Embargos Culturais

Avellar Brotero, o pai fundador da teoria constitucional brasileira

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

27 de fevereiro de 2022, 8h02

Miguel Reale, no mais saboroso capítulo de Horizontes do Direito e da História, apresenta-nos judiciosa interpretação da obra de José Maria de Avellar Brotero (1798-1873), a quem reputa como o “primeiro professor da Academia”. Neste texto primoroso Miguel Reale conta-nos um pouco sobre o compêndio que Brotero organizou para o curso que lecionou em São Paulo, Princípios de Direito Natural. Sobre esse livro voltarei aqui nos Embargos Culturais.

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Trato hoje de uma outra obra de Brotero, A Filosofia do Direito Constitucional, publicado em 1842, que a Malheiros reeditou em 2007, com estudo introdutório de José Afonso da Silva. Para o autor da introdução o conteúdo desse interessante livro seria, na verdade, uma teoria geral do direito constitucional ou uma teoria da constituição, que Brotero denominava de direito público universal.

Não se trata de uma análise semântica e estrutural da Constituição do Império, a exemplo do trabalho de Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente. O livro de Brotero é dividido em “lições”. Explorou, sequencialmente conceitos de Direito Público, Direito Político e Direito das Gentes, que definiu como ramos da ciência social. Afirmou que a política não passava de uma abstração e que a verdadeira ciência seria uma política prática, dependente da estatística. Enfatizou a importância da história, que em cada ciência deveria ser considerada como uma parte essencial, nela buscando-se costumes, diplomas, cartas e constituições. Tem-se a impressão, muitas vezes, que Brotero é um autor confuso. Miguel Reale levantou o problema.

O autor tratou dos fins da sociedade civil. A sociedade civil seria inútil, afirma, e não conseguiria seu fim, se não passasse de mera concepção. A sociedade demandava um governo, uma entidade real que qualificaria um poder político. Em seguida explicou o que entendia por soberania, fazendo-o em três dimensões. Constatou que a soberania poderia significar a primazia de uma associação sobre a outra, ou a independência absoluta de um Estado em relação a outro Estado ou, ainda, o poder supremo que um povo teria de se reger e de se governar. Não há discrepância com as teorias tradicionais e bem comportadas que tratam do tema do poder.

Avellar concebia o Judiciário de uma forma minimalista. Para o autor, o direito público universal somente reconhecia dois poderes, o Legislativo que o Executivo. Este último tinha por obrigação a execução das leis. O Judiciário deveria terminar, por sentenças justas, questões que opunham as pessoas. Forte nessa premissa, escreveu que “uma república cuja constituição orgânica criar só dois poderes Legislativo e Executivo é tão república como aquele que tiver em sua constituição a divisão dos poderes Executivo e Judiciário”.

Afirmava que o governo (Executivo) deveria ter o direito de nomear magistrados (Judiciário). Insistia na importância do Poder Executivo, que entendia como inviolável. Dissertou sobre as responsabilidades dos ministros de Estado, ainda que afirmasse (estranhamente) que ministros não fariam parte do Poder Executivo porque não detinham delegação de soberania popular. Considerava-os apenas como conselheiros privados do chefe do Poder Executivo. Este último era soberano, inviolável, irresponsável, dado que contava com uma delegação soberana. Naturalmente, ainda que o texto fosse escrito no sexto ano do longo segundo reinado, há claríssima opção por um modelo democrático de governo.

Nesse sentido, defendeu que nas democracias em geral os cidadãos deveriam gozar de direitos ativos e passivos do voto. Admitia, no entanto, o controle e a distribuição do voto por critérios de idade, propriedade territorial, rendimento, residência, alfabetização, entre outros. Ao fim, insistiu que a melhor forma de governo (ainda que em tese) seria a monarquia democrática. Conseguiria se aproximar a unidade de pensamento e vontade, o progresso, as múltiplas forças da vida, a ordem, a estabilidade e a conservação das coisas e das pessoas.

Avellar tratou da importância dos municípios, um tema que era relevante em meados do século XIX, quando se discutiu a tensão entre a centralização e a descentralização. A comuna cuidaria das necessidades puramente locais, a exemplo da fonte d’água, das plantações, dos pastos comuns, das pontes. Interesses locais demandariam soluções locais. Havia necessidade de um corpo administrativo útil e efetivo.

Ao fim, quando o leitor menos espera, o autor registra que, sem saúde e sem dinheiro, fez demais. Observou que o livro era ditado pela manhã e mandado à tarde para a gráfica. Reconhecia que o livro tinha mil erros, derivado de mil circunstâncias. É um autor honesto.

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