Opinião

Impactos previdenciários da aposentadoria especial por ruído

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2 de janeiro de 2022, 7h13

Os requisitos necessários para concessão da aposentadoria especial pela exposição ao agente nocivo ruído ganharam um novo capítulo no âmbito judicial. A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp nº 1886795/RS (Tema Repetitivo nº 1083), fixou a tese de que, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, o reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído deve ser aferido por meio do nível de exposição normalizado (NEN).

Restou decidido ainda que, se ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.

A controvérsia afetada pelo STJ gira em torno do artigo 57 da Lei nº 8.213/1991, que prevê a possibilidade de adoção de um regime previdenciário especial aos segurados que comprovem, durante período especificado em lei, o exercício de trabalho permanente, não ocasional ou intermitente, que prejudique a saúde ou integridade física do trabalhador.

Durante muitos anos, a constatação da condição de segurado especial foi permeada por diversas discussões referentes à identificação dos critérios necessários à constatação da efetiva exposição ao referido agente nocivo, haja vista a possibilidade de considerar-se apenas o nível máximo aferido, a média aritmética simples ou o NEN.

O artigo 58, §1º, da Lei nº 8.213/1991 determina que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos deve ser feita por meio de um formulário, com base no Laudo Técnico de Condições Ambientes do Trabalho (LTCAT). Posteriormente, com a edição do Decreto nº 4.882/2003, a referência ao NEN (média ponderada) passou também a ser exigida, a fim de permitir que a atividade seja computada como especial.

À luz dessas alterações legislativas, de acordo com a 1ª Seção do STJ, a mera adoção do cálculo simples de média aritmética para fins de constatação do regime especial não seria suficiente para refletir a especialidade do trabalho exercido, pois que desconsideraria o tempo de exposição ao agente nocivo durante a jornada de trabalho. Definiu-se, portanto, que, após a edição do Decreto nº 4.882/2003, a identificação do segurado especial estaria condicionada à comprovação do NEN.

A fim de minimizar eventuais discussões pormenores, o STJ considerou que, se a atividade especial for reconhecida somente na via judicial sem indicação do NEN, será imprescindível a realização de perícia técnica que comprove o critério do pico do ruído atrelado aos critérios de habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo.

Embora represente um avanço nas discussões que envolvem a caracterização do ruído e a concessão do benefício especial, a definição da tese, por parte do STJ, não é suficiente para esgotar todas as controvérsias judiciais acerca do tema.

STF  Tema 555
A despeito disso, a definição sobre a necessidade de comprovação da habitualidade e da permanência da exposição por meio de prova pericial representa um avanço nas discussões sobre o tema, sobretudo após a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC (Tema 555), cujo tema era o fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI) como fator de descaracterização do tempo de serviço especial.

Na ocasião desse julgamento, afetado pela sistemática da repercussão geral, o STF definiu que nas hipóteses de exposição do trabalhador ao agente nocivo "ruído", a utilização de EPI, ainda que neutralize os efeitos nocivos, não descaracteriza a concessão da aposentadoria especial.

O julgamento se limitou a analisar a concessão ou não do direito à aposentadoria especial para empregados que trabalham de forma permanente expostos a esse tipo de agente, sem definir  ou sequer discutir  se essa premissa ensejaria a tributação pelo adicional de Seguro Acidente do Trabalho (SAT) incidente sobre a folha de salários.

A despeito disso, após a conclusão do Tema 555, a visão da Receita Federal quanto a incidência da contribuição adicional ao SAT se alterou com publicação do Ato Declaratório Interpretativo RFB n° 02/2019.

O Fisco passou a adotar o entendimento de que "ainda que haja adoção de medidas de proteção coletiva ou individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição do trabalhador a níveis legais de tolerância, a contribuição social adicional para o custeio da aposentadoria especial (…), é devida pela empresa (…)".

O adicional ao SAT
O adicional ao adicional ao SAT é exigido quando a atividade desenvolvida pela empresa exponha de forma permanente seus empregados a condições prejudiciais à saúde ou integridade física. As alíquotas base de contribuição ao SAT  1%, 2% ou 3% poderão ser acrescidas de 12%, 9% ou 6%, conforme a atividade exercida pelo empregado permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.

Assim, quando há o exercício de atividades pelos segurados empregados, de forma não eventual, em condições prejudiciais à saúde, considera-se devido o mencionado adicional ao SAT. "Condição especial" que prejudique a saúde e a integridade física é entendida como a exposição a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos, ou, ainda, a associação desses agentes, em concentração ou intensidade e tempo de exposição que ultrapasse os limites de tolerância colocados em lei  análise de agentes quantitativos, como é o caso do ruído.

Para reduzir a exposição aos agentes nocivos e aos malefícios causados à saúde do empregado, a empresa deve fornecer equipamentos de proteção individual (EPI) ou coletivo (EPC) que neutralizem ou reduzam os danos aos limites de tolerância definidas na Norma Regulamentadora (NR) nº 15, instituída pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Uma vez reduzidos os danos aos limites legais, a empresa não é obrigada a recolher o adicional de SAT.

Ocorre que no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC (Tema 555) o STF analisou se a utilização de um equipamento de proteção individual (EPI) seria justificativa para que o INSS negasse o pedido de aposentadoria especial de um empregado que trabalhou exposto ao agente nocivo ruído.

A análise detalhada do caso deixa claro que a Suprema Corte determinou que na hipótese do empregado ficar exposto a ruído acima dos limites de tolerância, ainda com o uso eficaz do EPI, esse possui direito à aposentadoria especial. Contudo, a decisão do STF limita-se tão somente a essa análise e conclusão, sem tratar do custeio do benefício aposentadoria especial.

O que a Receita Federal tem feito, sobretudo após a publicação do Declaratório Interpretativo RFB n° 02/2019, é pretender alargar uma decisão que trata tão somente do benefício aposentadoria especial  e não de seu custeio  de modo a gerar uma obrigação às empresas de maior recolhimento aos cofres públicos, ferindo o princípio da legalidade, da segurança jurídica e do juiz natural.

Não cabe, ainda, dizer que seria uma interpretação extensiva do julgado, na medida em que o custeio do benefício de aposentadoria especial sequer foi objeto do debate pelo STF. A instituição automática de um ônus à empresa por uma aplicação do julgado que apenas guarda relação com o custeio fere os princípios da capacidade contributiva, da isonomia, da irretroatividade.

A empresa, ao fornecer o EPI, está cumprindo sua função social, promovendo um ambiente de trabalho hígido a seus trabalhadores, além de atender ao princípio da valorização social do trabalho, refletindo o direito do trabalhador à vida, à saúde e ao meio ambiente de trabalho equilibrado, além de refletir no âmbito de regulação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, a definição por parte do STJ  REsp nº 1886795/RS (Tema Repetitivo nº 1083)  a respeito da necessidade de comprovação da habitualidade e da permanência da exposição por meio de prova pericial demanda uma leitura mais adequada do Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC (Tema 555), impedindo sua aplicação irrestrita como tem pretendido a Receita Federal.

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