Opinião

O direito de greve no serviço público

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19 de janeiro de 2022, 18h11

Nos últimos dias, diversas entidades representativas de servidores públicos estão mobilizadas em prol da recomposição de perdas salariais, inclusive com indicativo de paralisação das atividades. Diante desse cenário de mobilização, é oportuno esclarecer alguns aspectos jurídicos relevantes quanto ao exercício do direito de greve no serviço público.

O direito de greve tem previsão constitucional (artigo 9º), estendido aos servidores públicos (artigo 37, VII), competindo aos trabalhadores a decisão de exercê-lo e a formulação das respectivas pautas reivindicatórias, observada a continuidade da prestação de serviços ou atividades essenciais à comunidade.

Embora a Lei nº 7.783/1989 disponha sobre o exercício geral do direito de greve, a norma constitucional de extensão aos servidores públicos é de eficácia limitada e até hoje não foi editada lei específica para o tema. Ante a omissão, foram impetrados diversos mandados de injunção perante o Supremo Tribunal Federal por categorias de servidores públicos em face da mora do Poder Legislativo.

Apesar da procedência dos mandados de injunção, o Poder Legislativo ainda não disciplinou o direito de greve no serviço público. O Supremo Tribunal Federal passou a conferir, então, concretude ao texto constitucional e determinou a aplicação subsidiária da Lei nº 7.783/1989 (Lei Geral de Greve) aos servidores públicos, enquanto inexista a regulamentação do artigo 37, VII, da Constituição Federal.

Conforme assinala a doutrina administrativista, a natureza estatutária da relação entre os servidores e a Administração não pode constituir óbice formal ao exercício do direito de greve:

"Como qualquer trabalhador, o servidor público deve dispor de instrumentos para a reivindicação dos seus direitos. O exercício do direito de greve — utilizado não apenas para reivindicações salariais, mas também para a defesa de melhorias no serviço público — constitui mecanismo social legítimo para a solução das tensões sociais.
Negar ao servidor o direito de greve sob o pretexto de que este carece de regulamentação importa em limitar o exercício de direito expressamente reconhecido pela Constituição Federal"(
FURTADO, Lucas Rocha. "Curso de Direito Administrativo". 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, fl. 797).

A aplicação da Lei n º7.783/1989 deve compatibilizar-se com o princípio da indisponibilidade do interesse público, por exemplo, ao inadmitir-se a paralisação total das atividades, sobretudo as de naturezas essenciais, sob pena de violação ao princípio da continuidade do serviço público (artigo 9º, §1º, da Constituição Federal). A proibição de paralisação completa das atividades no serviço público decorre, também, dos artigos 9º e 11 da Lei nº 7.783/1989.

Considerando que as atividades desempenhadas pelos servidores públicos se destinam ao cumprimento de obrigações assumidas pelo Estado em prol da comunidade, é preciso assegurar a continuidade da prestação de serviços inadiáveis capazes de causar prejuízo irreparável à sociedade. Tal numerário, bem como as atividades, deve ser definido conjuntamente pelas entidades representativas (sindicato/associação) e pela Administração Pública.

Por outro lado, quanto aos requisitos formais para a deflagração do movimento paredista, a lei estipula que, antes de sua decretação, sejam realizadas tentativas de negociação quanto às reivindicações da categoria, bem como a comprovação de que não houve consenso entre o empregador (no caso, a Administração Pública) e os empregados (servidores públicos, representados por seus sindicatos ou associações).

Cumprido tal requisito, é preciso ainda notificar a Administração da paralisação com antecedência mínima de 48 horas, ou de 72 horas, no caso de atividades essenciais. A referida comunicação deve conter o rol de reivindicações que são objeto da greve. As reivindicações da categoria e a decisão de deflagração da greve devem ser tomadas em assembleia geral, observadas as disposições específicas do estatuto da entidade representativa dos servidores.

O encerramento da paralisação pode decorrer tanto de acordo quanto de decisão judicial em dissídio de greve.

Outro aspecto importante refere-se ao pagamento da remuneração durante os dias de paralisação. A Lei nº 7.783/1989 prevê que os contratos de trabalho serão suspensos durante todo o período de paralisação grevista, cujas relações obrigacionais (de fazer e de pagar) serão objeto de temo de acordo, convenção ou decisão judicial (artigo 7º).

A previsão legal admite, mutatis mutandis, o corte de ponto dos servidores públicos e o decesso remuneratório pelos dias parados, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 693.456/RJ (relator ministro Dias Toffoli, j. 27/10/2016), sob repercussão geral (Tema 531), cuja tese autoriza que a Administração proceda ao desconto dos dias de paralisação, "em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público".

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, competente para processar e julgar dissídio de greve de servidores públicos com abrangência nacional, há também jurisprudência reiterada que viabiliza o corte da remuneração, salvo situações em que a paralisação decorra de atrasos vencimentais/salariais ou de situações que impeçam o desempenho das atribuições dos cargos (cf. STJ, 1ª Seção, Pet 7.920/DF, relator ministro Gurgel de Faria, j. 9/10/2019, DJe 4/11/2019).

Para definir as diretrizes relacionadas ao corte de ponto e à celebração de acordo quanto à compensação dos dias parados no âmbito federal, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia editou a Instrução Normativa nº 54, de 20 de maio de 2021, que estabelece a obrigatoriedade de desconto da remuneração, cuja diferença poderá ser restituída ao servidor após a eventual compensação das horas não trabalhadas.

Segundo o regulamento administrativo, a autorização para a compensação da jornada de trabalho depende da anuência do poder público, formalizada em termo de acordo com a entidade representativa dos servidores, que deverá conter, entre outras informações, a quantidade de horas objeto da compensação e o plano de trabalho de reposição das horas não trabalhadas. O início da restituição dos valores correspondentes às horas efetivamente compensadas dependerá, assim, da celebração do termo de acordo.

Sem a pretensão de esgotar a temática relativa ao direito de greve no serviço público, são esses os principais aspectos jurídicos e operacionais aplicáveis ao movimento paredista deflagrado pelos servidores públicos.

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