Nos últimos dias, diversas entidades representativas de servidores públicos estão mobilizadas em prol da recomposição de perdas salariais, inclusive com indicativo de paralisação das atividades. Diante desse cenário de mobilização, é oportuno esclarecer alguns aspectos jurídicos relevantes quanto ao exercício do direito de greve no serviço público.
O direito de greve tem previsão constitucional (artigo 9º), estendido aos servidores públicos (artigo 37, VII), competindo aos trabalhadores a decisão de exercê-lo e a formulação das respectivas pautas reivindicatórias, observada a continuidade da prestação de serviços ou atividades essenciais à comunidade.
Embora a Lei nº 7.783/1989 disponha sobre o exercício geral do direito de greve, a norma constitucional de extensão aos servidores públicos é de eficácia limitada e até hoje não foi editada lei específica para o tema. Ante a omissão, foram impetrados diversos mandados de injunção perante o Supremo Tribunal Federal por categorias de servidores públicos em face da mora do Poder Legislativo.
Apesar da procedência dos mandados de injunção, o Poder Legislativo ainda não disciplinou o direito de greve no serviço público. O Supremo Tribunal Federal passou a conferir, então, concretude ao texto constitucional e determinou a aplicação subsidiária da Lei nº 7.783/1989 (Lei Geral de Greve) aos servidores públicos, enquanto inexista a regulamentação do artigo 37, VII, da Constituição Federal.
Conforme assinala a doutrina administrativista, a natureza estatutária da relação entre os servidores e a Administração não pode constituir óbice formal ao exercício do direito de greve:
"Como qualquer trabalhador, o servidor público deve dispor de instrumentos para a reivindicação dos seus direitos. O exercício do direito de greve — utilizado não apenas para reivindicações salariais, mas também para a defesa de melhorias no serviço público — constitui mecanismo social legítimo para a solução das tensões sociais.
Negar ao servidor o direito de greve sob o pretexto de que este carece de regulamentação importa em limitar o exercício de direito expressamente reconhecido pela Constituição Federal"(FURTADO, Lucas Rocha. "Curso de Direito Administrativo". 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, fl. 797).
A aplicação da Lei n º7.783/1989 deve compatibilizar-se com o princípio da indisponibilidade do interesse público, por exemplo, ao inadmitir-se a paralisação total das atividades, sobretudo as de naturezas essenciais, sob pena de violação ao princípio da continuidade do serviço público (artigo 9º, §1º, da Constituição Federal). A proibição de paralisação completa das atividades no serviço público decorre, também, dos artigos 9º e 11 da Lei nº 7.783/1989.
Considerando que as atividades desempenhadas pelos servidores públicos se destinam ao cumprimento de obrigações assumidas pelo Estado em prol da comunidade, é preciso assegurar a continuidade da prestação de serviços inadiáveis capazes de causar prejuízo irreparável à sociedade. Tal numerário, bem como as atividades, deve ser definido conjuntamente pelas entidades representativas (sindicato/associação) e pela Administração Pública.
Por outro lado, quanto aos requisitos formais para a deflagração do movimento paredista, a lei estipula que, antes de sua decretação, sejam realizadas tentativas de negociação quanto às reivindicações da categoria, bem como a comprovação de que não houve consenso entre o empregador (no caso, a Administração Pública) e os empregados (servidores públicos, representados por seus sindicatos ou associações).
Cumprido tal requisito, é preciso ainda notificar a Administração da paralisação com antecedência mínima de 48 horas, ou de 72 horas, no caso de atividades essenciais. A referida comunicação deve conter o rol de reivindicações que são objeto da greve. As reivindicações da categoria e a decisão de deflagração da greve devem ser tomadas em assembleia geral, observadas as disposições específicas do estatuto da entidade representativa dos servidores.
O encerramento da paralisação pode decorrer tanto de acordo quanto de decisão judicial em dissídio de greve.
Outro aspecto importante refere-se ao pagamento da remuneração durante os dias de paralisação. A Lei nº 7.783/1989 prevê que os contratos de trabalho serão suspensos durante todo o período de paralisação grevista, cujas relações obrigacionais (de fazer e de pagar) serão objeto de temo de acordo, convenção ou decisão judicial (artigo 7º).
A previsão legal admite, mutatis mutandis, o corte de ponto dos servidores públicos e o decesso remuneratório pelos dias parados, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 693.456/RJ (relator ministro Dias Toffoli, j. 27/10/2016), sob repercussão geral (Tema 531), cuja tese autoriza que a Administração proceda ao desconto dos dias de paralisação, "em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público".
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, competente para processar e julgar dissídio de greve de servidores públicos com abrangência nacional, há também jurisprudência reiterada que viabiliza o corte da remuneração, salvo situações em que a paralisação decorra de atrasos vencimentais/salariais ou de situações que impeçam o desempenho das atribuições dos cargos (cf. STJ, 1ª Seção, Pet 7.920/DF, relator ministro Gurgel de Faria, j. 9/10/2019, DJe 4/11/2019).
Para definir as diretrizes relacionadas ao corte de ponto e à celebração de acordo quanto à compensação dos dias parados no âmbito federal, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia editou a Instrução Normativa nº 54, de 20 de maio de 2021, que estabelece a obrigatoriedade de desconto da remuneração, cuja diferença poderá ser restituída ao servidor após a eventual compensação das horas não trabalhadas.
Segundo o regulamento administrativo, a autorização para a compensação da jornada de trabalho depende da anuência do poder público, formalizada em termo de acordo com a entidade representativa dos servidores, que deverá conter, entre outras informações, a quantidade de horas objeto da compensação e o plano de trabalho de reposição das horas não trabalhadas. O início da restituição dos valores correspondentes às horas efetivamente compensadas dependerá, assim, da celebração do termo de acordo.
Sem a pretensão de esgotar a temática relativa ao direito de greve no serviço público, são esses os principais aspectos jurídicos e operacionais aplicáveis ao movimento paredista deflagrado pelos servidores públicos.