Opinião

Afinal, ainda existe prisão temporária?

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

16 de fevereiro de 2022, 21h04

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento virtual das ADIs nº 3.360 e 4.109, referente à constitucionalidade da prisão temporária (Lei 7.960/89), definiu que só será cabível prisão temporária quando: "1) For imprescindível para as investigações do inquérito policial (artigo 1º, I, lei 7.960/89) (periculum libertatis), a partir de elementos concretos, e não meras conjecturas, sendo proibida a sua utilização como prisão para averiguações ou em violação ao direito à não autoincriminação; 2) houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes previstos no artigo 1º, III, lei 7.960/89 (fumus comissi delicti), vedada a analogia ou a interpretação extensiva do rol previsto no dispositivo; 3) for justificada em fatos novos ou contemporâneos que fundamentem a medida (artigo 312, §2º, CPP); 4) a medida for adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado (artigo 282, II, CPP), respeitados os limites previstos no artigo 313 do CPP; 5) não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas, previstas nos artigos 319 e 320 do CPP (artigo 282, §6º, CPP)" [1].

Diante dos requisitos fixados pelo Supremo Tribunal Federal, há diferença atualmente entre a prisão temporária e a prisão preventiva?

O Código de Processo Penal estabelece, nos artigos 312 [2] e 313 [3], os requisitos para a decretação da prisão preventiva. Esta deve ser direcionada para assegurar a "garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal", ao passo que deve haver "prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado".

Cumulada com os objetivos do artigo 312, a prisão preventiva só poderá ocorrer nas hipóteses especificadas no artigo 313, bem como não será admitida "com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia".

A prisão preventiva não será decretada também quando for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, não possuindo prazo. Para a decretação da medida, a decisão "deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada".

No que diz respeito à decretação, caberá prisão preventiva: a) em decorrência da prisão em flagrante delito, quando forem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (prisão preventiva decorrente do flagrante delito); b) em razão do descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão (prisão preventiva por descumprimento); c) de maneira autônoma, a pedido do Ministério Público ou da autoridade policial, também quando as medidas cautelares diversas da prisão forem insuficientes (prisão preventiva autônoma).

A prisão temporária, direcionada ao resguardo da integridade da persecução penal investigativa (um dos objetivos da prisão preventiva, vide o trecho "por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal"), passou a exigir, para ser decretada, os mesmos requisitos da prisão preventiva autônoma, com o agravante de só poder incidir quando ocorrer um dos delitos elencados no artigo 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/1989, sendo que, diferentemente da prisão preventiva, a prisão temporária possui prazo legal.

Observa-se, portanto, o esvaziamento da prisão temporária, que, assim como a prisão preventiva, possui natureza cautelar. As diferenças atuais entre as duas prisões são o prazo, o objetivo e o rol delitivos mais restritos da prisão temporária, sendo que a limitação temporal da prisão temporária não gera o efeito processual de impor a finalização da investigação e a conseguinte denúncia ou arquivamento no prazo previsto na legislação.

Além disso, o esvaziamento do instituto da prisão temporária não ocorreu apenas pela fixação dos mesmos requisitos da prisão preventiva autônoma, mas também pela vedação da analogia ou da interpretação extensiva do rol de crimes previstos no artigo 1º, III, Lei nº 7.960/89, que inviabiliza o objetivo do instituto (resguardo da integridade da persecução penal investigativa).

Não é levada em consideração também a desatualização da lei, vide, por exemplo, no inciso III, alínea "l", a previsão do crime de "quadrilha ou bando", quando nem o Código Penal traz essa denominação, abarcando atualmente o delito de "associação criminosa".

Essa previsão torna vulnerável, inclusive, a eficácia persecutória de delitos gravíssimos, como o de pertencimento a uma organização criminosa, que não existiam em nosso ordenamento jurídico no momento da promulgação da Lei nº 7.960/89, violando, desse modo, tratados internacionais que impõem uma atuação célere e eficiente dos Estados no combate à prática desses crimes.

A interpretação restritiva do rol previsto no referido dispositivo não foi adotada pelo Supremo Tribunal nem quando a corte analisou a existência do crime de homofobia, com base na Lei nº 7.716/89, no julgamento da ADO nº 26 [4], quando passou a admitir a existência de um crime sem previsão expressa na lei.

 


[2] "Artigo 312 – A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).
1º. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (artigo 282, 4o). (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).
2º. A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)".

[3] "Artigo 313 – Nos termos do artigo 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV- (revogado). (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
§1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).
§2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)".

Autores

  • é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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