Direto do Carf

Cessão de direito de uso de imagem (e voz): um novo capítulo no Carf

Autores

  • Ludmila Mara Monteiro de Oliveira

    é doutora em Direito Tributário pela UFMG com período de investigação na McGill University conselheira titular integrante da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf e professora de Direito Tributário da pós-graduação da PUC-Minas.

  • Martin da Silva Gesto

    é conselheiro titular da 2ª Seção do Carf doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre e bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).

16 de fevereiro de 2022, 8h00

A (não) incidência de contribuição previdenciária sobre valores recebidos em decorrência de cessão de direito de uso e exploração de imagem é temática recorrente no âmbito da 2ª Seção do Carf, recebendo amplo tratamento nesta revista eletrônica (aqui, aqui, aqui e aqui).

Spacca
Uma incursão nos precedentes até então proferidos nos leva a constatar que quase a totalidade deles — à exceção de um, que versa sobre pagamentos feitos por um revista em favor de um artista [1] — trata de montantes vertidos por clubes de futebol a seus atletas em razão da exploração de suas respectivas imagens [2]. Diferentemente do que já se havia visto na última sessão de julgamento do ano passado [3], apreciado paradigmático caso envolvendo a exigência de contribuições previdenciárias não só sobre os valores recebidos por razão da cessão do uso e da exploração do direito da imagem, mas também sobre aqueles pela exploração de uma marcante voz, conhecida por todos os brasileiros e brasileiras.

Por ter o apresentador e empresário Sílvio Santos celebrado com a autuada, empresa que atua no ramo da capitalização, contrato de cessão de direito de imagem e voz, entendeu a autoridade lançadora estar-se diante de verdadeira prestação de serviços, restando preenchidos os elementos caracterizadores da condição de segurado contribuinte individual [4].

Frisado na autuação ser de conhecimento público a ampla divulgação em comerciais e programas do título de capitalização Tele Sena, bem como a realização de sorteios e entrega de prêmios. Todas essas atividades, realizadas por Sílvio Santos, comprovariam, de acordo com a fiscalização, o seu enquadramento como contribuinte individual.

Ainda de acordo com a autoridade lançadora, o contrato de cessão de direito de imagem e voz demonstraria que seriam cedidos em caráter de absoluta exclusividade, com pactuação de data e horário para a produção de material publicitário para a divulgação dos produtos da empresa, percebendo para tanto vultuosa quantia, tornando incontestável estar-se diante de verdadeira contraprestação pelos serviços prestados por Sílvio Santos à autuada.

Por derradeiro, apontado que o artista seria sócio-controlador da empresa posta no polo passivo, embora nada tenha sido dito acerca de eventual desempenho de funções (diretoria, administração etc.) na indigitada pessoa jurídica ou maiores especificações acerca da natureza do trabalho ou dos serviços a ela prestados.

Tanto a imagem quanto a voz são direitos fundamentais que recebem expressa proteção constitucional — ex vi da alínea "a" do inciso XXVIII do artigo 5º da CRFB/88. São, portanto, direitos de faceta personalíssima que, entretanto, podem ser explorados para fins patrimoniais [5]. A natureza civil da exploração da imagem de atletas, por exemplo, restou evidenciada com a Lei nº 12.395/2011, que incluiu o artigo 87-A na Lei Pelé para assentar que "o direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil (…)", espancando quaisquer dúvidas sobre indigitado cariz justrabalhista.

No caso apreciado, entretanto, não se cogitou ser Sílvio Santos segurado-empregado da autuada, e, sim, contribuinte individual pelos serviços que teriam sido a ela prestados. A despeito de reiteradamente asseverado, tanto pela autuação quanto pela instância a quo, a ocorrência da prestação de serviços, entendeu a maioria dos conselheiros e conselheiras que, da análise do contrato de cessão de direito de imagem e voz acostado aos autos, não foi possível identificar qual seria o serviço supostamente prestado.

Como bem pontuado no voto condutor, "(a) cessão de direito de imagem e voz não é uma prestação de serviços, por se tratar de uma obrigação de dar, de ceder, inexistindo uma obrigação de fazer, intrínseca a uma prestação de serviço. Desse modo, os valores convencionados no contrato de cessão de uso de imagem e voz não podem ser considerados como remuneração decorrente de uma contraprestação por serviços prestados" [6].

A tese que se sagrou vencedora é verdadeira guinada no que, desde 2014, vem prevalecendo na 2ª Seção. Caberá ao futuro responder se corresponderá a um capítulo isolado ou se uma nova história começará a ser escrita no âmbito do Carf.

 

* Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


[1] CARF. Acórdão nº 205-00.492, cons. rel. DAMIÃO CORDEIRO DE MORAES, sessão de 9 de abril de 2008 (unanimidade).

[2] A título exemplificativo, cf. alguns julgados, todos proferidos no âmbito do Carf, todos pela manutenção da autuação: Acórdão nº 2301­004.734, cons. rel GISA BARBOSA GAMBOGI NEVES, cons. JULIO CESAR VIEIRA GOMES (redator designado), sessão de 15 de junho de 2016 (por maioria); Acórdão nº 2401­004.191, cons. rel. LUCIANA MATOS PEREIRA BARBOSA, sessão de 19 de fevereiro de 2016 (à unanimidade); Acórdão nº 2401­001.617, con. rel. KLEBER FERREIRA DE ARAÚJO, sessão de 10/2/2011 (à unanimidade); Acórdão nº 9202-007.468, cons. rel. PATRÍCIA DA SILVA, cons. ELAINE CRISTINA MONTEIRO E SILVA VIEIRA (redatora designada), sessão de 29 de janeiro de 2019 (voto de qualidade). Noutro giro, colhem-se os seguintes precedentes nos quais verificados o cancelamento da exigência: Acórdãos 2403-002.721 e 2403-002.722, cons. rel. MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO, sessão de 10 de setembro de 2014 (por maioria); Acórdão nº 2301-003-825, cons. rel. WILSON ANTONIO DE SOUZA CORRÊA, Cons. MAURO JOSÉ SILVA (redator designado), sessão de 19 de novembro de 2013 (por maioria, posteriormente reformado pela Câmara Superior); Acórdão nº 2301-00.665, cons. DAMIÃO CORDEIRO DE MORAES, sessão de 29 de outubro de 2009 (unanimidade)

[3] CARF. Acórdão nº 2202-009.113, Cons. Rel. MARTIN DA SILVA GESTO, sessão de 3 de dezembro de 2021 (desempate pró-contribuinte, nos termos do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02).

[4] Nos termos da al. "g" do inciso V do artigo 12, da Lei nº 8.212/91, são segurados contribuintes individuais "quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego".

[5] Calha ressaltar que a utilização da imagem sem autorização do titular faz nascer direito à indenização. Cf. nesse sentido o verbete sumular de nº 403 do STJ, segundo o qual "independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais".

[6] CARF. Acórdão nº 2202-009.113, cons. rel. MARTIN DA SILVA GESTO, sessão de 3 de dezembro de 2021 (desempate pró-contribuinte, nos termos do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02).

Autores

  • é doutora em Direito Tributário pela UFMG, com período de investigação na McGill University. Foi residente pós-doutoral na UFMG. Conselheira titular integrante da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf; professora de Direito Tributário da pós-graduação da PUC-Minas.

  • é conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).

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