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Constituição de 1824 foi marco legal mais importante da independência do Brasil

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5 de janeiro de 2022, 7h32

O Brasil completará 200 anos como país independente de Portugal em 2022. O principal marco legal desse processo é a Constituição de 1824, que organizou o Estado brasileiro e criou as bases do poder político nacional.

Independência ou morte, quadro de Pedro Américo, retrata o momento em que D. Pedro I declarou a independência do Brasil
Domínio público

Em 1808, a família real portuguesa, temendo os avanços do imperador francês Napoleão, se refugiou no Brasil, transferindo a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves para o Rio de Janeiro.

Após a mudança, diversos marcos legais aceleraram o processo que culminaria na declaração de independência, em 1822, diz o colunista da ConJur Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, autor do livro Direito e História uma relação equivocada (Edições Humanidades). Entre eles, o decreto da abertura dos portos às nações amigas, o alvará da liberdade industrial e a tentativa de construção de um sistema de tributação centrado nas incidências sobre o comércio exterior.

Godoy lembra que, do ponto de vista fiscal, a proclamação da independência foi antecedida pela tentativa do governo de examinar a situação do Tesouro Nacional. Com esse objetivo, D. Pedro I editou um decreto que criava uma comissão para tais fins. Esse grupo teria acesso a todos os livros e papeis em posse do Tesouro Nacional, bem como de todos os tribunais e repartições públicas ou em posse de magistrados ou quaisquer outras autoridades. A comissão também contaria com conselheiros da Fazenda, negociantes e um secretário, a quem não se permitia o direito de voto.

"A arrecadação e um imaginário modelo tributário foram construídos de forma casuística ao longo do Primeiro Reinado, dando-se continuidade, basicamente, às fórmulas que D. João VI utilizou desde sua chegada no Brasil, em 1808", explica o advogado.

O marco principal foi a criação, por D. Pedro I, da Assembleia Nacional Constituinte e, consequentemente, da outorga da Constituição de 1824, a primeira e mais longeva da história do país — ficou em vigor por 67 anos.

O presidente do Instituto Brasileiro de História do Direito (IBHD), professor Christian Edward Cyrill Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, destaca que a constituinte de 1823 decretou a recepção de toda a legislação portuguesa elaborada até a independência. "Afinal, o Brasil independente tinha de continuar a ter legislação até que substituísse a do Antigo Regime", explica.

Ordenamento infralegal
Nesse processo de criação de um ordenamento jurídico brasileiro, os principais marcos, conforme Lynch, foram o Código Criminal (1830), o Código de Processo Criminal (1832), a Consolidação das Leis Civis (1855) e, por fim, o Código Civil (1916).

Outra norma fundamental para a consolidação do Brasil como nação independente foi o Código Comercial (1850), ressalta o advogado Sebastião Tojal, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O marco legal, em sua visão, possibilitou a expansão das atividades comerciais pelo país para além da corte, ajudando no processo de interiorização.

A estrutura legal do Brasil foi estabelecida pela Constituição de 1824. "A Constituição determina o estatuto jurídico do país. Organiza e estrutura o poder político. Do ponto de vista do Direito positivo, é um marco absolutamente fundamental", avalia Tojal.

Após a outorga da Constituição de 1824, diversas leis organizaram o Estado brasileiro — especialmente o seu modelo tributário — e fixaram seus marcos institucionais, a exemplo da legislação escravista, que era matéria de Direito Administrativo, afirma Arnaldo Godoy. Ele ressalta que o modelo de administração nacional envolvia inclusive a gestão de pormenores da burocracia e da vida cotidiana. Um exemplo está na exigência de indicação de data de despacho por parte dos magistrados.

"Em princípio, havia os magistrados locais, juízes ordinários, escolhidos pela comunidade, cujo símbolo era uma vara vermelha. Havia também os bacharéis, letrados, nomeados pelo imperador (e anteriormente pelo rei de Portugal), conhecidos como juízes de fora, e que utilizavam uma vara branca com símbolo. A regra que segue, relativa à necessidade de se colocar data nos despachos dados, atingia a todos os magistrados, ordinários e juízes de fora, isto é, de vara vermelha e de vara branca", conta.

A competência do imperador D. Pedro I alcançava assuntos de poder de polícia na cidade do Rio de Janeiro, ressalta Godoy. Com relação ao comércio de carne, por exemplo, o vendedor tinha liberdade para fixar o preço. No entanto, cabia ao governante regrar todo o procedimento de condução do gado aos matadouros, a permissão para esses estabelecimentos funcionarem, a forma de abate dos animais e o modelo fiscal que incidiria sobre a atividade.

"O nível de pormenorização era tal que se dispunha até sobre a cabeça, a língua, o couro, os pés, e os miúdos dos animais sacrificados. A presença do Estado era recorrente em todos os assuntos, inclusive da vida diária. Em palavras diretas: temos a construção de uma imensa burocracia, marcada pela distribuição de favores aos apadrinhados", aponta o colunista da ConJur.

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