Opinião

Diferencial de alíquota do ICMS (Difal): o que muda com a aprovação do PLC 32/21

Autor

  • Deonísio Koch

    é advogado tributarista professor de Direito Tributário ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

1 de janeiro de 2022, 6h34

Foi aprovado pelo Senado no último dia 20 o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 32/21 para dispor sobre o diferencial de alíquota nas operações ou prestações interestaduais para destinatários não contribuintes do ICMS, nos termos da EC nº 87/15, atendendo ao que dispõe o artigo 146, III, "a", da Constituição Federal. Na data do fechamento deste artigo, a lei ainda estava pendente da sanção presidencial, o que deve ocorrer sem ressalvas. 

Oportuno lembrar que essa lei representa uma resposta ao julgamento do STF na ADI nº 5.469, impetrada pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM), já em 2016, que vincula a legitimidade dessa exigência à edição de lei complementar, tanto para as empresas regidas pelo regime normal de tributação, como para aquelas enquadradas no Simples Nacional. Houve a modulação dos efeitos da decisão para 2022, o que permitia que as empresas no regime normal de tributação continuassem a cobrar a diferença de alíquota até 31 de dezembro, da forma como vinham fazendo, mesmo sem lei complementar. A partir deste mês, essa exigência somente seria possível mediante regulamentação em lei complementar, em observância ao regramento constitucional já mencionado.  

As empresas enquadradas no Simples Nacional continuavam protegidas contra a cobrança do diferencial por conta de uma liminar concedida na ADI 5.464, declarando inconstitucional a cláusula 9ª do Convênio/Confaz nº 93/15 [1]; estas também seriam obrigadas a recolher esse imposto somente após a edição de lei complementar, segundo a decisão do STF.  

Cabe lembrar que no mesmo sentido o STF julgou o RE nº 1.287.019, em repercussão geral, Tema 1.093, firmando a seguinte tese: "A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais".

Considerando a necessária observância do princípio da anterioridade, de forma cumulativa a nonagesimal (artigo 150, III, "b" e "c"), diante do aumento da carga tributária pelo menos com relação às empresas do Simples Nacional, a mencionada lei complementar somente produzirá efeitos a partir de 1º de abril deste ano; os estados e o Distrito Federal somente podem exigir o diferencial de alíquota nas operações interestaduais destinadas a não contribuintes do ICMS a partir dessa data, desde que tenham editado leis instituindo o tributo em seus respectivos territórios, também em observância à anterioridade mencionada.

Portanto, entre 1º de janeiro de 30 de março haverá um vácuo normativo, no qual os entes tributantes devem se abster de exigir essa diferença de alíquota por carência de fundamentação legal.

A dúvida que pode surgir é sobre qual a alíquota a ser aplicada nas operações interestaduais para não contribuintes do ICMS, durante o período em que não é exigível o Difal? Seria a interna, como era antes da EC nº 87/15, ou a interestadual, já pelo novo formato constitucional?

A resposta nos parece que pode ser extraída do próprio texto constitucional, do artigo 155, §2º, VII [2], com a nova redação dada pela EC nº 87/15.

Essa emenda constitucional teve como propósito uma nova redistribuição da receita tributária entre os estados e o Distrito Federal decorrente das operações mercantis promovidas principalmente pelo e-commerce. Parte da receita, quantificada pela diferença de alíquota, haveria de ser destinada ao estado de destino. Para viabilizar esse novo formato, foi determinada a adoção da alíquota interestadual nas operações e prestações que destinam bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do ICMS, localizado em outro estado (artigo 155, §2º, VII, da CF). Caberia ao estado de destino a diferença entre a alíquota interna nele aplicada e a interestadual referente à operação promovida pelo vendedor do estado de origem.  

Pois bem, a norma constitucional já está em pleno vigor, e ela estabeleceu uma nova divisão da receia tributária nessas operações interestaduais, determinando que se aplique a alíquota interestadual em favor do estado de origem; ao estado de destino, cabe o valor referente à diferença entre a alíquota interestadual e aquela vigente no estado de destino. Logo, mesmo que não haja condições legais para a cobrança da diferença de alíquota destinada ao estado de destino, parece óbvio que o contribuinte vendedor, do estado de origem, deve aplicar a alíquota interestadual e não estará obrigado a recolher o diferencial de alíquota ao estado de destino nesse interregno legal a dar cumprimento ao princípio da anterioridade, no seu sentido amplo: exercício seguinte e a noventena.

Por fim, com relação à empresa enquadrada no Simples Nacional, ainda vige a liminar de tutela contra a exigência do Difal decorrente da EC nº 87/15, concedida na ADI 5.464, medida que continuará protegendo o contribuinte contra essa exigência até entrar em vigor a nova lei complementar já mencionada, o que ocorrerá em 1º de abril. Até essa data, esse contribuinte continuará no mesmo regime tributário ao qual se submetia até agora: sem recolhimento do Difal e aplicação da alíquota do ICMS em conformidade com o regime do Simples Nacional em favor do estado de origem.

 


[1] "CONVÊNIO ICMS 93, DE 17 DE SETEMBRO DE 2015
Dispõe sobre os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada.
[…]
Cláusula nona Aplicam-se as disposições deste convênio aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte  Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em relação ao imposto devido à unidade federada de destino".

[2] "Artigo 155 – Compete aos estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
[…]
II  operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
[…]
§2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
[…]
VII  nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do estado destinatário e a alíquota interestadual;
VIII  a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015) (Produção de efeito)
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto".

Autores

  • é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de SC (TAT) e ex-auditor fiscal do Estado.

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