ previsto nesse inciso" [9].

Diferentemente do sustentado pela doutrina processual, o STJ e o STF têm precedentes no sentido de que após o julgamento do agravo interno previsto no artigo 1.021 do CPC/2015 pelo tribunal de origem, fundado no artigo 1.030, I, do mesmo diploma legal, nenhum outro recurso é cabível.

A propósito, confira-se o seguinte precedente da Corte Cidadã: "Na linha da jurisprudência desta Corte Superior, em hipótese de suspensão da tramitação do recurso especial, com fundamento no artigo 543-C, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, não se admite reclamação constitucional, descabendo falar em usurpação da competência do STJ, pois o ato da presidência do Tribunal a quo não possui natureza decisória" [10].

O STF não destoa: "Compete ao órgão colegiado ao qual pertence o juízo prolator do despacho de inadmissibilidade de recurso extraordinário na origem (CPC-2015, artigo 1.021, caput) proceder, em sede de agravo interno, à análise de adequação entre o teor do provimento concedido pelo órgão de origem acerca do tema constitucional destacado no recurso extraordinário e a tese de repercussão geral firmada pela Suprema Corte (CPC/2015, artigo 1.029, §1º c/c o artigo 1.030, § 2º)" [11].

Dessa forma, conclui-se, primeiramente, que observados os ditames do novo CPC/2015 e o chamado caráter misto da decisão agravada, os meios impugnativos devem ser interpostos separadamente: a) agravo interno do artigo 1.021 do CPC/215 para a parte que nega seguimento ao REsp e RE, a ser julgado pela câmara de recurso delegados do próprio tribunal de origem; b) agravo nos próprios autos previsto no artigo 1.042 do CPC/2015 para a parte que não admite o REsp e RE, sendo, portanto, oportunizada a retratação do órgão monocrático ou, caso contrário, deverá ser feita a remessa dos autos para a corte de destino (STJ ou STF), não sendo admitido pelas cortes superiores o princípio da fungibilidade recursal em caso de erro grosseiro na interposição de um pelo outro.

Por fim, há severa divergência entre a doutrina e a jurisprudência pátria acerca da medida processual cabível após o julgamento do agravo interno (artigo 1.021 do CPC/2015) pelo tribunal local, haja vista a ausência de previsão expressa no mesmo diploma legal.

No entanto, tem-se que ainda prevalece o recente entendimento aplicado pelo STJ no julgamento da Rcl 36.476/SP [12], de que não é cabível reclamação ao STJ e STF contra decisão colegiada da câmara de recursos delegados do tribunal de origem, que julgou desprovido ou não conhecido o agravo interno combatendo decisão monocrática do presidente ou vice-presidente, a qual em juízo primário de admissibilidade negou seguimento a REsp e RE nos termos do artigo 1.030, I do CPC/2015.

 


[1] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias.

[2] Mossin, Heráclito Antônio. Mossin, Júlio Cesar O.G. Recurso Extraordinário e Especial. Aspectos Constitucionais e Sumulares. Leme (SP). Ed. JHMizuno, 2018, p. 167.

[3] Mossin, Heráclito Antônio. Mossin, Júlio Cesar O.G. Recurso Extraordinário e Especial. Aspectos Constitucionais e Sumulares. Leme (SP). Ed. JHMizuno, 2018, p. 167.

[4] Vide: https://www.conjur.com.br/2019-ago-14/jose-araujo-recurso-decisao-nega-seguimento-recurso

[5] (AgInt no AREsp 1805379/RJ, rel. ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 3ª TURMA, julgado em 6/12/2021, DJe 9/12/2021).

[6] (AgRg no AREsp 1975060/SP, rel. ministra LAURITA VAZ, 6ª TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 25/11/2021).

[7] (ARE 1325131 AgR, relator (a): LUIZ FUX (presidente), Tribunal Pleno, julgado em 6/12/2021).

[8] (ARE 1278664 AgR, Relator (a): NUNES MARQUES, 2ª Turma, julgado em 3/8/2021).

[9] Jr. Fred Didier, Da Cunda, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, 13ª edição, JusPodivm, 2016, p. 317.

[10] (AgInt no RCD na Rcl 32.112/SP, rel. ministro FRANCISCO FALCÃO, 1ª SEÇÃO, julgado em 10/5/2017, DJe 18/5/2017).

[11] (Rcl 25078 AgR, relator (a): DIAS TOFFOLI, 2ª Turma, julgado em 13/12/2016).

[12] (Rcl 36.476/SP, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 5/2/2020, DJe 6/3/2020).

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  • é advogado criminalista e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc).

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