Guerra quente

Visita de apoio de Bolsonaro a Putin ignorou evidências, dizem especialistas

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24 de fevereiro de 2022, 19h47

O ataque russo à Ucrânia na madrugada desta quinta-feira (24/2) causou apreensão em todo o mundo. Segundo o jornal norte-americano The New York Times, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deve anunciar sanções econômicas ainda mais severas contra o governo de Vladimir Putin. Já o The Guardian, do Reino Unido, noticia os protestos internacionais em meio a decisão de Moscou de invadir o país vizinho. A União Europeia, dependente principalmente do gás russo, também se comprometeu a impor sanções "maciças".

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Tensão na fronteira da Rússia e Ucrânia aumentou nos últimos meses
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Segundo especialistas ouvidos pela ConJur, o conflito poderá gerar variadas consequências, jurídicas ou não, para o Brasil, como o aumento no preço da gasolina e de grãos. Ainda no aspecto econômico, o conflito na Europa acaba impactando diretamente na inflação mundial, e consequentemente na brasileira, que já vem sofrendo altas desde o início do ano passado. Além disso, pode haver repercussões no comércio internacional e será um desafio político para o Brasil.

Alessandro Azzoni, especialista em Direito Econômico, destacou que, com o ataque da Rússia, os reflexos serão principalmente no preço do barril do petróleo, que poderá ultrapassar os U$ 120. A produção russa representa 12% da produção mundial, e o país é o terceiro maior produtor do mundo. Há potencial para afetar todas as economias do mundo, inclusive a brasileira, uma vez que a Petrobras regula o preço de acordo com o mercado internacional.

O advogado especialista em Direito Internacional e CEO da Leão Group, Leonardo Leão, ressaltou que a Rússia também é o polo de exploração e produção de diversas outras commodities, como minérios e grãos. A exportação desses bens também deve ser dificultada por possíveis sanções, causando ainda mais danos, alertou.

Para Leão, a alta no preço do petróleo dificulta o trabalho do Banco Central de conduzir e controlar preços para conter a inflação, e isso acaba gerando adoção de taxas de juros mais altas por um longo período. Diante de tantos impasses e incertezas, o jogo político também pode influir diretamente para os brasileiros. O advogado pontuou que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, errou ao fazer uma recente visita ao presidente russo.

"As declarações de Bolsonaro na Rússia ao dizer que Brasil e Rússia pregam a paz mundial foram na contramão do que está sendo dito pelas principais nações. A tendência é que o Brasil se mantenha neutro, até se abstendo de moções contra a Rússia, como foi no caso da invasão da Crimeia em 2014. Mas, diante da gravidade da atual situação, e depois da visita inoportuna a Moscou do presidente, o Brasil pode sofrer mais críticas e pressões dos EUA", finalizou.

Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em Direito Penal Internacional e especialista em Direito Constitucional, disse que a participação do Brasil, em termos de guerra, foi irrelevante, porém demostrou alinhamento comercial com Rússia e China, em detrimento ao eixo capitaneado pelos EUA. De acordo com o especialista, os países filiados à Otan terão participação determinante na guerra, especialmente motivados pelo interesse comercial na região, como o petróleo e gás.

Victor Lopes, advogado especialista em comércio internacional e membro da Comissão de Comércio Internacional do Ibrac, explicou que o comércio internacional é regulamentado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), cujas regras estão contidas no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt na sigla em inglês). De acordo com o seu artigo 21, nenhuma das regras do acordo deve ser usada para impedir que um dos signatários tome todas as medidas que achar necessárias à proteção dos interesses essenciais de sua segurança em tempo de guerra ou em caso de grave tensão internacional.

Ou seja, em tempos de paz, a OMC não permite a imposição de embargos ou sanções comerciais, podendo tais condutas desencadear um processo contencioso dentro do órgão. Porém, em tempo de guerra, cada país poderá fazer embargos da forma como entender melhor, sendo tal conduta totalmente permitida pelas normas internacionais.

Assim, para o advogado, no atual contexto, as regras internacionais estabelecidas por entidades como a OMC podem ser alteradas. Exemplo disso é exatamente a possibilidade de imposição de barreiras de exportação a commodities, o que pode gerar impactos econômicos e afetar contratos firmados entre países.

Para Evandro Menezes de Carvalho, professor de Direito Internacional e coordenador do Núcleo de Estudos China-Brasil da FGV Direito Rio, as consequências jurídicas que o Brasil eventualmente poderá sentir são em relação a acordos comerciais ou de investimento feitos com a Rússia ou Ucrânia.

Alguns desses negócios podem ser interrompidos em razão do próprio conflito, gerando quebra de contrato ou renegociação, por conta das dificuldades de encaminhar mercadorias, por exemplo. Nesses casos, as partes envolvidas podem alegar motivo de força maior para descumprimento dos contratos. Porém, as empresas brasileiras que tenham relação com a Rússia poderiam contestar tal justificativa, uma vez que ela foi uma das "causadoras da guerra".

Do ponto de vista diplomático, Menezes de Carvalho diz acreditar que dado que Bolsonaro insistiu na viagem, poderia ter utilizado a posição do Brasil como membro do Brics para enviar uma mensagem construtiva de paz nesse contexto. No entanto, como demonstrou que o único interesse da viagem eram questões locais, acabou ficando com um papel pequeno nesse conflito.

De qualquer forma, segundo o professor, mesmo que o Brasil não adote medidas de retaliação à Rússia, isso não deve gerar grandes problemas. Por outro lado, se o país decidir retaliar, pode precipitar o fim do Brics, o que teria efeito negativo sobre os interesses brasileiros. "O Brasil tem que se esforçar para manter o diálogo e a paz, pois esse é um dos princípios fundamentais que regem as relações internacionais do Brasil, conforme a Constituição", concluiu.

Márcio Coimbra, presidente da Fundação da Liberdade Econômica e professor do Mackenzie de Brasília, disse que no campo jurídico não há, em princípio, grandes consequências para o Brasil. Apenas será necessário avaliar como ficarão as exportações do Brasil para a Rússia. As principais dificuldades serão devido ao preço do petróleo e relativas ao posicionamento político brasileiro.

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